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A participação infantojuvenil em paisagem ao serviço da cidade do amanhã

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03 September 2019
Read time: 4 minutes

Postais ilustrados de Guimarães: Pensar, fazer, experimentar paisagem

 

Enquadramento

 

Vários são os desafios sociais e ambientais enfrentados pelas cidades, em particular aqueles relacionados com o propósito de maximizar o potencial, disponível nas cidades, de capital humano das crianças e jovens e o seu papel ativo na criação da cidade.

 

A participação na paisagem pode, com certeza, ir além revestindo-se em componentes mais criativas, exaltando reflexões sobre o território. Através dos postais e da sua ilustração, é possível retirar ilações de propostas, críticas à gestão urbana, idealizações futurísticas e por sua vez reafirmar a componente identitária da paisagem que se opera obrigatoriamente com o envolvimento da comunidade.

 

Permitir que as cidades criem novas interacções urbanas admite enfrentar mais constrangimentos com menos meios, aumentar a capacidade de ação, colaborar e ouvir a juventude urbana identificando melhor a inovação patente e a possível aplicação em assuntos de paisagem.

 

O cartão-postal/postal, instrumento e mediador desta atividade, surgido na transição do século XIX para o século XX foi de facto uma inovação cultural já que permitia comunicar um mundo acessível e portátil: por um lado, porque proporcionava um imaginário coletivo do território e da paisagem, e por outro, por regularmente marcar a representação de lugares e paisagem.

 

A paisagem não limitada àquilo que se experimenta subjetivamente, mas também àquilo que organiza a experiência, permite o reconhecimento da importância de envolver as crianças no processo de avaliação do ambiente, espaços e lugares que os circundam e na definição de como seus bairros ou cidades podem ser melhorados na realização de soluções inclusivas, e participativas na cidade: os jovens "tomadores de decisão" constroem cidades mais interactivas socialmente, porque não há limites à sua imaginação.

 

Por esta razão, os postais são os instrumentos utilizados para compreender a paisagem e experimentar novas geografias ilustradas no postal. Rascunhando os postais, o material produzido será a expressão do olhar das crianças na paisagem urbana, ao proporem novas perspectivas, usos e ocupações, elaborando novos sentidos espaciais e em última análise sugerindo a existência de uma outra cidade.

 

A actividade “Postais Ilustrados de Guimarães”

 

Na defesa de que a melhor forma de ter uma boa ideia é ter várias ideias, a actividade Postais Ilustrados de Guimarãescongrega a mobilização de pensamentos infantis reflectidos manualmente em postais que trabalham acerca da paisagem urbana que habitam. Esta ferramenta de participação em paisagem é parte integrante de uma ação de Sensibilização e Educação para a Paisagem, do Projeto Plano de Paisagem de Guimarães, contando já com duas centenas de contribuições.

 

A atividade em causa de participação infanto-juvenil em matéria de paisagem urbana pretende reduzir a exclusão dos jovens na construção da paisagem urbana empoderando novas formas de participação democrática para uma vida urbana sustentável, ao mesmo tempo que promove uma sociedade mais coesa. Muitas das propostas feitas pelas crianças refletem desafios ambientais e urbanos e renovadas formas de utilização do espaço público.

 

Recentemente, a atividade em retrato foi eleita "World Inspiring Case", distinguindo Guimarães pela participação em paisagem urbana, entre uma centena de submissões. A atividade faz ainda parte da publicação internacional The City at Eye level for Kids, editada pela STIPO e financiada pela Bernard van Leer Foundation.

 

O livro referido contém 65 estudos científicos e programas urbanos de poder local, bem como contribuições e estudos de caso de 30 países diferentes, de todo o mundo, com experiências e ideias práticas sobre como melhorar as cidades para as crianças. Refira-se que esta é a única boa prática portuguesa considerada, registando-se apenas duas na Península Ibérica.

 

A atividade “Postais Ilustrados de Guimarães” promove o apelo à participação coletiva na paisagem que, segundo a Convenção Europeia da Paisagem, deve fazer-se, pois, cumprindo a salvaguarda da característica social da paisagem, que é, por sua vez, uma das instâncias do significado de paisagem: a paisagem tal como é apreendida pelas populações.

 

Como forma de compreensão do carácter mutável da paisagem a atividade desafia os jovens para a experimentação com os postais turísticos vigentes estimulando o pensamento em torno dos sentidos espaciais da cidade de Guimarães.

