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O selo francês ÉcoQuartier - uma iniciativa para apoiar as comunidades no planeamento sustentável das cidades

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08 May 2018
Read time: 4 minutes

O conceito de “écoquartier” (bairro ecológico) - o termo é uma contração de duas palavras francesas, “écologique” e “quartier” - foi inspirado nas experiências dos ecobairros dos países do Norte da Europa.

Ao criar um Selo, concretizado em quatro fases e de acordo com critérios de desenvolvimento urbano sustentável, o Estado francês queria levar a abordagem mais longe. A abordagem obteve sucesso em França e alargou-se a outros bairros e cidades de todo o mundo.

Ecobairros: contexto histórico do conceito e os primeiros projetos na Europa

A Carta de Aalborg, aprovada em 1994 pelos participantes na Conferência Europeia sobre Cidades Sustentáveis, reforça o compromisso das cidades europeias em implementar programas de desenvolvimento urbano nas comunidades.

Os primeiros ecobairros surgiram no mesmo período. Entre os primeiros encontram-se dois ecobairros construídos em zonas industriais reconvertidas:

Hammarby Sjöstad, em Estocolmo (SE)

Västra Hamnen, em Malmö (SE)

E um bairro edificado a partir da reconversão de um antigo quartel militar:

Vauban em Fribourg im Brisgau (DE)

Desafios da mistura social e da normalização dos edifícios

Embora o conceito dos ecobairros seja um sucesso, foram apontadas diversas críticas à "primeira geração" de projetos. Estes bairros são, principalmente, acusados de não serem socialmente mistos, o que leva alguns sociólogos a falar em neoliberalismo e neocomunitarismo que, para alguns, não passa das primeiras fases da gentrificação destes bairros (Béal V., Charvolin F., Morel Journel C., 2011). A normalização dos edifícios, obrigados ao cumprimento de normas ambientais precisas de modo a serem mais eficientes, é igualmente condenada, uma vez que pode ter contribuído para criar uma normalização de "bairros modelo" (Boutaud B., 2009) nos quais as características de um lugar, a cultura local e o respetivo património se tornam invisíveis.

O selo francês ÉcoQuartier traduz os princípios do desenvolvimento urbano sustentável

A França começou a utilizar o conceito na década de 2000. Após a lei que se seguiu à "Grenelle de l’Environnement" (2007), a abordagem foi adaptada e alargada a todos os novos projetos urbanísticos de todas as cidades francesas. Em 2008, o governo lançou o «Plano para as Cidades Sustentáveis» que inclui, entre outros, a abordagem ÉcoQuartier.

Esta abordagem transformou-se no selo ÉcoQuartier. Atualmente, mais de 800 comunidades francesas são membros do "Club ÉcoQuartier". O selo garante a qualidade dos projetos de acordo com critérios fundamentais (a nível técnico, de governação, económico e de dinâmicas de bem-estar). A abordagem é flexível e permite que o quadro de referência ÉcoQuartier seja contextualizado e adaptado a qualquer território e tipo de cidade, independentemente do seu tamanho, contexto, história e cultura.

De forma a assegurar a materialização dos princípios do desenvolvimento urbano sustentável sem normalizar os bairros, foram estabelecidos vinte compromissos ÉcoQuartier. Estes vinte compromissos também destacam o envolvimento dos cidadãos (quarto compromisso: "Ter em consideração as práticas dos utilizadores e os condicionalismos de todas as partes interessadas nas opções de planeamento e concepção") e a diversidade social (sétimo compromisso: "Implementar as condições para a diversidade social e intergeracional, para que possamos viver juntos em harmonia e solidariedade").

O selo ÉcoQuartier desdobra-se em quatro fases:

Primeira fase: fase de projeto

Segunda fase: construção

Terceira fase: finalização

Quarta fase: confirmação

Esta abordagem por fases permite que as comunidades beneficiem de uma série de recursos, apoio especializado, formação específica e dias de intercâmbio regional com outras comunidades e parceiros, conferindo, também, visibilidade nacional aos respetivos projetos. A breve trecho, isto irá igualmente proporcionar visibilidade a nível europeu devido ao Quadro de Referência para as Cidades Sustentáveis.

Uma ferramenta para alargar o desenvolvimento sustentável que apresenta algumas semelhanças com o URBACT

Com vista a alargar o desenvolvimento sustentável por toda a França, a abordagem ÉcoQuartier utiliza métodos semelhantes aos do programa URBACT. As duas abordagens partilham o mesmo objetivo de juntar diversos intervenientes e de oferecer a possibilidade de trabalhar em conjunto de modo a criar territórios resilientes, capazes de se adaptarem para fazer face às alterações climáticas. As duas abordagens também oferecem apoio aos territórios que queiram tornar-se mais acolhedores e dinâmicos.

Mouans-Sartoux: uma cidade empenhada em tornar-se mais sustentável

Situada no Sul de França, Mouans-Sartoux é um exemplo das vantagens de participar em iniciativas como o URBACT e o ÉcoQuartier destinadas a desenvolver e melhorar o processo de decisão política. Ao participar na rede URBACT AGRI-URBAN (que apoia a agricultura urbana), a cidade recebeu também o selo Boas Práticas URBACT pela sua experiência no "fornecimento de refeições a escolas com base em produtos alimentares saudáveis e produzidos localmente”. Mouans-Sartoux acabou por optar por investir igualmente na abordagem ÉcoQuartier. A cidade assinou a Carta ÉcoQuartier em 2017 e, até à data, atingiu a primeira fase do selo no bairro Plaines Chapelle.

