Porque é que a abordagem ao desenvolvimento económico comunitário de Lisboa é tão importante na Europa atual?
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03 October 2018Bairros e áreas de intervenção prioritária BIP/ZIP
Lisboa desenvolveu um modelo participativo para trabalhar em bairros desfavorecidos através da utilização do instrumento de desenvolvimento local de base comunitária (DLBC) financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. São muito poucos os modelos de DLBC urbano na Europa, constituindo Lisboa e Haia os dois exemplos mais significativos. Este documento analisa pormenorizadamente o programa BIP/ZIP em Lisboa, que conquistou o Selo de Boas Práticas URBACT em 2017.
A estratégia BIP/ZIP de Lisboa visa promover a coesão social e territorial, a cidadania ativa, a auto-organização e a participação comunitária. A abordagem de Lisboa responde à fratura comunitária provocada pelos problemas sociais, económicos e ambientais. Quando Lisboa deu início ao programa BIP/ZIP em 2010, a ideia principal era identificar bairros com uma fraca coesão social e que sofriam de más condições socioeconómicas, urbanas e ambientais. Na maioria destas zonas não existia uma ligação significativa entre os cidadãos e as autoridades locais e, por conseguinte, o BIP/ZIP procurou construir uma nova relação através do trabalho conjunto em projetos de pequena dimensão, com custos inferiores a 50 mil euros, para melhorar as condições. O programa mantém-se em curso ao longo de dois períodos de programação, tendo sido iniciado em 2010, ainda antes da inclusão do novo artigo sobre o DLBC na regulamentação, sendo financiado através do programa operacional nacional (FEDER).

A conceção do BIP/ZIP: um primeiro mapa das fraturas sociais e territoriais da cidade
Lisboa recolheu informação estatística sobre fatores sociais, económicos, urbanos e ambientais para apurar quais as áreas mais desfavorecidas da cidade e examinou estas zonas. Depois, identificou e mapeou as fraturas sociais e territoriais da cidade. Este tipo de mapeamento foi uma novidade na cidade e no país: um conceito verdadeiramente inovador em 2009-2010, utilizando uma abordagem baseada em dados científicos para identificar os problemas que verdadeiramente afetavam os cidadãos. Lisboa utilizou os dados do recenseamento decenal nacional e outros dados municipais e governamentais mais atualizados. A cidade analisou vários conjuntos de dados e mapas para compreender as dinâmicas sociais e territoriais.
Lisboa identificou 67 bairros por toda a cidade, entre zonas habitacionais na periferia e o centro histórico. No seu conjunto, estas zonas abrangiam 141 126 pessoas de uma população total de 547 733 pessoas (aproximadamente um quarto da população de Lisboa).
Um modelo de governo participativo
Uma rede de desenvolvimento local de base comunitária atua como Grupo de Ação Local ao nível da cidade. Trata-se de uma interpretação interessante do regulamento do FEDER e está estruturada para cumprir o regulamento, uma vez que nenhum setor tem uma participação com direito de voto superior a 49%.
Antes do lançamento do BIP/ZIP, foi efetuada uma extensa consulta pública com um vasto leque de partes interessadas. A ideia era melhorar a relação entre os cidadãos, ONG e serviços municipais. A participação, tanto na análise dos problemas dos bairros como na promoção de solução inovadoras, está no centro desta abordagem.
Embora o ponto de partida de definição das áreas sejam os dados, as fronteiras são difíceis de definir, porque têm de fazer sentido nos bairros em termos de identidade e de outros fatores.
Todos os anos, é realizado um concurso aberto às organizações nos 67 bairros. O concurso é, normalmente, publicado na primavera e mantém-se aberto durante três meses. Um critério essencial de elegibilidade é que uma organização tenha pelo menos duas entidades patrocinadoras a trabalhar em conjunto, não sendo aceites propostas de organizações individuais. A candidatura pode ascender aos 50 000 euros e o projeto tem de ficar concluído no período de 12 meses e deve ser sustentável a longo prazo, o que é definido como tendo uma duração de dois anos após o fim do financiamento. As organizações têm de analisar a situação, criar a respetiva parceria, estabelecer objetivos e resultados a atingir e, de seguida, definir as atividades para alcançar esses resultados. As candidaturas começam por ser analisadas pelo conselho municipal eleito, o qual define uma ordem de prioridades inicial antes de submeter à aprovação do município a lista restrita dos projetos a incluir no programa global para a cidade.
O programa está aberto a organizações sem fins lucrativos e a grupos informais, como é o caso das associações de moradores. As associações informais têm de se associar com organizações formais, o que não costuma constituir um problema, uma vez que cada candidatura tem de apresentar um mínimo de dois parceiros, Lisboa tem um processo de candidatura online e qualquer iniciativa pode candidatar-se e ser considerada para seleção desde que satisfaça os critérios de elegibilidade.
Mais de 230 projetos financiados
Até 2017 Lisboa recebeu aproximadamente 500 candidaturas e financiou mais de 230 projetos, todas elas pequenas iniciativas espalhadas por toda a cidade. Até à data, o orçamento ascendeu a 9 milhões de euros, e um total de 400 organizações estiveram envolvidas nos projetos no âmbito do programa BIP/ZIP nos últimos cinco anos.
