Habitação para todos - Experiências de cidades URBACT no âmbito da habitação a preços acessíveis
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18 January 2018O que pode ser feito para evitar os despejos? Como é que uma cidade pode providenciar habitação aos grupos mais vulneráveis e aos jovens mais talentosos? Poderão as habitações de baixo teor de carbono ser economicamente acessíveis? Barcelona (ES), Dupnitsa (BG) e Poznan (PL), 3 cidades Boas Práticas URBACT, desenvolveram iniciativas interessantes em prol de uma “Habitação para Todos”, atendendo aos aspetos sociais, ambientais e físicos das políticas de habitação. Habitação a preços acessíveis: a questão volta a figurar na Agenda Europeia
Pensava-se que o problema da habitação nas cidades europeias tivesse sido resolvido há duas décadas. Os grandes programas de construção das décadas de sessenta e setenta diminuíram a escassez de habitação, enquanto o rumo económico neoliberal e a redução das prestações sociais do Estado-providência para os que eram considerados mais necessitados (sistema residual de proteção social) diminuíram ainda mais a procura efetiva das famílias. Este equilíbrio artificial entre a oferta e a procura alterou-se repentinamente com a crise económica, que afetou em grande medida a indústria da construção. A enorme queda na construção de novas habitações, a par das políticas de austeridade dos Estados (que causaram uma nova redução nas prestações sociais), originaram um rápido aumento dos problemas da habitação. Houve não só um aumento do número de pessoas sem abrigo, mas também daquelas a viver em condições físicas de habitação muito más e/ou em unidades sobrelotadas. Como consequência a longo prazo da crise financeira, disparou o número de famílias ameaçadas de despejo por não conseguirem pagar o crescente aumento dos custos de habitação.
Num excelente artigo acerca do significado de habitação a preços acessíveis, Laura Colini escreveu o seguinte: “Se a habitação a preços acessíveis significa apenas que a habitação digna deve ser acessível e disponível para todos, principalmente para os menos favorecidos ou para aqueles em risco de o serem, o seu significado continua a não ser partilhado universalmente nas políticas públicas por toda a Europa... As estatísticas relativas à “Acessibilidade da habitação em termos de custo” do Eurostat, de novembro de 2015, indicam que em 2014 uma percentagem de 11,4% da população da UE-28 vivia em agregados familiares que gastavam 40% ou mais do seu «rendimento disponível equivalente» com a habitação.”
A habitação é um tópico fundamental entre as Cidades Boas Práticas URBACT. A palavra-chave “habitação” está presente em 56 das 97 Boas Práticas. Embora o número “real” de projetos de habitação seja obviamente menor, por volta de 10, o resultado ilustra a grande importância da habitação na agenda das cidades europeias.
Inspiração e Aprendizagem com Barcelona, Dupnitsa e Poznan
Evitar despejos: o exemplo de Barcelona mostra como as cidades estão vinculadas por um quadro jurídico nacional. As cidades, ao conceberem as suas políticas em prol de uma habitação a preços acessíveis, não são imunes a influências externas: muitos aspetos das políticas de habitação são determinados a nível nacional. A Boa Prática URBACT de Barcelona é um excelente exemplo disso.
Quando Ada Colau, ex-ativista pela habitação, se tornou Presidente da Câmara de Barcelona em 2015, a estratégia política da cidade mudou radicalmente e o Direito à habitação tornou-se um elemento importante dessa estratégia.
“Housing First” (“Habitação Primeiro”) é uma abordagem muito conhecida nas cidades que têm habitação local sensível a questões sociais. Constitui uma resposta ao problema das pessoas sem abrigo, através da disponibilização de unidades de habitação no segmento inferior do mercado imobiliário, em vez da sua colocação em abrigos.
A cidade de Barcelona foi mais longe e também introduziu o programa “Housing Last” (Habitação em Último Recurso), que tenta manter as pessoas ameaçadas de despejo nos seus apartamentos, durante o maior tempo possível.
