You are here

O Projeto Turma de Acolhimento

Edited on

13 March 2018
Read time: 4 minutes

A Turma de Acolhimento é um projeto desenvolvido na Amadora, parceiro líder da rede Arrival Cities. O projeto foi apresentado e debatido como caso prático numa recente reunião da rede Arrival Cities que se centrou no tema da Educação.

O contexto

Muitos estudantes de origem estrangeira no sistema de ensino português não possuem competências em língua portuguesa, nem conhecimentos suficientes das matérias, o que constitui um desafio para as escolas. Entre estes encontram-se estudantes oriundos dos países africanos de língua oficial portuguesa, conhecidos como PALOP (Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola) ou do Brasil e de países onde não se fala português, como a Ucrânia, Moldávia, Rússia, Roménia e China. Existe uma discrepância em termos de conhecimentos sobre as matérias entre o que foi adquirido através da educação anterior, no país de origem, e os conhecimentos exigidos pelo sistema português. Tanto a ausência de competências linguísticas como de conhecimentos da matéria são impedimentos para o sucesso escolar e para a integração social.

De acordo com Belisanda de Jesus da Silva Soares Tafoi, a professora responsável pela Turma de Acolhimento, “A realidade educativa do país de acolhimento, nas palavras dos estudantes, é muito diferente da sua experiência escolar anterior, com disciplinas e conteúdos desconhecidos, criando uma discrepância entre as duas realidades educativas. É com base nesta realidade que a escola se transforma num cenário privilegiado para o encontro de culturas e para a valorização de noções básicas de coexistência e respeito entre pares”.

O contexto escolar junta diversidade cultural e linguística, proporcionando uma enorme oportunidade de partilha cultural e aprendizagem mútua. A escola é um local onde a cultura da tolerância e do respeito entre pessoas de diferentes origens pode ser aprofundada. É um local onde a sociedade multicultural é uma prática vivida e aprendida – nas palavras de Belisanda Tafoi, “A grande diversidade cultural e linguística deste contexto, transforma-o numa experiência enriquecedora de partilha, tolerância e respeito pela cultura do outro”.

Tal exige uma reflexão sobre quais as metodologias e as estratégias que podem permitir uma apropriação construtiva da aceitação da diferença, respeito e coexistência com a diversidade, paralelamente ao perfil linguístico da comunidade. É necessário considerar as dinâmicas da aprendizagem numa perspetiva plurilingue e multicultural que combine tanto a diversidade de perfis como as especificidades intrínsecas de cada estudante imigrante com a flexibilidade do currículo.

A ação

A Turma de Acolhimento evoluiu como uma metodologia de aprendizagem da língua, concebida num contexto plurilingue e multicultural. É uma iniciativa orientada para jovens imigrantes, para lhes oferecer apoio educativo suplementar em torno da aprendizagem da língua portuguesa. O projeto tem por base atividades de imersão linguística e estende-se para além da aprendizagem da língua, abrangendo a aprendizagem da cultura e dos costumes.

Trata-se de um modelo com uma resposta educativa única, que junta o acolhimento, a integração e a aprendizagem da língua de escolarização, à valorização da diversidade de identidades culturais, conhecimentos e experiências individuais. A Turma de Acolhimento teve início e foi desenvolvida em 2010 por dois professores com um grupo de alunos de países africanos tendo-se, entretanto, verificado um aumento em termos de número de participantes, dos 13 iniciais, em 2010/11, para 49 estudantes, em 2015/16.

Do ponto de vista social, a Turma de Acolhimento representa uma metodologia de integração social e, do ponto de vista cultural, um processo destinado a aumentar o respeito pelo outro e pelos respetivos valores, crenças e hábitos culturais.

Enquanto iniciativa educativa, tem os seguintes objetivos:

- Alargar e apoiar o multilinguismo emergente nas escolas;
- Proporcionar a aprendizagem do português;
- Avaliar a competência linguística individual e desenvolver planos de aprendizagem;
- Construir uma ponte para um maior sucesso escolar;
- Reduzir o insucesso e o abandono escolar.

A flexibilidade é integrada no programa para responder a necessidades e circunstâncias individuais de aprendizagem. Os estudantes têm a possibilidade de se juntarem a esta turma em qualquer momento durante o ano e a duração da sua participação no programa varia em função das suas próprias necessidades de aprendizagem. A cultura de origem, a personalidade e a experiência individual do aluno são tidos em consideração para elaborar um plano de aprendizagem individual. Realiza-se uma avaliação do perfil linguístico e dos conhecimentos individuais, incluindo o conhecimento prévio do português e de outras línguas, as habilitações e os estilos de aprendizagem. Além disso, os estudantes realizam testes de competência linguística para determinar o seu perfil linguístico e o processo de aprendizagem é ajustado a este indicador. O reconhecimento dos conhecimentos prévios do aluno e a sequência de aprendizagem planeada é expressa numa matriz denominada descoberta de direções ∞.

O Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas indica a premência de aprender, para que os estudantes imigrantes sejam construtores do seu processo de aprendizagem, “Mobilizando recursos cognitivos e afetivos e a totalidade das suas capacidades”. Os estudantes podem permanecer na turma até adquirirem competências linguísticas suficientes para funcionarem satisfatoriamente no sistema educativo português. Esta aprendizagem da língua está intrinsecamente associada à lingua de escolarização e à aprendizagem da matéria, bem como ao apoio dado para que os estudantes se adaptem às metodologias de ensino/aprendizagem dos países de acolhimento.

Uma prioridade nas fases iniciais do processo de aprendizagem é desenvolver competências de comunicação com ênfase na língua falada. De acordo com Belisanda Tafoi, “A oralidade, cujas competências são pouco valorizadas em comparação com outros domínios da língua, implica a adaptação da linguagem às situações e aos atos da fala, que dotam o estudante imigrante com uma ferramenta de interação comunicacional com a escola e o ambiente social” (...) “O domínio progressivo da oralidade é a ferramenta da integração cultural e social no desenvolvimento da aprendizagem de uma nova língua, que o estudante imigrante não deve esquecer”.

A turma facilita as interações conversacionais – o desenvolvimento das competências de expressão do estudante para ouvir e falar, incluindo a manifestação de opiniões, sentimentos e pensamentos e a minimização da ambiguidade do discurso. A promoção dos processos formais e informais para a melhoria das competências orais e o reforço das relações de confiança minimiza os sentimentos de inferioridade e de insegurança e ajuda a ganhar confiança e fluência.

Em termos de leitura e de escrita, o processo de aprendizagem analisa o contexto específico da língua portuguesa com um sistema alfabético, com grafismos e com fonemas. Esta estrutura e origem pode ser muito diferente da língua materna dos estudantes. Uma cuidadosa seleção de textos destinados a desenvolver competências de leitura é importante em termos de motivação do aluno e da qualidade da aprendizagem. Tal possibilita um melhor domínio dos diferentes níveis de descodificação envolvidos na compreensão e na análise de textos.

O desenvolvimento das competências escritas, melhorando a proficiência do português escrito, implica aprender a expressar, organizar e estruturar ideias de forma coerente e lógica. Esta melhoria das competências escritas é importante para o êxito no estudo de todas as disciplinas, e não apenas da aprendizagem do português. A competência gramatical é desenvolvida em torno da aprendizagem e da prática de regras de direcionalidade, ordem das palavras, legibilidade, grafismos/fonemas corretos, divisão silábica, translineação e regras de organização da frase.

Belisanda Tafoi sublinha que «as competências cognitivas e linguísticas desenvolvidas pelo estudante imigrante no ato de aprender a ler e a escrever, e para as quais são necessárias competências para saber como ouvir e produzir um discurso comunicacional noutra língua, obrigam a que este tenha atenção à forma de articulação de palavras e à beleza dos relacionamentos estabelecidos entre estas, dando sentido ao material escrito, à compreensão e à análise daquilo que lê».

A experiência da Turma de Acolhimento verifica a importância do envolvimento dos estudantes no processo educativo de construção do conhecimento e da aprendizagem da língua, o que melhora a base lexical e concetual para compreensão de outras matérias curriculares. Os professores da Turma de Acolhimento destacam a importância da inclusão de competências associadas ao ambiente de ensino multicultural e às metodologias da aprendizagem multicultural na formação e desenvolvimento profissional contínuo dos próprios professores.

Este artigo foi inspirado no caso prático e no relatório apresentado por BELISANDA DE JESUS DA SILVA SOARES TAFOI, professora responsável pela Turma de Acolhimento no Agrupamento de Escolas da Damaia, Amadora, com doutoramento em curso na Escola Superior de Educação de Lisboa, durante a reunião transnacional do projeto, em Oldenburg.

Mais informações no site do Agrupamento de Escolas da Damaia, Amadora.

As fotografias foram retiradas do mesmo site.

Contacto: Belisanda de Jesus da Silva Soares Tafoi, tafoi.be@gmail.com

Autores: Belisanda de Jesus da Silva Soares Tafoi (Membro do ULG da Amadora ) e Ruth Essex (PeritaTemática do Projeto)

Etiqueta de homepage: Inclusão

Texto da autoria de cvestrini, apresentado a 13 de dezembro de 2017