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ESTRATÉGIA PARA OS RESÍDUOS ALIMENTARES-Minimizar a destruição dos recursos naturais, limitar impactos ambientais, tornar o sistema alimentar circular

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24 August 2022
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O desperdício alimentar é um grave problema ético, social, ambiental e económico. Estima-se que um terço dos alimentos produzidos no planeta acabe no lixo. Se esta prática insustentável fosse eliminada, as emissões de gases com efeito de estufa seriam reduzidas em cerca de 8% (IFPRI, 2021). Dado que este desperdício é produzido ao longo de toda a cadeia alimentar, existe a necessidade de adotar políticas consensuais, precisas e ágeis que permitam a todos os intervenientes cumprir os ambiciosos compromissos estabelecidos pelas instituições internacionais e pelos Estados para os próximos anos.

Ao nível da União Europeia e de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a meta é reduzir para metade o volume de desperdício alimentar gerado até 2030, com base numa hierarquia de soluções que dê prioridade à prevenção, acompanhada de reutilização, reciclagem, recuperação e redistribuição em vez do depósito em aterros.

Mais uma vez, responder a uma questão desta magnitude e complexidade requer a adoção de ações locais concretas, e é aqui que o papel das cidades e dos cidadãos é essencial. Em conjunto com as políticas da UE e nacionais, as iniciativas de cidades como as reunidas no MUFPP, no Eurocities WFP, e os projetos de cooperação promovidos pelo URBACT, pela UIA, pelo LIFE, pelo INTERREG ou pelo  oferecem conhecimentos e experiências que devem servir como ponto de partida. O enfoque da parte de iniciativas políticas municipais neste desafio pode representar o impulso necessário para incentivar estratégias alimentares locais, devido à ligação direta desta questão com a esfera política de intervenção municipal.

   

 

       

1. O PROBLEMA

Os resíduos alimentares são um fator crítico no ecossistema urbano e representam uma parte importante do fluxo de biorresíduos. De acordo com a Estratégia de Bioeconomia da UE e a recente Estratégia do Prado ao Prato, os resíduos alimentares conduzem à apropriação de recursos naturais e resultam num conjunto de externalidades ambientais negativas, transformando a política urbana numa prioridade.

A complexidade do sistema, as fases e os elementos que o compõem refletem-se no gráfico seguinte (AEA, 2020). Esta complexidade dá origem a um mecanismo em que a necessidade de reduzir as práticas extrativas de recursos limitados interage com a urgência de encontrar soluções que evitem o desperdício e outros    impactos negativos que contribuem para as Alterações Climáticas.

                  

As práticas negativas estendem-se ao longo de toda a cadeia alimentar, desde a produção até ao consumo. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que aproximadamente um terço dos alimentos produzidos para consumo humano seja perdido ou desperdiçado em todo o mundo.

No contexto da UE-28, aproximadamente 20% de toda a produção alimentar é classificada todos os anos como desperdício, sendo responsável pelas emissões de 186 milhões de CO2e. Os impactos dos resíduos alimentares no aquecimento global através da acidificação, juntamente com a eutrofização, representam 15 a 16% do impacto total na cadeia alimentar. A maioria das emissões ligadas aos resíduos alimentares está associada à fase de produção (Agência Europeia do Ambiente -AEA, 2020).

Numa perspetiva mais local, estima-se que 38% dos resíduos alimentares gerados na cidade de Milão (2019) provenham da fase de produção, enquanto que 42% sejam gerados na fase de consumo. Isto representa cerca de 454 euros de valor económico anual de resíduos alimentares por família italiana, ligeiramente superior à despesa média com alimentos de uma família milanesa (399 euros).

O valor dos resíduos alimentares evitáveis foi calculado para os diferentes países da UE, variando entre 3,2 euros/kg e 6,1 euros/kg. Estas reduções, em termos económicos, podem representar entre 100 e 200 euros/pessoa/ano, dependendo do país (EEE, 2020). Para o efeito, foram concebidas diferentes ferramentas na União Europeia ou internacionalmente para calcular o valor dos alimentos que estamos a desperdiçar, ajudando a planear várias ações de prevenção e redução.

2. INTERVENIENTES

A comunidade internacional, por intermédio de diversas instituições, a União Europeia, os governos nacionais e regionais, as cidades e as entidades privadas, as organizações sociais e os cidadãos, são agentes ativos, que devem contribuir para o desenvolvimento de políticas ativas que visem a gestão sustentável da produção alimentar, baseadas nos princípios de prevenção, redução e reutilização.