As candidaturas ao BIP/ZIP estão disponíveis no sítio web, de acordo com o ano de edição. Em 2018 foram selecionados 39 projetos entre 106 candidaturas, sendo a natureza dos projetos diversificada. Os projetos tipicamente financiados incluem:
- Melhorias em pequenos parques e instalações de lazer
- Projetos de combate à violência de género
- Melhorias ambientais de pequena escala
Foram criados gabinetes locais, denominados GABIP, para apoiar o processo de DLBC numa zona de seleção. Estes reúnem as autoridades municipais, membros eleitos e intervenientes locais. Existem sete gabinetes que abrangem 16 zonas locais e dez bairros: Padre Cruz, AUGI, Mouraria, Boavista (ler o artigo sobre habitação na Boavista de Laura Colini), Alto da Eira, Ex-SAAL e Almirante Reis. Estes gabinetes ajudam a orientar as iniciativas e os investimentos nas zonas locais. Cada GABIP tem um coordenador, permitindo que o município transfira a tomada de decisões para a escala local e a partilhe com os intervenientes locais.
Lisboa está a trabalhar na revisão do mapa BIP/ZIP com base em dados de estudos, o que permitirá a sua comparação com o mapa anterior para compreender como é que a cidade tem mudado desde o início de 2010.
Retrato da Mouraria
A Mouraria ilustra como a abordagem do DLBC em alguns projetos tem de ser complementada por outras iniciativas de dimensão física e empresarial.
A Mouraria é um bairro multiétnico de classe operária próximo do centro da cidade. No início dos anos 2000, o bairro encontrava-se bastante degradado e foi alvo de uma série de esforços integrados de regeneração urbana envolvendo a comunidade local, ainda antes do início do DLBC em Lisboa. Registou-se um importante investimento no domínio público, principalmente nas praças e ruas centrais da área bem como nas instalações comunitárias, tendo um projeto identificado personagens locais conhecidas e colocado as respetivas imagens nas paredes.
A Mouraria também tem sido o foco de outras políticas municipais, com o objetivo de reinventar Lisboa como uma cidade empreendedora e inovadora. A cidade tem assistido a uma explosão de espaços de coworking e incubadoras na última década, apoiados pelas autoridades municipais e localizados cada vez mais em bairros desfavorecidos. O Centro de Inovação da Mouraria situa-se num antigo palácio e tem espaço para 50 empresários criativos. Estimula a economia criativa da cidade e fornece um ponto focal para a atividade empreendedora local ao mesmo tempo que contribui para a regeneração da economia do bairro.
A Mouraria ilustra como o DLBC pode ser associado a outras estratégias municipais, tanto a nível de regeneração, como de empresas e de transportes. Em Lisboa, o BIP/ZIP complementa outras intervenções políticas e promove o envolvimento da comunidade de um modo mais abrangente, sem porém substituir nem se sobrepor a outras políticas gerais.
Em parte, devido à sua localização e ambiente e em parte porque as políticas municipais têm tornado a Mouraria mais atrativa, o bairro corre agora o risco de se tornar vítima do seu próprio sucesso. Estão em construção alguns empreendimentos imobiliários de grande escala e o bairro tem sido frequentemente referido em artigos sobre Lisboa publicados em jornais de referência.
Realizou-se um walkshop no bairro durante o Festival da Cidade URBACT 2018.
Lições para outras cidades
O programa BIP/ZIP tem vindo a tornar-se num importante instrumento de política municipal e gerado diversas parcerias à escala dos bairros.
Globalmente, a abordagem BIP/ZIP ao DLBC implementada por Lisboa oferece um rumo às autoridades urbanas que querem utilizar o regulamento DLBC quer como uma ferramenta autónoma quer como parte de um desenvolvimento integrado da cidade, recorrendo ao financiamento nos termos do artigo 7.º do FEDER, por exemplo no âmbito de um investimento territorial integrado. O BIP/ZIP opõe-se ao paradigma prevalecente do investimento em infraestruturas, permitindo que as comunidades locais obtenham financiamento para projetos importantes de pequena escala. Todavia, não possui os recursos para combater os problemas mais gerais dos bairros desfavorecidos nem de responder às iniciativas lideradas pelo mercado que promovem a gentrificação à custa dos cidadãos locais. Estes só podem ser corrigidos por uma ação concertada a vários níveis num vasto leque de áreas políticas – muitas das quais não são controladas pelas cidades.
Apesar das suas limitações orçamentais, o BIP/ZIP demonstra o que é possível alcançar através do desenvolvimento local de base comunitária. Nomeadamente, o programa faz um esforço sustentado para envolver os intervenientes locais e tornar a mudança numa realidade. As cidades por toda a Europa necessitam deixar de fazer coisas aos bairros num paradigma apoiado pela indústria do desenvolvimento e seguir o exemplo de Lisboa, aceitando uma abordagem de trabalho com as comunidades e de construção dos seus próprios ativos.
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Texto da autoria de Peter Ramsden
Submitted by Ana Resende on