O que estamos a viver não é simplesmente uma crise sanitária!
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27 May 2020A covid-19 não é apenas uma crise sanitária – é também uma crise económica e social, que está a atingir mais duramente as pessoas mais pobres. Neste artigo, exploramos o que isto pode significar para os esforços do URBACT no apoio a soluções locais de combater à pobreza urbana
Nós já sabíamos que a pobreza é multidimensional e o URBACT tem vindo a trabalhar num documento que apela a uma abordagem reforçada de combate à pobreza urbana, muito antes do surgimento da covid-19.
Mas agora as desigualdades estão a crescer e a tornar-se mais visíveis. As diferenças na qualidade dos empregos e da habitação estão a ampliar as diferenças de qualidade de vida entre ricos e pobres durante o confinamento. E mais seriamente, há evidências de que as comunidades mais pobres correm maior risco de infeção e morte por covid.
As incertezas atuais apenas reforçam a importância dos princípios que o URBACT tem vindo a defender e apoiar na sua longa história de ação no que se refere à pobreza urbana. Trata-se de princípios baseados na atribuição de prioridade aos bairros com mais dificuldades económicas e sociais e no comprometimento claro em processos de cocriação mais participativos com partes interessadas locais.
A história da pobreza urbana e o URBACT
O URBACT foi criado em 2003 como o programa de cooperação e intercâmbio que sucedeu ao URBAN, a iniciativa de base local bem-sucedida que visava o desenvolvimento integrado de bairros carenciados. Logo no início do URBACT I, os tópicos diretamente relacionados com a pobreza tiveram um enfoque importante, abrangendo bairros desfavorecidos e inclusão ativa.
Desde meados da década de 2010, um dos primeiros esforços do URBACT na ´capitalização´ teve como objetivo extrair lições e pensar sobre Regeneração Integrada de Áreas Desfavorecidas como uma contribuição para a Agenda Urbana para a União Europeia (UAEU). Mais recentemente, o URBACT tem estado a trabalhar ativamente com a Parceria Pobreza Urbana (UPP) da UAEU.
O documento elaborado – Pacto Local – oferece um enquadramento de política para países e cidades, promovendo abordagens de base local, combinadas com processos focados nas pessoas para o desenho e implementação de medidas de redução da pobreza. É a combinação das duas abordagens que é essencial, o que deve encaixar bem na arquitetura planeada para a Política de Coesão, no âmbito da agenda principal do Pacto Ecológico Europeu.
Esta era a situação até ao início de 2020: embora os Estados Membros ainda não tenham chegado a acordo sobre o Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027, toda a gente espera um acordo antes do final de 2020 e o início do novo período da Política de Coesão. No nosso documento (Pacto Local) pedimos financiamento significativo e instrumentos adequados para as áreas mais carenciadas.
E chegou a covid-19
E em poucas semanas o mundo virou-se do avesso. Para além dos impactos sanitários diretos, as consequências económicas e sociais têm sido enormes. Muitos setores da economia chegaram a um impasse, sendo que o desemprego aumentou dramaticamente. As diferentes políticas de confinamento, introduzidas para retardar o vírus, alteraram radicalmente a vida das pessoas, ampliando problemas sociais que já existiam e criando novos.
Embora ´toda a gente fosse afetada´ pelas políticas de confinamento, é claro que as pessoas estão em posições diferentes para suportar as dificuldades. Os mais afetados foram aqueles que já estavam em maior risco de pobreza e exclusão. As condições de habitação e a tipologia de empregos são determinantes chave na manutenção do rendimento, saúde e qualidade de vida durante a quarentena.
Ao mesmo tempo, muitas famílias que estavam em posições relativamente seguras também estão cada vez mais em risco. A pobreza nunca foi apenas uma questão de rendimento - sempre foi multidimensional. Mas, mais do que nunca, podemos ver o impacto das desigualdades no acesso à qualidade, em termos pessoais e de saúde: emprego, alimentação, habitação, banda larga, educação, redes sociais e serviços de apoio.
As reações das cidades no apoio aos pobres
As respostas públicas à súbita pandemia são lideradas pelos governos nacionais, daí resultando uma forte centralização na formulação de políticas. Contudo, os sistemas nacionais são muito diversos e, em alguns países, a rede de segurança social tem muitas debilidades, que aumentaram drasticamente devido a anos de austeridade. Assim, os governos locais também precisam de intervir, tenham ou não meios financeiros para isso.
As autarquias locais ficaram de repente numa estranha e difícil situação. Por um lado, tornaram-se ainda mais dependentes dos níveis superiores da administração e do poder político. Por outro lado, enfrentam problemas sociais de contornos e dimensões sem precedentes aos quais têm que reagir.
