Festival Rethink Activism - vamos construir uma nova política, a começar pelo nosso dia a dia
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05 April 2018Em setembro, Sager der Samler ("Unindo Causas", numa tradução livre), em colaboração com diversas outras partes interessadas, organizou o festival Rethink Activism, em Aarhus. Um programa de 250 workshops, debates e concertos, entre outras iniciativas, todas elas partindo de cidadãos e organizações de base. O objetivo era realçar uma nova capacidade de ação que está a emergir em toda a sociedade e aumentar a visibilidade dos ativistas que estão a mudar o mundo nos lugares onde vivem, através da criatividade e do espírito de cooperação. Foi preparado o terreno para a realização de iniciativas locais concretas, com uma visão otimista para a sociedade e não com métodos ou belos discursos.
O festival Rethink Activism decorreu na zona junto ao antigo matadouro e à central elétrica de Sydhavnen, em Aarhus, que se transformou numa espécie de cidade dentro da cidade, com câmara municipal, escola, fábrica, casa de cultura, centro de dia, centro de saúde, etc. A cidade ocupou uma área do tamanho de 10 campos de futebol e quando as portas do festival se abriram, na sexta-feira de manhã, os novos habitantes encheram o local. O interesse e a curiosidade revelaram-se enormes e duraram até à noite de domingo. Apesar de um orçamento publicitário muito limitado, mais de 10 mil pessoas visitaram o festival, que se prolongou por três dias.
Entre os participantes estiveram parceiros envolvidos na Rede URBACT CHANGE!. Aarhus é um membro ativo desta rede liderada por Eindhoven que estuda como se pode envolver os cidadãos na reformulação das políticas e práticas urbanas. Cada uma das cidades da rede participou no festival com as suas próprias ideias e experiências sobre como podemos conseguir isso.
E se o festival demonstrou alguma coisa, foi a de haver muitas pessoas que estão comprometidas com a sociedade na realização de mudanças societais. Enquanto jornalista no Politiken, Anne Bech-Danielsen, comentou: "São jovens, idosos, refugiados, desempregados ou simplesmente pessoas que agem, cansados do excesso de consumo, do isolamento ou de não fazerem nada e são muito mais do que um mero grupo de cidadãos entusiastas".
Uma nova forma de ser politicamente ativo
O programa do festival apresentou algumas centenas de exemplos visionários e concretos de como nós, cidadãos comuns, podemos contribuir para encontrar novas soluções.
Um exemplo é o de Annbritt Jørgensen e Steffen Sand que há vários anos beneficiam de assistência social e vivem com doenças psiquiátricas. Eles estão por trás do Skraldecaféen (Café "Mergulho no Contentor", numa tradução livre) que utiliza os resíduos alimentares dos contentores dos supermercados para criar novas comunidades e ajudar pessoas socialmente isoladas, como eles próprios.
Ou o do entusiasta local, Jeppe Spure Nielsen, que foi um dos fundadores do “Forskøn Hans Broges Gade” (Embelezar a Rua Hans Broges, numa tradução livre) que ao mesmo tempo que introduz melhoramentos no ambiente urbano de forma concreta, cria uma sensação de comunidade entre os residentes do bairro de Frederiksbjerg, em Aarhus. A comunidade desta rua tem, assim, a experiência de ser criadora urbana em vez de mera utilizadora do local, do espaço público onde vive.
Outro exemplo é o do empreendedor Metin Aydin, que ajuda um refugiado sírio preso nas malhas do sistema. O sírio tem o sonho de ser cabeleireiro por conta própria. Metin explica-lhe o funcionamento das regras do IVA e como criar uma página no Facebook para o seu negócio. Hoje, Aarhus tem um novo cabeleireiro ao domicílio e Metin fundou a associação Egenvirksomhed.nu (Negóciopróprio.agora, numa tradução livre) onde, juntamente com outros voluntários, ajuda pessoas dependentes da segurança social a realizarem o sonho de trabalhar por conta própria.
Metin agiu porque conheceu uma pessoa que se encontrava numa situação difícil, a quem conseguiu ajudar. Simultaneamente, esta é uma forma de ser politicamente ativo, colocando em ação competências próprias que não existem no sistema público. Para ele, é uma forma de fazer a diferença.
Políticos de todos os dias com "p" minúsculo
Aos investigadores e aos líderes de opinião também não passou despercebido o novo movimento, exibido durante o festival. Frequentemente, utilizam o termo "voluntariado ad-hoc" para o descrever, mas o termo é enganador. Ao invés, optámos pela palavra "ativismo quotidiano".
Este novo vigor não é diretamente comparável com o voluntariado clássico. O ativismo quotidiano é a expressão de uma abordagem mais empresarial, na qual nós, enquanto cidadãos, não somos nem utilizadores nem voluntários. Ninguém está obrigado a fazer alguma coisa. Pelo contrário, nós, enquanto cidadãos, abandonamos os nossos papéis tradicionais e, através das nossas iniciativas, tornamo-nos sujeitos políticos que criam plataformas para a promoção de causas e o apontar de soluções.
Por outras palavras, o movimento reflete uma nova cultura popular, democrática, que associa a vida quotidiana e a política de uma forma muito concreta. As pessoas já não esperam que as autoridades locais, nacionais ou de qualquer outro tipo assumam os seus destinos. As pessoas querem mudar o mundo onde se encontram e estão cansadas de falar. Por isso, agem.