Neste contexto, foram iniciadas diversas políticas e programas a nível estatal, tais como o Programa Save the Food nos Estados Unidos que convida os cidadãos a desempenharem um papel ativo numa solução para evitar o desperdício de 40% dos alimentos produzidos no país.

A revisão da Diretiva-Quadro dos Resíduos (DQR) (UE, 2008, 2018) estabelece critérios concretos para a gestão de biorresíduos, obrigando os Estados a implementar a recolha seletiva e a reciclagem até ao final de 2023. Isto é combinado com outros regulamentos que promovem a redução dos resíduos alimentares, começando pela sua correta medição e monitorização.

A quantidade e qualidade de biorresíduos produzidos nos municípios da UE variam de acordo com o grau de urbanização, práticas culturais alimentares, sistemas de recolha, produção de compostagem doméstica, etc., como pode ser observado na figura seguinte, que apresenta uma imagem clara da magnitude do problema e de como os objetivos de sustentabilidade podem ser melhorados em diferentes áreas geográficas.

                        

A agenda política francesa é reconhecida pela sua ambição através da adoção de ações diferenciadas. Todos os anos o país suporta os custos de desperdiçar 10 milhões de toneladas de alimentos no valor de 16 mil milhões de euros enquanto emite 15,3 milhões de toneladas de CO2, o que representa 3% do total das emissões do país. Desde 2012, foi aprovada uma nova lei nacional para reduzir o volume de resíduos orgânicos depositados em aterros. Ao mesmo tempo, o setor privado (supermercados, restaurantes, etc.) foi obrigado não só a reduzir o seu volume de resíduos orgânicos, mas também a recuperá-los ou a reutilizá-los. Várias campanhas tiveram como objetivo mudar as práticas de consumo, tais como a campanha que envolveu 120.000 famílias em Paris com o objetivo de fazer com que depositem os seus resíduos alimentares num contentor de reciclagem de resíduos biológicos a fim de os converter em fertilizantes ou facilitar a sua utilização para a produção de energia. Simultaneamente, numerosas empresas privadas participam em iniciativas para reduzir os resíduos alimentares nos seus processos e promover soluções circulares. Algumas análises revelam resultados económicos positivos a nível estatal, municipal e das empresas privadas quando são implementadas medidas eficazes para reduzir os desperdícios e resíduos alimentares.

Um relatório recente, DRIVEN TO WASTE: THE GLOBAL IMPACT OF FOOD, LOSS AND WASTE ON FARMS, da WWF (2021), afirma que "apesar disto, os resíduos alimentares nas explorações agrícolas continuam a ser negligenciados em comparação com os esforços a nível retalhista e familiar. Isto deve-se em parte à complexidade da medição dos resíduos das explorações agrícolas, o que torna difícil avaliar o progresso nas reduções e subestima a importância da sua contribuição para os níveis de resíduos alimentares".

As iniciativas privadas de caráter comercial estão a fornecer soluções inovadoras para este problema. As lojas sem embalagens são uma opção direta para reduzir os resíduos na cadeia alimentar. A sua expansão é visível em toda a UE e assume um papel de destaque em França e na Bélgica, com redes nacionais. Um relatório (EUNOMIA,2020) apresenta dados encorajadores sobre o volume de negócios deste setor na UE até 2030, estimado entre 1,2 e 3,5 mil milhões de euros. Cada loja poupa anualmente 1 tonelada de embalagens, com mais de 70% dos produtos em venda livre de embalagens e uma elevada percentagem de abastecimento local.

Além disso, é importante ter em consideração a escassa resposta dos consumidores, especialmente nos países desenvolvidos, e o que pode ser feito para alterar este comportamento. Relativamente a este assunto, os municípios, as autoridades e as empresas devem dispor das infraestruturas necessárias ao serviço dos cidadãos para facilitar uma política correta de triagem e separação dos resíduos alimentares. Por outro lado, os cidadãos nem sempre têm as condições necessárias em casa para levar a cabo esta tarefa. Devem também encontrar um incentivo para se empenharem e saírem da sua zona de conforto, que encoraje os seus esforços para esta mudança social e cultural, tanto na redução como na reciclagem e reutilização de resíduos. Sendo que tal é fortemente influenciado pelo contexto e pelas características dos diferentes tipos de cidadãos no que diz respeito às suas capacidades e disponibilidade. Em geral, a vida urbana não contribui para libertar o tempo e as instalações necessários para estas tarefas, pelo que cada cidade deve conhecer as barreiras específicas a ultrapassar, o público-alvo a atingir e, por conseguinte, determinar as ações a tomar. É essencial reduzir as dificuldades e facilitar aos residentes a participação nestas políticas. Por vezes, será também necessário lutar contra e desmontar ideias preconcebidas para motivar atitudes individuais baseadas numa comunicação clara e precisa.

