Financiamento de Bens Comuns Urbanos. Parte II
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03 May 2021Como podem os bens comuns urbanos ser financiados? A rede Civic eState analisa oportunidades nos fundos estruturais da UE e instrumentos de investimento financeiro com o Banco Europeu de Investimento.
Após a primeira reunião sobre possíveis instrumentos de financiamento para os bens comuns urbanos, as sete cidades do projeto Civic eState exploraram instrumentos suplementares de financiamento social numa reunião posterior, especialmente os Fundos Estruturais e de Investimento Europeus. Discutiram também ferramentas para medir o valor social das iniciativas, graças à experiência das cidades parceiras de Barcelona e Amsterdão. A eles juntaram-se os peritos em financiamento Desmond Gardner, Consultor de Instrumentos Financeiros do Banco Europeu de Investimento (BEI) e Jelena Emde, Consultora de Plataformas de Investimento do BEI.
Uma segunda reunião com o BEI
Gardner apresentou à rede Civic eState o trabalho da fi-compass, uma plataforma de serviços de consultoria sobre instrumentos financeiros ao abrigo dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI), bem como duas iniciativas particularmente relevantes para os bens comuns urbanos: a Iniciativa de Delegação Recíproca (IDR), um mecanismo pelo qual, ao cofinanciar projetos, um dos três parceiros assume o papel de financiador principal, apoiando-se nas suas normas e procedimentos desde que os requisitos mínimos dos outros parceiros sejam cumpridos, e o estudo de caso do Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas em Portugal (IFRRU 2020), um instrumento financeiro que foi criado para apoiar a renovação urbana em todo o território português. E Jelena Emde apresentou opções de contratação de resultados sociais (CRS) para projetos de bens comuns urbanos, uma forma inovadora de contratação de serviços baseada em resultados, cuja principal característica é que a melhoria dos resultados a nível social e da saúde conduzem a um retorno financeiro para as partes envolvidas e a uma poupança para o Estado.
É importante notar que os recursos do BEI são captados no mercado de capitais internacional. É um instrumento poderoso, mas é também a razão pela qual o BEI não pode assumir mais riscos com investimentos, uma vez que o financiamento captado é feito através da contração de empréstimos. O BEI precisa de adotar uma política de financiamento de base comercial e ser complementado por programas como os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) para que funcione.
O grupo BEI financia em grande escala e concede empréstimos de montantes elevados aos governos nacionais e regionais para apoiar infraestruturas, uma grande parte dos quais é investido no ambiente para tentar responder ao desafio climático.
Instrumentos Financeiros e Fundos Europeus Estruturais e de Investimento: em que consistem?
Desmond Gardner explicou que parte dos recursos ao abrigo dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) são transformados em produtos financeiros (os chamados "instrumentos financeiros") tais como empréstimos, garantias, capital próprio e outros mecanismos de risco, que podem depois ser utilizados para apoiar projetos economicamente viáveis que promovem os objetivos políticos da UE. Os instrumentos financeiros (IF) são, portanto, diferentes das subvenções, porque precisam de ser reembolsados. Os Estados-Membros da UE recebem financiamento dos FEEI e depois nomeiam um organismo nacional conhecido como Autoridade de Gestão (AG) que supervisiona a utilização dos recursos disponíveis e dos IF.
Embora as subvenções continuem a ter um papel crucial a desempenhar, os IF podem oferecer vantagens significativas. Entre as mais importantes, contam-se: o efeito rotativo, que significa que os investimentos dos fundos estruturais efetuados através de instrumentos financeiros são reembolsados e, portanto, podem ser investidos novamente, proporcionando mais resultados por cada euro que é afetado dessa forma; e o efeito de alavanca, que significa a capacidade de atrair recursos públicos e privados adicionais, o que implica que os intervenientes podem utilizar montantes relativamente pequenos de fundos estruturais para mobilizar outros recursos, tanto públicos como privados.
Além disso, os instrumentos financeiros também podem contribuir para melhorar o impacto, porque são geridos por entidades independentes do fundo, que fazem a mesma análise de risco que se pode esperar que um banco faça em termos da viabilidade e do sucesso do projeto.
Finalmente, os IF conduzem aos chamados projetos financiáveis ("bankable projects") - projetos que geram receitas, economias de custos, ou crescimento de valor para investimentos de capital. A regra no futuro para os Estados-Membros escolherem os instrumentos a utilizar para investir os seus fundos estruturais passa por identificar projetos financiáveis e os possíveis instrumentos financeiros a utilizar, permitindo que as subvenções sejam utilizadas quando não existe um mercado comercial. É importante compreender como estes instrumentos se podem aplicar a projetos de bens comuns urbanos, identificar projetos financiáveis e caracterizá-los para desenvolver possíveis modelos de financiamento no futuro.
Um estudo de caso de um fundo liderado por uma cidade: o Fundo MRA-RICE Blueprint City
Desmond Gardner apresentou o exemplo de um instrumento financeiro gerido de forma independente, desenvolvido em 2018 na sequência de um projeto-piloto envolvendo as cidades de Londres, Haia e Milão.