Algumas pessoas questionam a capacidade dos ativistas quotidianos para verem além dos seus próprios interesses. De facto, podemos estar muito empenhados nas nossas próprias causas, mas o envolvimento pessoal não é necessariamente um reflexo de interesses próprios limitados.
O ponto de partida para o café de Annbritt e Steffen foi a sua própria situação mas, ao mesmo tempo, eles foram mais além daquilo que estava mesmo à sua frente e olharam mais longe. Eles são peritos nas suas próprias vidas e utilizaram esse conhecimento especial para nos mostrar algo que diz respeito a toda a sociedade, que é como combinar sustentabilidade com a resolução de problemas sociais.
Desta forma Annbritt e Steffen tornaram-se numa espécie de políticos quotidianos, com "p" minúsculo, porque representam algo muito maior, sem estarem filiados num partido político específico.
A participação ativa é um movimento por direito próprio.
Outra interpretação incorreta daquilo que está a acontecer decorre do facto de que o ativismo e as iniciativas quotidianas estão a ser descritas como temporárias. Isto lança dúvidas sobre a sua durabilidade.
O Skraldecaféen é, tal como várias outras iniciativas, organizado e gerido livremente por pessoas que não têm uma formação específica, nem um orçamento fixo. Por outro lado, há um grande sentimento de propriedade e o projeto é o resultado de anos a tentar modificar circunstâncias pessoais difíceis. É um objetivo superior que nos faz querer sair da cama de manhã e, por conseguinte, o trabalho prosseguirá com ou sem financiamento dos projetos. Não há aqui qualquer volatilidade mas, claro, que o impacto seria maior com apoio do que sem ele.
A qualidade especial do Skraldecaféen e de diversas outras iniciativas desenvolvidas por cidadãos é o facto de estes, através do seu exemplo, descobrirem novas formas de resolverem problemas complexos, de questionarem as normas existentes e de chamarem a atenção para recursos importantes mas negligenciados. Simultaneamente, estes assumiram o controlo das suas vidas e sentem uma fé renovada no facto de terem um papel a desempenhar na comunidade.
É por este motivo que temos de renovar o modo como falamos de "cidadania ativa" e o seu significado original. Temos de nos afastar de uma tendência que quer transformar a nossa participação na sociedade num recurso ao qual o orçamento municipal pode lançar mão, que a administração pública pode administrar, que os investigadores podem analisar ou que os políticos podem utilizar para criar uma imagem pública. Os cidadãos devem ser parte da renovação da nossa sociedade de bem-estar, mas não de um modo que os condene a um papel restrito enquanto consumidores ou um par de mãos extra.
O Festival Popular Rethink Activism criou uma narrativa sobre a participação ativa como um movimento por direito próprio. Aqui, todos os dias, os ativistas questionam o que é realmente a política. Perguntam: como podemos criar uma nova sociedade? Como seria? Tentam, eles próprios, criar exemplos de novas soluções e mostrar como pode ser no futuro a sociedade de sonho de hoje. Trata-se de um papel muito mais profundo do que qualquer conceito gasto de voluntariado. Ao invés, baseia-se nos valores partilhados que ainda existem nas nossas comunidades e na criatividade e no empreendedorismo social que carateriza esta nova geração de ativismo quotidiano.
É tempo de dialogarmos em conjunto
Passe por cá e converse com Annbritt e Steffen sobre marginalização e desenvolva algumas ideias sobre como é que a alimentação sustentável pode apoiar as novas comunidades. Venha e converse com Metin sobre como é que as competências empresariais podem inspirar novas formas de apoio aos refugiados na criação de emprego. Passe por aqui e converse com muitos ativistas quotidianos, que andam por aí a fazer a diferença. Através de redes como a CHANGE!, estas conversas estão a decorrer não só na Dinamarca, mas por toda a Europa. A mudança está no ar.
Numa altura em que a própria democracia está em risco, é tempo de dialogarmos e reinventarmos o diálogo político pessoa a pessoa. As disparidades democráticas só podem ser reduzidas através do diálogo, da colaboração e de um desejo de alcançar uma plataforma comum de entendimento através da aprendizagem mútua – e de processos formativos. Não irá ocorrer através de uma comunicação estratégica unilateral para levar o eleitorado a apoiar uma determinada política.
Demasiado frequentemente, os políticos sobrestimam-se a si próprios e subestimam o espírito inventivo dos cidadãos. Por conseguinte, instamos os políticos a estarem atentos às visões políticas que são criadas na vida quotidiana. Os ativistas quotidianos querem entrar no jogo, testar novas soluções em conjunto com o sistema estabelecido – com a vida quotidiana como ponto de partida.
Os desafios que se colocam às cidades estão bem definidos: falta de confiança, migrações, alterações climáticas. Estamos profundamente convictos de que a única forma de lhes responder é se todos forem parte da solução. O alicerce mais importante de uma democracia viva é mais pessoas assumirem a responsabilidade pelo desenvolvimento da sociedade, ajudando a criar uma visão otimista do futuro.
Vamos assumir a vida quotidiana como a base da nova política – é aqui que vivemos as nossas vidas.
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Texto da autoria de Paul Natorp, apresentado em 16 de janeiro de 2018
Submitted by Ana Resende on