Muitas iniciativas, desde as mais genéricas às mais particulares, são, neste sentido, desenvolvidas por instituições, cidades, fundações e grupos sociais. Vale a pena destacar as ações promovidas pela FAO, pelo PMA da ONU, pela WWF, etc.

3. LINHAS DE AÇÃO POLÍTICA

- Prevenção de resíduos alimentares

Uma percentagem significativa da fração de resíduos alimentares é evitável. A prevenção, que  está na base da hierarquia dos resíduos estabelecida pela Diretiva-Quadro dos Resíduos (DQR; 2018/851/CE), vem antes de outras alternativas como a reutilização, a reciclagem, a recuperação, ou a eliminação. Esta orientação deve ser acompanhada do apoio financeiro necessário para cobrir as medidas de prevenção. O ODS 12.3 adotado em 2015, compromete a UE e os Estados-Membros a reduzir para metade os resíduos e desperdícios alimentares até 2030.

          

A fim de apoiar todos os interessados no cumprimento deste objetivo, foi criada, em 2016, a Plataforma da UE sobre Desperdícios e Resíduos Alimentares. Um desafio fundamental para os Estados e cidades é monitorizar e medir corretamente os resíduos alimentares, tanto em termos de quantidade como de qualidade, e assegurar a respetiva coerência para facilitar análises comparativas ao longo do tempo e entre diferentes áreas territoriais e políticas. Assim, encontramos diferentes percentagens atribuídas às várias fases da cadeia de valor, dependendo das fontes. Em qualquer caso, o setor de consumo doméstico é responsável pela produção de 40% a 50% dos resíduos alimentares. Em comparação, as outras fases da cadeia de valor dos alimentos representam aproximadamente 50% entre produção, transformação, distribuição e comercialização.

De acordo com alguns estudos (EU FUSIONS, 2016), cerca de 60% dos resíduos gerados pelos consumidores são evitáveis. No entanto, este desafio não pode ser enfrentado isoladamente nas diferentes fases da cadeia. Uma redução significativa por parte dos consumidores exige ações paralelas por parte da indústria, dos regulamentos de rotulagem, das práticas comerciais e do embalamento.

Mais uma vez, é crucial avaliar a eficácia das medidas de prevenção, dada a incerteza em torno dos fatores subjacentes à produção de resíduos alimentares e das barreiras à sua redução, começando pela identificação das muitas lacunas nesta área do conhecimento.

- Os biorresíduos como tema central relevante

"Os biorresíduos - principalmente alimentares e resíduos de jardim - constituem um fluxo de resíduos-chave com um elevado potencial para contribuir para uma economia mais circular, fornecendo material valioso para a melhoria do solo e fertilizantes, bem como biogás, uma fonte de energia renovável" (Relatório da AEA, 2020). Cerca de 60% dos biorresíduos são resíduos alimentares, enquanto os biorresíduos representam, com 34%, o componente mais significativo dos resíduos municipais na UE. O progresso na reciclagem é imperativo para atingir o objetivo da UE de reciclar 65% dos resíduos municipais até 2035. Além disso, de acordo com os ODS, a meta é reduzir a produção de resíduos alimentares para 50%.

Em contrapartida, é necessário adotar um processo eficiente de recolha seletiva para reutilizar os resíduos alimentares como fertilizante e corretivo orgânico do solo. Embora beneficiando de um crescimento notável durante os últimos anos, a percentagem de compostagem de biorresíduos não atingiu sequer os 20%, sendo a maioria dos biorresíduos produzidos incinerados ou depositados em aterro.

São também necessários critérios claros sobre produtos compostáveis ou biodegradáveis, para além de definição de sistemas para separar e tratar convenientemente a fração de biorresíduos e normas de qualidade para produzir composto, lamas de digestores e corretivos orgânicos do solo.

Alguns guias, tais como o criado pela associação Fertile Auro e publicado pela Zero Waste Europe, orientam o trabalho coletivo a ser realizado pelas comunidades que desejem implementar ações de compostagem, prevendo incidentes, e recomendando figuras-chave, tais como o mestre da compostagem.