O número de ações de despejo é elevado em Barcelona, com aproximadamente 30 despejos por semana. Anteriormente, a principal causa de despejo era a execução hipotecária. Atualmente, o motivo advém do valor elevado das rendas, impulsionado, em parte, pelos arrendamentos no AirBnB.
O objetivo político original da cidade era impedir totalmente as ações de despejo ou, pelo menos, tentar que a decisão final fosse tomada a nível do município local, uma vez que está mais próximo dos cidadãos e conhece melhor as circunstâncias reais. Isto estaria em conformidade com as propostas da Federação Europeia das Organizações Nacionais que Trabalham com os Sem-Abrigo, FEANTSA, uma ONG a nível da UE que se centra na proteção dos sem-abrigo. Infelizmente, Barcelona teve de enfrentar a realidade: em Espanha, à semelhança da maioria dos outros países da UE, as competências na habitação estão divididas entre os diferentes níveis de governação e a legislação nacional no âmbito das ações de despejo, que é bastante rigorosa, não pode ser alterada pelos municípios locais.
O Festival da Cidade URBACT em Talin foi a ocasião para discutir o caso de Barcelona numa perspetiva internacional. Na Polónia, a legislação nacional em matéria de habitação não permite o despejo de famílias. O programa “Housing Last” de Barcelona, que se encarrega de cerca de 80% dos casos de despejo quer parando o processo, quer providenciando uma alternativa de alojamento para famílias cuja ação de despejo não possa ser evitada, não seria necessário na Polónia, uma vez que, neste país o direito à habitação é garantido pela legislação nacional (para as famílias, pelo menos). Não admira que os representantes de Barcelona e de Poznan tenham trocado cartões de visita: a cidade de Barcelona parecia interessada em estudar de forma mais aprofundada os detalhes da legislação polaca relativa à habitação.
Como Dupnitsa e Poznan definiram a elegibilidade à habitação a preços acessíveis, de forma a alcançar populações específicas
A habitação a preços acessíveis é um tema muito complexo. Não há uma definição unilateralmente aceite nos países da UE, como demonstram os casos de Dupnitsa e de Poznan. Os limites de rendimento, um elemento essencial para determinar a elegibilidade à habitação a preços acessíveis, têm de ser definidos localmente.
“A Home for Everyone” (Habitação para Todos), a Boa Prática da cidade de Dupnitsa, Bulgária, teve como objetivo a construção de 150 novas unidades de habitação social para famílias vulneráveis. A elegibilidade para os novos apartamentos sociais foi definida a nível local, de acordo com os seguintes critérios: serem cidadãos búlgaros a residir há, pelo menos, 5 anos em Dupnitsa; não possuir quaisquer propriedades adequadas para habitação permanente; não ser proprietário de terreno não construído, de fábricas, oficinas, lojas, armazéns comerciais ou empresariais; não ser proprietário de bens, nomeadamente veículos motorizados, de valor total superior ao valor de mercado de uma habitação em Dupnitsa. Para além destes fatores, foi estabelecido um limite máximo de rendimento da seguinte forma: um quarto do rendimento total anual do agregado familiar deverá ser inferior ao custo do preço do mercado de arrendamento para uma casa correspondente às necessidades do agregado.
O número de residentes considerados elegíveis, com base nestes fatores, foi muito superior ao número de apartamentos disponíveis. Por isso, introduziu-se uma segunda fase sob a forma de um sistema de classificação baseado no emprego, idade, educação, saúde e situação familiar. Nesta classificação, as hipóteses das famílias eram mais elevadas se: estivessem a trabalhar (por oposição àquelas em situação de desemprego); fossem de meia-idade (em contraste com as mais novas ou as mais velhas); tivessem educação superior (face àquelas com menos habilitações); fossem famílias monoparentais ou tivessem muitos filhos (por oposição a famílias sem filhos).
Em suma: em Dupnitsa, as pessoas que não possuíssem propriedade e tivessem rendimentos médios ou mais baixos tinham a hipótese de ter um novo apartamento social. No entanto, dentro deste grupo, tinham vantagem as pessoas mais instruídas ou que estivessem a trabalhar. Este último critério mostra os esforços do município em selecionar essas partes da população carenciada que parecem ter mais ambições para aprender e para trabalhar (o que significa excluir os “pobres não merecedores”).