Em 2015, a Comissão Europeia lançou um convite à apresentação de propostas ao abrigo do Programa de Assistência Multirregional (MRA). O MRA oferece financiamento da UE para projetos de cooperação que envolvem pelo menos duas autoridades de gestão dos diferentes Estados-Membros da UE, selecionadas através de competitivos convites à apresentação de propostas. A avaliação da possível utilização dos instrumentos financeiros dos FEEI em áreas temáticas específicas de interesse comum é o objetivo dos projetos do MRA. As cidades de Manchester e Haia uniram forças com Londres e Milão em resposta a este desafio.
O projeto MRA que dai nasceu, designado "Revolving Instruments for Cities in Europe" (RICE) estabeleceu um modelo de fundo municipal para analisar experiências e características-chave, com o objetivo de desenvolver novos instrumentos financeiros para aumentar o investimento do setor privado em projetos de desenvolvimento urbano. Para tal, as cidades precisam de passar pelo seguinte processo:
Estratégia da cidade → Lista de projetos elegíveis para financiamento ("project pipeline") → Avaliação das necessidades de financiamento → Novo fundo municipal (RICE)
Em primeiro lugar, sendo a estratégia um elemento essencial, as cidades necessitam de definir uma estratégia e identificar onde é que os instrumentos financeiros podem ser utilizados. Depois, a existência de uma lista de projetos elegíveis para financiamento que possa ser alimentada e crescer é um contributo importante das cidades para o desenvolvimento deste fundo. Em terceiro lugar, as cidades devem identificar quais são as necessidades de financiamento, que projetos são financiáveis, quando é que uma subvenção ou instrumento financeiro é o instrumento adequado, e que tipo de produtos se deve desenvolver com esse instrumento financeiro. Por fim, teremos a criação de uma plataforma, que servirá de base ao estabelecimento do novo fundo.
Com a ajuda do BEI, os promotores do projeto MRA-RICE, as quatro cidades, apresentaram cinco elementos para o desenvolvimento de fundos municipais eficazes: capacidades, gestor de fundos independente, estrutura sólida, e um ambiente favorável aos produtos e ao investimento.
Um estudo de caso de agrupamento de diversos investimentos: o IFFRU 2020 em Portugal
Desmond Gardner apresentou também o exemplo do Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas (IFFRU) 2020 em Portugal, um esquema nacional em que o governo conseguiu obter um montante relativamente pequeno de fundos estruturais e angariar uma grande quantidade de investimentos públicos e privados, tendo contado para o efeito com o apoio de três bancos, a saber : SantanderBPI, Millenium, e SPGM, a instituição nacional de garantia.
O IFFRU é um fundo de desenvolvimento urbano que reúne recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, BEI, Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (CEDB), e recursos próprios. Após ter reunido 702 milhões em dinheiro público, o governo contactou os bancos comerciais, que concordaram em contribuir com um financiamento de valor semelhante.
O IFFRU é um modelo robusto para esquemas de desenvolvimento urbano nas cidades europeias, visto que atrai com sucesso tanto o financiamento do BEI como do setor privado. Este esquema financeiro constitui um exemplo de como os fundos europeus estruturais e de investimento podem ser utilizados para apoiar o desenvolvimento urbano baseado em ativos, tais como os bens comuns urbanos.
Outra opção para o financiamento dos bens comuns: a contratação de resultados sociais
Na sequência da conversa sobre instrumentos financeiros, Jelena Emde analisou o impacto social do investimento nas cidades, nomeadamente a Contratação de Resultados Sociais (CRS).
A CRS é uma forma inovadora de aquisição de serviços sociais, em que a compensação obtida pelo prestador de serviços está ligada a resultados e não a tarefas especificas (produção).
Muitas vezes conhecida como esquema de pagamento por resultados, tem muitas subcategorias, uma das quais os Títulos de Impacto Social (TIS). A CRS é uma parceria entre uma autoridade pública, que define os resultados desejados e paga por esses resultados, e um prestador de serviços, que por sua vez trabalha para conseguir que os beneficiários alcancem esses resultados. Em alguns casos, os investidores também desempenham um papel ao conceder financiamento, especialmente no caso dos títulos de impacto social. Finalmente, na estrutura da CRS há frequentemente um avaliador externo que verifica a realização dos resultados.
A CRS está a crescer em importância devido ao seu enfoque na prevenção. É do conhecimento geral que investir na prevenção compensa e que o Estado pode poupar milhões, mas os recursos disponíveis já estão alocados para responder a situações de emergência. É por isso que os investidores podem intervir. Podem proporcionar financiamento para determinadas questões (por exemplo, para a prevenção da diabetes, famílias de acolhimento, sem-abrigo, etc.) e ajudar os governos a poupar milhões no futuro. Quando os resultados são alcançados, as poupanças podem ser utilizadas para reembolsar os investidores. Contudo se estes não forem alcançados, não é necessário qualquerdevolução de pagamento. Sendo que, para que a CRS funcione, tem de haver argumentos económicos sólidos por detrás tanto do impacto social como das poupanças quantificáveis para o governo que podem ser alcançadas e geradas. Razão pela qual, seguidamente, procuramos abordar formas que permitiam medir o valor social, com o MAEX de Amesterdão e o Balanço Comunitário de Barcelona.