 

Com uma duração total aproximada de 120 minutos a actividade é estruturada em quatro momentos intercalados (teóricos e práticos) divididos da seguinte forma:

 

»»» O primeiro momento tem como intenção aludir à discussão com o grupo de participantes sobre três conceitos estruturantes para a ciência geográfica: o conceito de espaço, de lugar e de paisagem. Nesta análise inclui-se uma questão de escala territorial bem como a percepção cognitiva daí interveniente no que diz respeito à representação de paisagem que o cartão-postal promove realizando-se discussões em torno das seguintes inquietações: “O que é um postal, o que representa, o que é a paisagem, como se lê a paisagem”.

 

Igualmente, este momento permite pensar o carácter mutável da paisagem. Se a paisagem muda ao longo do tempo, ela pode também ser lida por via das representações existentes nos cartões postais já que o postal ajuda a conhecer a cidade de Guimarães, revelando a dinâmica urbanística, o património material e algumas celebrações do património imaterial, hábitos sociais ou mesmo o “registo” de acontecimentos inéditos, como um grande nevão que ocorrera em 1901.

 

    Praça do Toural com nevão. Circulado em 1902 (Postais Antigos da Cidade de Guimarães)

 

»»» O segundo momento versa sobre a ordenação e a compreensão cronológica de um espaço particular e central da cidade. Divididos em grupos, os participantes devem ordenar desde os finais do século XIX até à actualidade oitos postais da mais emblemática praça de Guimarães, a praça do Toural, importante elemento na morfologia urbana de Guimarães. Um exercício no qual os jovens exploram o peso do passar do tempo, nas repercussões do crescimento e morfologia urbana.

 

                   Ordenação cronológica dos postais (Laboratório da Paisagem)

 

»»» O terceiro momento diz respeito à apresentação da ordenação correta e explicação cronológica dos postais, sendo particularizada o aprofundamento da evolução urbana da Praça do Toural sensivelmente desde o século XVIII até ao século XXI. Na ordenação dos postais, é explorada a paisagem urbana de Guimarães, no qual em grupo, compreende-se a diversidade da praça, explora-se as transformações ocorridas, as configurações de espaço público e privadas (materiais de construção, técnicas, disposições de mobiliário urbano) formas de habitação, entre outras temáticas afetas.

Finalizada esta abordagem e a construção ordenada da evolução da Praça do Toural é iniciado o mote para o quarto momento.

 

»»» No quarto momento, por via de cópias A4 dos postais vigentes em Guimarães, convidam-se os grupos de participantes para a experimentação através dos mais diversos materiais (recortes, lápis de cera, marcadores, papel vegetal são alguns dos materiais de trabalho utilizados) para idealizarem a cidade do amanhã respondendo em grupo ou individualmente, às seguintes questões: o que propões e/ou desejas para a cidade de Guimarães?

 

 

                                Ilustração dos postais (Laboratório da Paisagem)

 

Reflexões sobre a actividade

 

Os fundamentos ilustrados no postal não serão indiferentes à avaliação que fazem da situação urbana, às leituras de paisagem que realizam, à proposta de acções, e à expressão de valores individuais e de defesa de interesses. As crianças são atores políticos, ainda que as competências políticas das crianças se façam prioritariamente nas interacções entre pares, e no espaço comum que partilham fora do olhar adulto.

 

As multiplicações da paisagem urbana de Guimarães como lugar de comunicação revelam pistas sobre como, atentas às dinâmicas e ânsias de futuro, as crianças fornecem um testemunho da apropriação do espaço e paisagens urbanas.

 

O direito à voz e à prática ocorre na expressão sobre os postais, no qual a sua participação se torna não apenas um objectivo em si mesmo, mas também um instrumento prático para a criação de melhores cidades.

 

Para além deste tipo de processo de escuta para a transformação sustentável da cidade, a cidade está diretamente a conversar com as crianças, encorajando-as a participar mais ativamente na produção de uma paisagem urbana colaborativa. Mais ou menos pragmáticas, as crianças reconhecem as suas próprias ideias e visões de cidade, multiplicando pensamentos entre pares, formando diálogos cruzados, com o fim último de exporem graficamente a sua visão.

 

A atividade pretende reduzir a exclusão dos jovens na construção da paisagem urbana empoderando novas formas de participação democrática para uma vida urbana sustentável, ao mesmo tempo que promove uma sociedade mais coesa. Muitas das propostas feitas pelas crianças refletem problemas ambientais e urbanos e renovadas formas de utilização do espaço público.

 

Estas formas de colaboração entre as populações e a administração da cidade proporcionam a resolução de desafios com abordagens inclusivas, possibilitando: i) Reinventar soluções para desafios comuns; ii) Cumprir novos modelos de participação e iii) Criar valor acrescentado no espaço urbano.

 

Texto da autoria de Ricardo Nogueira Martins, investigador no Laboratório de Paisagem de Guimarães

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