Poznan desenvolveu uma abordagem diferente, centrada na retenção de licenciados e de jovens dotados na cidade, ao disponibilizar apartamentos arrendados, a preços acessíveis, até 10 anos. Os inquilinos são escolhidos com base em diversos critérios de seleção: devem ter obtido o diploma de licenciatura nos últimos cinco anos, ter menos de 36 anos e não devem ser proprietários de mais nenhum apartamento em Poznan. Devem gerir ou trabalhar numa empresa em Poznan e pagar impostos na cidade. Há, também, um limite máximo e mínimo de rendimento.
Nas duas cidades, o novo programa de construção de habitações teve como objetivo a habitação a preços acessíveis para certos grupos populacionais. De forma a atingir os seus objetivos, ambos os programas utilizaram combinações interessantes de limites máximos e mínimos: os limites máximos de rendimento e de propriedade centram o programa na população relativamente carenciada, mas excluem os mais pobres, de habilitações inferiores ou os desempregados de longa duração (com os critérios de rendimento mais baixo/mínimo, educação e emprego). Claro que este último ponto pode assumir condições bastante controversas, o que ilustra bem a complexidade do tema da habitação a preços acessíveis.
Como fazê-lo? O impacto decisivo do contexto institucional
Os programas de habitação a preços acessíveis requerem uma forte liderança por parte dos municípios locais. Estes programas poderão empregar instrumentos muito variados, dependendo do seu objetivo principal, quer seja manter famílias vulneráveis nos seus apartamentos, melhorar habitações de baixa qualidade ou construir novas habitações para grupos de população específicos.
As cidades Boas Práticas URBACT aqui mencionadas partilham uma forte vontade política de desenvolver políticas de habitação com objetivos sociais e desenvolveram a capacidade profissional correspondente, no âmbito dos municípios locais, para gerir estes programas.
Existem diferenças noutros detalhes. Por exemplo. a cidade de Poznan criou a Associação de Habitação Social (PBTS), uma empresa pública que pode gerir o programa de habitação para licenciados, não existindo tais instituições nas outras cidades.
Foi bastante discutido, em Talin, até que ponto são necessárias estas empresas municipais de habitação para se implementar de forma bem sucedida programas de habitação a preços acessíveis. A discussão conduziu a mais intercâmbios entre Antuérpia e Poznan. A cidade de Antuérpia não tem a sua própria empresa de habitação. Os representantes da cidade ficaram interessados no projeto de Poznan relativo à habitação para licenciados, e indagaram se este poderia ser levado a cabo tendo por base o arrendamento de habitação no mercado privado.
A aprendizagem de uma ponta a outra da Europa
Uma hora e meia não é muito tempo para discutir questões tão complexas como a habitação a preços acessíveis. As Boas Práticas apresentadas neste painel do Festival da Cidade URBACT suscitaram muitos dilemas interessantes como, por exemplo, quais os grupos populacionais que precisam de ajuda para aceder à habitação a preços acessíveis, qual a melhor forma de proceder à sua seleção (através do rendimento e de outros critérios de seleção) e até que ponto é necessário um contexto institucional público para o efeito.
Para além destas questões, foi impressionante ver como cidades bem desenvolvidas e ricas da Europa Ocidental (Barcelona e Antuérpia) ficaram interessadas em aprender com os exemplos inovadores concebidos por cidades menos ricas dos novos Estados-Membros (Poznan e Dupnitsa). Espero que o intercâmbio de boas práticas realizados durante o Festival da Cidade URBACT, em Taline, e as relações estabelecidas recentemente entre as cidades sejam duradouras e conduzam, no futuro, a novas Redes de Transferência.
Leia mais sobre este tema em: “A fresh approach to housing: Poznan’s innovative offer to keep young talent in the city” (“Uma abordagem inovadora à habitação: a oferta inovadora de Poznan para reter os jovens mais talentosos na cidade”).
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Texto da autoria de Ivan Tosics, apresentado a 21 de novembro de 2017
Submitted by Ana Resende on