                                                            

- Doação de alimentos

Redistribuir a parte da produção alimentar excedentária aos mais de 800 milhões de pessoas vítimas da fome no mundo parece ser uma excelente forma de aliviar a fome, reduzindo ao mesmo tempo a produção de resíduos alimentares.

Contudo, alguns obstáculos dificultam esta ligação virtuosa. Entre estes incluem-se os receios dos produtores quanto à sua responsabilidade pela segurança alimentar, o custo do transporte, os impostos associados ao processo de redistribuição e a incerteza e confusão quanto às datas de validade. Um estudo identificou estes obstáculos, demonstrando que a legislação e a política podem reduzir efetivamente os resíduos alimentares e a insegurança alimentar quando adequadamente alinhadas com estes objetivos. A doação de alimentos pode oferecer soluções para este paradoxo crítico através de políticas vantajosas para ambas as partes. O projeto inclui gráficos comparativos de doações em diferentes países e uma coleção de materiais valiosos para explorar este desafio em profundidade.

Nas suas diferentes versões, os Bancos Alimentares são o instrumento que mais frequentemente intervém para tornar esta ligação possível. Isto acontece nas grandes cidades, nas zonas rurais e em municípios de pequena e média dimensão, como é o caso de Emporio Solidale, membro ativo do Grupo Local da Unione dei Comuni della Bassa Romagna e parceiro italiano da rede FOOD CORRIDORS.

Neste sentido, a pobreza alimentar apresenta muitas faces escondidas e afeta muitos indivíduos e famílias que se mostram relutantes em ir aos bancos alimentares. No entanto, a sua dieta é insuficiente, pouco saudável e desequilibrada. É por isso que muitas cidades estão a realizar experiências para abordar esta situação através de instrumentos como o "cartão de família" em Madrid, o "cartão oferta" em Riga, ou mapeando a geografia urbana da pobreza alimentar, como Paris está a fazer para lutar contra os chamados "bairros de lata alimentares".

Em suma, alguns críticos estão preocupados com uma prática que redireciona regularmente os excedentes alimentares para famílias de baixos rendimentos, uma espécie de "restos de comida para as pessoas que sobram", em vez de desenvolver uma agenda social específica e de luta contra a pobreza.

4. A EXPERIÊNCIAS DAS CIDADES

Há muitas cidades que, através de diferentes ações, abordam o problema aqui descrito, tal como exposto na extensa tipologia mostrada no quadro abaixo (EUROCITIES WGF, 2018).

Um caso particular é o da cidade de Milão, que intervém no âmbito da sua estratégia de economia circular através de 4 eixos relacionados com a perda e o desperdício de alimentos:

1) Promoção de ações de educação e informação.

2) Promoção da economia circular no sistema alimentar.

3) Promoção da recuperação e redistribuição dos desperdícios alimentares, encorajando a redistribuição através da colaboração entre os intervenientes.

4) Promoção de uma utilização mais racional das embalagens.

Na prática, a cidade implementa vários esquemas inovadores:

1. 20% de redução fiscal para perdas alimentares doadas

Em 2018, o município adotou uma redução da taxa sobre os resíduos para a doação de alimentos perdidos. Este novo regulamento visa reduzir em 20% o imposto durante o primeiro ano a favor das empresas do setor alimentar (supermercados, restaurantes, cantinas, produtores, etc.) que doem as suas perdas alimentares a instituições de caridade.

2. Envolver as cantinas escolares

Para reduzir o volume de resíduos associados à fruta servida como sobremesa nas cantinas escolares, foi concebida uma alternativa: o "intervalo matinal com fruta", que serve fruta como merenda. Outras experiências realizadas nas cantinas escolares reduziram significativamente o volume de resíduos gerados graças a uma mudança de paradigma, como demonstrado pelo projeto BIOCANTEENS.

3. Recolha de biorresíduos para compostagem e biogás

A cidade de Milão tem uma política ambiciosa de recolha de biorresíduos para produzir composto e biogás. Em 2014, 51% dos resíduos foram recolhidos separadamente (em comparação com 36,7% em 2012), contendo 1,7 kg/pessoa de resíduos orgânicos por semana, ou 90 kg/pessoa por ano.

4. Centro Local de Resíduos Alimentares

A cidade promoveu um acordo entre a Universidade e uma associação privada que reúne supermercados e empresas com cantinas para desenvolver um projeto-piloto com o objetivo de redistribuir as perdas alimentares em alguns bairros da cidade, com o município a fornecer o espaço de armazenamento.

