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Reforçar os ecossistemas alimentares locais: uma receita para o sucesso?

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14 October 2020
Read time: 5 minutes

Descubra como as cidades URBACT estão a usar a alimentação sustentável e a agricultura urbana para lidar com uma série de desafios locais.

Neste artigo, a perita do programa URBACT Marceline Bonneau destaca vários municípios parceiros de redes URBACT que estão a optar pela transição para ecossistemas alimentares locais mais sustentáveis, bem como algumas das práticas que desenvolveram no processo. Conclui com uma chamada de atenção para a importância de uma política alimentar integrada ao nível do município.

Uma multiplicidade de soluções alimentares locais nas cidades URBACT

Desde 2013, o programa URBACT apoia sete redes que desenvolvem trabalho no âmbito da alimentação sustentável e da agricultura urbana - envolvendo cerca de 50 cidades europeias em aprendizagem transnacional e intercâmbio -, designadamente as redes FOOD CORRIDORS, BioCanteens, RU:RBAN, BeePathNet, Sustainable Food in Urban Communities, Agri-Urban e Diet for a Green Planet.

A diversidade dos tópicos abrangidos por estas cidades URBACT reflete a complexidade do nosso sistema de alimentação e as ligações entre prioridades sectoriais e políticas, como ilustrado na visão geral abaixo.

Temas abrangidos pelas redes URBACT © Marcelline Bonneau

A pandemia da covid-19 tornou cada vez mais óbvia a necessidade de assegurar que ninguém fica para trás no que respeita uma das nossas necessidades primárias: a alimentação. Entre outros municípios, Atheniou (CY) Mollet del Vallès (ES), Milão (IT) e Mouans-Sartoux (FR) têm estado particularmente ativos na adaptação dos seus sistemas alimentares durante a pandemia, incorporando a solidariedade na continuada integração dos seus sistemas alimentares locais.

Já há vários anos que Mollet del Vallès inclui a justiça alimentar na sua agenda, como o demonstra o envolvimento da cidade nas redes URBACT Diet for a Green Planet e Agri-Urban. A estratégia “Alimentar-se bem em Mollet” promove hábitos alimentares saudáveis, disponibilizando aos seus cidadãos acesso a alimentos locais, biológicos e sustentáveis, enquanto os educa para a escolha de uma alimentação saudável. A estratégia de apoio a populações vulneráveis inclui a criação de parcelas de cultivo sociais num parque agro-ecológico.

Workshop com famílias © Cidade de Mollet dèl Vallès

Soberania alimentar como cimento do ecossistema de produção local

Na definição do movimento internacional Via Campesina, a soberania alimentar implica que as pessoas que produzem, distribuem e consomem os alimentos controlem os mecanismos e políticas de produção alimentar e distribuição.

Para alcançar a soberania alimentar e assegurar o acesso local à alimentação, muitas cidades aperceberam-se da importância de uma produção de base essencialmente local, acompanhada de uma agricultura biológica (incluindo as hortas urbanas), assim como de redes de distribuição (supermercados, mercados, cooperativas, …), processamento e preparação de alimentos (catering, cantinas) mais sustentáveis.

O LAG Pays de Condruses (BE), parceiro das redes URBACT Agri-Urban e BioCanteens, implementou um modelo de incubação agrícola, combinando a produção alimentar, a formação e a comercialização – o primeiro projeto do género na Valónia (BE). Intitulado ‘Point Vert’ (Ponto Verde), o projeto oferece acesso a terrenos orgânicos e à disponibilização de infraestruturas e ferramentas numa área de mais de seis hectares (incluindo seis estufas de 700 m2). Os formandos podem experimentar diferentes culturas e técnicas de cultivo, bem como receber apoio para empreendedorismo e comercialização. Também disponibiliza um espaço de reuniões e networking para os agricultores.

Point Vert © Strategic Design Scenarios (SDS)

Paralelamente, a garantia de um planeamento urbano e de uso dos solos adequado também se tornaram preocupações chave. Ainda que no seu início, a rede URBACT FOOD CORRIDORS procura reforçar as ligações urbano-rurais, ao nível das cidades e das (micro) regiões.

Turismo alimentar como principal motor para as cidades

Outras cidades centram-se na atratividade do seu território através do incremento e melhoria da produção local, do processamento e preparação de alimentos e da promoção da marca e dos seus produtos locais. É este o enfoque de Amarante (PT), parceira da rede BeePathNet, que se centra na apicultura urbana relacionada, ao nível local, com o ambiente, a biodiversidade e os desafios da autossuficiência. A cidade está a desenvolver a plataforma ‘Bee Path’ para promover os seus produtos relacionados com as abelhas e o mel e atrair turistas. A cidade trabalha com apicultores e com escolas e, claro, todos participam no Dia Mundial das Abelhas!

Produtos da apicultura em Amarante © Cidade de Amarante

E as pessoas?