O Programa Koto-SIB é um programa de pagamento por resultados implementado pelo Ministério dos Assuntos Económicos e Emprego na Finlândia, em colaboração com o FEI. É o primeiro esquema de títulos de impacto social dedicado a migrantes e refugiados na Europa, apoiando a integração de migrantes na Finlândia.
Apoio consultivo do BEI
Desmond Gardner e Jelena Emde trabalham ambos no departamento consultivo do BEI, o qual se encontra ligado a três instrumentos financeiros que podem ser relevantes para a rede Civic eState.
- O fi-compass: uma plataforma consultiva estabelecida pela Comissão Europeia em parceria com o BEI. Concebida para reforçar a capacidade das autoridades de gestão e outras partes interessadas em trabalhar com os instrumentos financeiros do FEEI.
- A Plataforma Europeia de Apoio ao Investimento: um centro para apoiar a identificação e viabilidade da utilização de plataformas de investimento e instrumentos financeiros, que combina o Fundo Europeu de Investimentos Estratégicos (FEEI) com fundos FEEI.
- E a consultoria bilateral, serviços financiadas pelos clientes solicitados às autoridades de gestão e aos bancos e instituições promocionais nacionais(a hiperligação externa) (NPBIs) para aconselhamento de instrumentos financeiros sob medida.
A oportunidade de apoio do grupo BEI inclui a possibilidade de investir nesses esquemas através do Fundo Europeu de Investimento, que pode contribuir com financiamento antecipado para financiar tais programas. O BEI também apoia o desenvolvimento da CRS através de serviços de consultoria. Para apoiar estes projetos e autoridades públicas em toda a Europa, o grupo BEI lançou em 2019 a Plataforma Consultiva de Contratação de Resultados Sociais, financiada ao abrigo da Plataforma Europeia de Apoio ao Investimento (que faz parte do próprio Plano de Investimento para a Europa, o chamado Plano Juncker).
O MAEX: uma fundação que avalia o valor social das iniciativas
Dada a importância de quantificar o valor dos projetos, tanto para os IF como para a CRS, a rede Civic e State abordou por seu turno a questão da medição do impacto. Nathalie van Loon, coordenadora do Grupo Local URBACT de Amesterdão, falou sobre a MAEX, uma fundação holandesa que avalia o valor para a sociedade das iniciativas.
A MAEX traça o seu impacto e oferece-lhes um acesso fácil às administrações públicas, aos particulares e aos indivíduos, considerando a forma como contribuem para uma sociedade dinâmica e uma economia sustentável. Um instrumento utilizado na avaliação são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Este quadro constitui uma base sólida para a medição do impacto, devido ao âmbito alargado e ao reconhecimento internacional dos ODS.
A avaliação da MAEX torna as atividades e o impacto das iniciativas sociais visíveis e mensuráveis, permitindo igualmente às organizações utilizar um instrumento de auto-avaliação para avaliar o seu próprio impacto. Este mecanismo torna as iniciativas conscientes da sua própria "Marca Social ", o que pode ajudar a orientar a procura do tipo certo de financiamento. A MAEX avaliou o impacto de um projeto de bens comuns urbanos - o Stadslandbouwproject NordOogs - um grande terreno no Norte de Amesterdão, que se transformou num projeto de bens comuns envolvendo a apicultura e a agricultura urbana.
Barcelona e o instrumento de Balanço Comunitário
Outro exemplo de medição do impacto das iniciativas sociais é o instrumento de Balanço Comunitário, que Elena Martìn, coordenadora de projeto da Rede Civic e State de Barcelona, apresentou.
No âmbito do programa Património dos Cidadãos da cidade, Barcelona desenvolveu uma série de critérios ou princípios do que significa "gestão e utilização comunitária", bem como um instrumento ou mecanismo de auto-avaliação do valor criado designado por Balanço Comunitário.
Os critérios para o instrumento de Balanço Comunitário foram desenvolvidos e acordados com as comunidades envolvidas na experiência de gestão comunitária incluindo a rede de economia social solidária (XES), a Câmara Municipal de Barcelona, e a rede de espaços comunitários (XEC) - todas elas parte do Grupo Local URBACT de Barcelona. Este instrumento avalia fatores tais como ligações ao território, impacto social e retorno, gestão interna democrática, transparente e baseada na participação, sustentabilidade ambiental e económica, e o cuidado das pessoas e processos. Este projeto-piloto contou com dez iniciativas e será revista pela cidade no seguimento dos resultados.
Pode ler o artigo "Financiamento de bens comuns. Parte I" aqui .
Texto da autoria de Christian Iaione, apresentado a 03/03/2021
Submitted by Ana Resende on