5. Um novo conceito de mercado alimentar para impulsionar a transição circular

A cidade de Milão detém um conjunto de 23 mercados cobertos. No âmbito do projeto europeu REFLOW, está a ser implementado um plano-piloto para oferecer soluções sustentáveis a estes mercados locais, alinhado com a visão de economia circular da cidade. O projeto concebe e testa soluções logísticas, promove práticas circulares, atesta a origem e qualidade dos produtos, e analisa a interação entre as zonas rurais e urbanas do território.

Para levar a cabo estas e outras iniciativas, a cidade de Milão estruturou as suas políticas em torno da engrenagem institucional e de diferentes recursos, como se pode ver no gráfico seguinte (EUROCITIES WGF, 2018).

        

Outras boas práticas desenvolvidas por cidades como Atenas, Barcelona, Burgas, Ghent, Linköping ou Birmingham são apresentadas no Guia publicado pela Eurocities e pelo MUFPP, Food Losses and Waste in European Cities.

Por outro lado, estão a surgir iniciativas inovadoras por parte dos setores privado e social para reutilizar estes resíduos alimentares, tais como BELLA DENTRO, LAST MINUTE SOTTO CASA e REGUSTO em Itália, FRUTA FEIA em Portugal, e outras a nível internacional como TO GOOD TO GO ou OLIO.

5. RECOMENDAÇÕES FINAIS

A estratégia para implementar uma política eficaz de gestão de resíduos alimentares está em consonância com a luta contra as Alterações Climáticas, permitindo ao mesmo tempo enfrentar os desafios dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável tais como o 2 (Erradicar a fome), o 3 (Saúde de qualidade e bem-estar), o 12 (Produção e consumo sustentáveis) ou o 13 (Ação Climática).

Algumas ações para apoiar ou iniciar estas políticas ao nível das cidades devem ser baseadas em alguns facilitadores prévios:

1) Medição. Não existe um conjunto de conhecimentos regulado e uniformizado que forneça os dados necessários para orientar estas políticas. Quanto mais medirmos, melhor conheceremos o problema e a maneira de lidar com as suas alterações. Este objetivo deverá igualmente incluir diferentes níveis administrativos (nacional, regional ou local) e diferentes intervenientes envolvidos no sistema (instituições, empresas, agregados familiares, etc.) medindo os resíduos e procurando explicações.

2) Sensibilização. Precisamos de compreender, tanto individual como coletivamente, porque é que desperdiçamos alimentos desta forma. A informação e a educação devem acompanhar este processo de análise e a conceção de estratégias alternativas. A sensibilização é a principal opção política desenvolvida por muitas Cidades Europeias.

Love Food, Hate Waste é uma iniciativa de comunicação bem sucedida desenvolvida pelo WRAP no Reino Unido. Foca-se em pessoas que já tomaram ou pretendem tomar medidas, fornecendo sugestões práticas e conselhos. O website oferece receitas, conselhos e ferramentas, tais como o Portion Planner, Food Storage A–Z, e a ferramenta de controlo da temperatura Chill the Fridge Out, todas elas comprometidas em fazer uma verdadeira diferença e influenciar o comportamento das pessoas. No outro extremo do espetro, a Wasting Food: It's Out Of Date está relacionada com a motivação daqueles que ainda não conhecem ou não se preocupam com a questão dos desperdícios alimentares.

                                                                 

3) Medidas económicas e financeiras. O objetivo é reduzir o desperdício alimentar através de incentivos ou outros instrumentos de mercado, tais como impostos ou subsídios, todos eles vistos como instrumentos valiosos para alterar os padrões de consumo no sentido de práticas mais sustentáveis. Por exemplo, em Itália, aplicou-se uma redução do IVA às vendas de excedentes alimentares. Enquanto em Espanha, a cidade de Gijón, no seu Plano Municipal de Gestão de Resíduos, incluiu a implementação de um sistema de pagamento de impostos proporcional ao volume de resíduos alimentares gerados, um sistema "pay-as-you-throw" que utiliza tecnologias de informação para a captura inteligente de dados.

4) Regulamentação. A legislação e os regulamentos em vigor devem provavelmente ser adaptados a fim de os tornar mais úteis e práticos na sua implementação e cumprimento pelos diversos intervenientes privados, cuidando e protegendo o bem público que são os alimentos.