Muitas cidades estão empenhadas em alterar o comportamento do consumidor, designadamente convidando os cidadãos a consumir dietas mais biológicas, sazonais, locais e à base de vegetais e, ao mesmo tempo, reforçando o envolvimento da comunidade.

Em Cracóvia (PL), cidade parceira da rede URBACT RU:URBAN, isto é feito através do programa ‘Gardens with Class’, dirigido à construção comunitária e às escolas. Este programa apoia a implementação de jardins nas escolas primárias, uma abordagem que é educativa tanto na forma como no conteúdo, implicando uma experiência direta de natureza. O objetivo final é abrir estes jardins à comunidade e recompensar professores das escolas com prémios pelo seu empenho e concretizações, sendo que estão envolvidos cerca de 50 professores de 18 escolas (uma por bairro), com benefícios esperados para as comunidades locais, a saúde, as carreiras dos professores e novas formas de aprendizagem.

Gardens with Class’ em Cracóvia © Cidade de Cracóvia

As cidades também podem trabalhar para transformar, de obstáculos em facilitadores, os quadros legislativos e de mercado, assim como para encorajar a mudança para mais sustentabilidade, tendo a contratação pública provado ser uma das ferramentas mais úteis para as cidades europeias neste campo.

Por exemplo Mouans-Sartoux (FR) – parceiro líder da rede URBACT BioCanteens – abriu o debate a representantes eleitos e funcionários públicos para adaptar a legislação de modo a que a contratação pública possa melhorar efetivamente o fornecimento alimentar das cantinas escolares. Os princípios chave aplicados por Mouans-Sartoux são:

  • Separar previamente grandes parcelas agrícolas para permitir aos produtores locais de monoculturas submeterem propostas;
  • Incluir produtos biológicos de modo sistemático e organizado;
  • Aumentar as parcelas para alimentos biológicos;
  • Introduzir questionários para melhorar o conhecimento sobre os fornecedores locais e os seus produtos;
  • Definir critérios de seleção para melhor abarcar questões de qualidade e ambientais.

Graças a estes princípios, a colaboração com os fornecedores locais tornou-se mais realista e eficiente.

Uma cantina escolar sustentável em Mouans-Sartoux © Strategic Design Scenarios (SDS)

A importância das políticas alimentares urbanas locais

Estas são apenas algumas das muitas histórias das cidades europeias URBACT que podemos partilhar. Comum a todos estes exemplos específicos e individuais é a importância das cidades desenvolverem um quadro político que assegure o apoio à alimentação e a projetos relacionados com a agricultura de modo coerente e estruturado, mas também transversal e integrado. Isto é particularmente desafiante porque as políticas alimentares ainda pertencem à esfera de diversos ministérios e departamentos a diferentes níveis: local, regional e nacional. Na Europa ainda não temos Ministérios da Alimentação!

Um excelente exemplo deste tipo de abordagem política, e um dos resultados emblemáticos da rede URBACT Sustainable Food in Urban Communities, é a Good Food Strategy da região de Bruxelas, que, através do trabalho na rede, desenvolveu um processo local participativo, reuniu conhecimento, cocriou uma visão e planeou ações mensuráveis.

A cocriação da ‘Good Food Strategy’ em Bruxelas © Bruxelles environnement

A estratégia resultante, lançada em 2016, engloba princípios de inclusão - com as autoridades locais a liderarem através do exemplo -, parcerias, mudanças de comportamento e a crescente capacidade das partes interessadas para iniciarem os seus próprios projetos. A estratégia inclui 15 ações estruturadas em torno de 7 temas:

  1. Aumentar a produção alimentar local sustentável;
  2. Apoiar a transição para um fornecimento relocalizado e sustentável para todos;
  3. Apoiar a transição para a exigência [de produtos mais sustentáveis] para todos;
  4. Desenvolver uma cultura desejável e sustentável de “boa alimentação”;
  5. Reduzir o desperdício alimentar;
  6. Conceber e promover os sistemas alimentares do futuro;
  7. Assegurar uma implementação estratégica.

Após o sucesso desta estratégia, foi posta em marcha uma outra mais ambiciosa para 2022, mais uma vez cocriada por todas as partes interessadas do ecossistema alimentar de Bruxelas.

Estamos ansiosos por conhecer os resultados das redes URBACT agora a decorrer, relacionadas com a alimentação e por assistir ao caminho que as suas cidades parceiras irão percorrer em direção a um melhor acesso a produtos locais de alta qualidade para os seus cidadãos.

Está interessado em políticas e abordagens no âmbito da alimentação urbana? Convidamo-lo a explorar a informação já partilhada pelas nossas cidades e redes e a estar atento a futuros artigos URBACT sobre o tema da alimentação.

 

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Texto da autoria de Marcelline Bonneau, apresentado em 06/10/2020