Intercâmbio com outras cidades: um círculo virtuoso para a "Eurometrópole de Estrasburgo"

A partilha de experiências é um ativo fundamental oferecido pelas abordagens URBACT e ÉcoQuartier, com a realização de eventos regionais, dias nacionais, ações de formação, seminários, etc., que permitem que diferentes intervenientes trabalhem em rede e participem em conjunto na divulgação de boas práticas e na criação de um círculo virtuoso.

A “Eurometrópole de Estrasburgo” está, desde há muito, empenhada na preservação da biodiversidade. Vencedora em 2014 dos títulos "Capitale Française de la Biodiversité" (capital francesa da biodiversidade) e "Best city for biodiversity 2017" (melhor cidade para a biodiversidade 2017), o município é também membro do Club ÉcoQuartier, com o ÉcoQuartier de Danube (selo da segunda fase) e com o ÉcoQuartier de la Brasserie (selo da terceira fase). Alain Jund, Vice-presidente da Eurometrópole de Estrasburgo e Vice-presidente da Câmara de Estrasburgo, preside à comissão nacional ÉcoQuartier. A “Eurometrópole de Estrasburgo” aderiu à rede URBACT EGTC (desenvolvimento de estratégias transfronteiriças de desenvolvimento urbano), tendo-lhe sido atribuído o título de Boa Prática URBACT pela sua Carta de Biodiversidade. A cidade é, igualmente, membro da rede BOOSTINNO para a inovação social.

Governação partilhada e participação dos cidadãos

As abordagens URBACT e ÉcoQuartier promovem a governação partilhada. Os grupos locais URBACT envolvem as principais partes interessadas dos setores público e privado. Do mesmo modo, a abordagem ÉcoQuartier envolve um vasto leque de parceiros internos (de modo a assegurar uma abordagem transversal nos serviços) e de parceiros externos (intervenientes no projeto: habitantes, utilizadores, gestores, responsáveis pelo planeamento, promotores, agentes económicos, associações, parceiros institucionais e habitação social).

Êxito no envolvimento da comunidade local na renovação da cidade

Les Mureaux, Ile de France

O município de Les Mureaux, situado na região de Ile-de-France, viu ser-lhe atribuído o selo ÉcoQuartier - quarta fase em 2017. Enquanto parceiro da rede URBACT CASH para a habitação acessível, entre 2009 e 2013, o município mobilizou peritos e associações para o seu projeto de renovação urbana. A cidade adotou uma abordagem integrada e participativa, nomeadamente para conceção do Parc Molière, baseada numa consulta alargada aos habitantes, futuros utilizadores e gestores. Os jardins das cozinhas, os parques infantis e os campos desportivos foram concebidos em conjunto com os habitantes, no âmbito de um sistema de apoio e sensibilização.

Morne à l’Eau, Guadalupe

A vontade de incluir os residentes locais na preparação e na implementação de projetos está omnipresente em Morne-à-l’Eau, um município envolvido tanto na abordagem ÉcoQuartier como no programa URBACT (rede CityMobilNet).

Situado na ilha de Guadalupe, nas Índias Ocidentais, Morne-à-l’Eau organizou workshops de debate entre os residentes locais e o gabinete de consultoria responsável pelo projeto de desenvolvimento urbano para o ÉcoQuartier Cœur de Grippon. Esta abordagem "de baixo para cima" tranquilizou os residentes locais, respondeu às suas questões ao longo do processo e assegurou uma melhor compreensão das respectivas expetativas.

O Selo ÉcoQuartier avalia o envolvimento da comunidade no âmbito do processo de atribuição do selo da quarta fase

A quarta e última fase do selo ÉcoQuartier avalia o êxito do envolvimento dos intervenientes locais ao longo de todo o projeto. Três anos após atingir o selo ÉcoQuartier - terceira fase, peritos mandatados pelo ministério organizam uma visita ao bairro e uma reunião com as partes interessadas a nível local. Esta estratégia de autoavaliação, juntando residentes locais e utilizadores do território, foi concebida de modo a promover a melhoria contínua e a reconhecer as ações adotadas a longo prazo pela comunidade.

Em 2017, foi atribuído o selo da quarta fase a cinco ÉcoQuartiers. Um filme mostra as melhorias registadas nestes quatro bairros, dando voz à experiência dos respetivos residentes.

Um futuro internacional para o selo francês ÉcoQuartier?

Em 2014, no Fórum Urbano Mundial, diversas cidades latino-americanas contactaram os serviços do ministério francês a fim de obter apoio para a implementação do selo ÉcoQuartier nos respetivos países. No Japão, o bairro Morino, na cidade de Funabashi viu ser-lhe atribuída o selo da terceira fase em 2016.

E por que não na Europa? Poderá o ÉcoQuartier constituir um bom tema para uma rede URBACT?

Etiqueta de homepage: Ambiente

Texto da autoria de Delphine Gaudart e Sarah Petrovitch, mestranda em Geografia Cultural e Política, na Universidade Paris-Sorbonne, tendo escrito um trabalho de pesquisa sobre cidades inteligentes, e atualmente estagiária no Ministério da Coesão Territorial, na unidade que anima o selo francês EcoQuartier.