De modo semelhante, as empresas do setor alimentar, nas suas diferentes fases, devem ser sensibilizadas para o efeito e beneficiar dos lucros económicos associados a uma redução das perdas ao longo da cadeia de valor.

Em países como a República Checa, França, Itália ou Polónia, foram feitos progressos nos últimos anos em termos da proibição da destruição de alimentos não consumidos, forçando a sua redistribuição através de doações ou utilização para compostagem, juntamente com outras soluções em conformidade com a hierarquia europeia de gestão de excedentes alimentares. Sendo que, muitas vezes, os acordos voluntários entre as partes podem substituir as medidas regulamentares.

Além disso, as iniciativas de certificação e rotulagem podem ser um excelente incentivo para levar a cabo medidas de monitorização e redução de resíduos alimentares pelas partes envolvidas, especialmente as empresas, podendo também ser um elemento essencial a ser considerado, pelas instituições, em procedimentos envolvendo contratos públicos. Na Dinamarca, uma parceria público-privada social criou o ReFood Label, que funciona como um selo verde que reconhece organizações e empresas ativas na redução de desperdícios alimentares.

                                                                     

Finalmente, a clarificação da data da rotulagem deve ser um instrumento de regulação eficaz na relação entre a produção, a distribuição e o consumo. Na Noruega, foi dado um exemplo positivo com a inclusão de um selo na embalagem dos ovos por um produtor, declarando "consumir de preferência antes, de ..., podendo ser consumido após essa data" para combater o desperdício alimentar.

5) Planos e projetos. De forma equilibrada, o desenvolvimento de projetos deve seguir a lógica da hierarquia dos resíduos alimentares da UE, dando prioridade aos objetivos ligados às ações de prevenção e redução, garantindo a disponibilidade adequada de recursos, geralmente orientados para investimentos em infraestruturas, instalações e equipamento de tratamento.

Como alguns já estão a demonstrar, as cidades devem ser parceiros políticos fundamentais na abordagem integrada dos resíduos alimentares. Para tal, necessitam de financiamento adequado por parte dos Estados e outros organismos transnacionais. Para além da prevenção e redução, duas áreas da gestão de resíduos requerem atenção especial devido aos benefícios associados. Em primeiro lugar, o incentivo de soluções baseadas na compostagem e nas lamas de digestores, onde a formação e os projetos-piloto podem ser de grande ajuda. E em segundo lugar, com a intensificação das crises sociais e económicas que empobrecem vastos setores da população, a promoção de políticas de recolha e redistribuição das perdas e desperdícios alimentares. Neste caso, a colaboração com o setor da produção, transformação e marketing deve ser combinada com a participação de iniciativas sociais que foram criadas, muitas delas graças ao apoio de projetos europeus e quase sempre com uma importante base tecnológica e presença digital.

Através destes planos e ações-piloto, as cidades podem estabelecer objetivos específicos de redução de resíduos alimentares, em conformidade com o ODS 12.3.

6) Participação das partes interessadas. É necessário promover soluções individuais e coletivas, baseadas na participação, incluindo incentivos a boas práticas. Muitas plataformas de redistribuição baseiam-se em acordos de colaboração envolvendo retalhistas e empresas de catering com grupos de voluntários, ONG e instituições. O impacto é visível e fácil de monitorizar, embora se deva assegurar que os recursos necessários estejam disponíveis para garantir o armazenamento ou a entrega de produtos frescos.

Um bom guia de atividades para prevenir a produção de resíduos alimentares é proposto pela organização britânica sem fins lucrativos WRAP, incluindo recomendações concretas para iniciar a prevenção, o planeamento, a mudança de comportamento, a comunicação, etc.

Este artigo foi escrito em paralelo ao processo de conceção dos Planos de Ação Integrados efetuados pelas cidades parceiras da rede FOOD CORRIDORS, com o objetivo de fornecer informações a fim de inspirar as suas propostas de ação. Uma versão simplificada destes conteúdos será testada em workshops transnacionais da rede. Outros artigos serão publicados nos próximos meses em linha com o tema FOOD CORRIDORS referido no Estudo de Base do Projeto.

*Autoria:  Antonio Zafra, o perito líder da rede FOOD CORRIDORS

Pelo mesmo autor: "Closing loops in local food systems" (URBACT, 2021)

Submetido em língua inglesa por Vera Lopes a 26 de novembro de 2021. Editado a 9 de fevereiro de 2022.