Em vários países europeus, observei muitos exemplos de como os municípios têm estado a intervir para lidar com os problemas dos grupos populacionais mais afetados em vários temas de política:
»» Habitação: muitas cidades introduziram medidas tais como uma moratória sobre despejos, limites ao aumento das rendas (enquanto apoiam inquilinos e proprietários), ajuda aos detentores de hipotecas, impedindo cortes nas comodidades…Veja os exemplos coletados pela ‘Arena for Journalism in Europe’.
»» Sem-abrigo: os esforços das cidades focaram-se no aumento da capacidade e segurança dos abrigos, também na oferta de alojamento alternativo e até quartos de hotel para os mais pobres. Alguns exemplos foram recentemente realçados pela imprensa (Economist, EU Observer e El Pais)
»» Zonas de gueto: encontram-se em situação muito difícil especialmente aquelas que se localizam fora das grandes cidades – com frequência as autarquias locais estabelecem zonas integrais de quarentena, fornecendo a alimentação básica (exemplos na Roménia e Eslováquia)
»» Democratização dos espaços públicos: muitas cidades, tais como Milão e Bruxelas, dão preferência aos modos de deslocação pedestre e ciclável relativamente ao uso do carro. Urbanismo tático e Urban commoning podem oferecer novas abordagens e ferramentas para repensar e redesenhar os espaços públicos, apoiando comunidades mais marginalizadas.
»» Alimentação: há muitos casos de cidades URBACT que respondem com a produção de alimentos, serviços de entrega ao domicílio e/ou intervenções de emergência para prevenir a fome entre os mais pobres. Procure também um artigo no website URBACT sobre alimentação e covid-19!
»» Educação inclusiva: as cidades podem melhorar a qualidade e inclusividade da educação online através do aperfeiçoamento dos serviços e do acesso a ferramentas digitais (por exemplo, Haia distribuiu 330 laptops a famílias de rendimentos baixos). Veja os exemplos coletados pela Eurocities e também a plataforma School at Home! lançada pela cidade líder da rede URBACT On Board.
»» Cuidados a idosos: muitas cidades estão a lutar para combater os riscos de saúde enfrentado por muitos idosos em lares (onde o grande número de utentes constitui um fator acrescido de risco) e nas suas próprias casas (onde o desafio contrastante é frequentemente o isolamento). Por exemplo, Bilbao está a colaborar com cidadãos no sentido de proteger membros vulneráveis da comunidade, especialmente os idosos.
Collaborating to help senior citizens in City of Espoo, Active NGOs
Apoio contínuo do URBACT a soluções locais
A crise financeira de 2008-2009 levou a soluções locais inovadoras mas estas desvaneceram-se porque o mundo voltou ao ‘business as usual’. Não se pode permitir que aconteça o mesmo desta vez. O URBACT pode jogar um papel crucial no apoio ao trabalho em rede e ao intercâmbio contínuos entre cidades europeias, no apoio a novas abordagens criativas e na promoção continuada de práticas integradas existentes e abordagens participativas.
Os resultados já alcançados pelas redes e cidades URBACT não devem ser esquecidos, incluindo os tópicos alimentação, educação, inovação social e uso temporário. Entretanto, as novas redes URBACT podem estar na vanguarda ao testar outras soluções locais criativas relativamente a alguns dos desafios que foram ampliados pela covid-19. Isto inclui as novas redes nos tópicos dos sem-abrigo, economia social e urban commons – assim como uma atividade de capitalização contínua no direito à habitação.
Ao mesmo tempo, deve ficar claro que as cidades não conseguem lidar sozinhas com os crescentes e complexos problemas sociais. É urgente enfrentar o clima, as crises sociais e económicas em conjunto. Essas ambições devem ser claramente definidas no Pacto Ecológico Europeu, na futura Política de Coesão e em todas as políticas e instrumentos relacionados. Também são necessários novos tipos de sistemas de segurança social em toda a UE, começando por e fortalecendo o Pilar Social, com base em princípios como o salário mínimo, o rendimento básico universal, a Habitação em Primeiro Lugar e assim por diante.
Provavelmente, o URBACT precisa de desempenhar um papel ainda mais forte no posicionamento das políticas locais e soluções ao nível da cidade, no âmbito dessas estruturas de políticas multinível. Mais do que nunca, políticas nacionais e da UE renovadas precisam de apoiar a inovação local e não impedi-la.
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Texto submetido por Ivan Tosics em 8 de maio de 2020
Submitted by Ana Resende on