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6 recomendações para cidades que desejem juntar-se numa Rede de Transferência

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28 December 2017
Read time: 6 minutes

O concurso para a criação de Redes de Transferência URBACT está aberto até 10 de janeiro de 2018. Estas redes têm como objetivo adaptar e transferir as Boas Práticas URBACT para outros municípios que possuem desafios semelhantes, mas menos experiência.

Vejamos algumas das questões que podem apresentar-se às cidades que desejem candidatar-se: O que é que uma cidade “Boa Prática” ganha com a partilha de conhecimentos? E se o contexto político e cultural da minha cidade for completamente diferente? Quais as armadilhas a evitar ao adotar uma “boa prática” na minha cidade?

Não é preciso ir longe para se obter respostas: há alguma experiência no seio do URBACT.

A rede TUTUR, uma rede-piloto de transferência URBACT, centrada na utilização temporária de espaços desocupados foi criada para “testar” a abordagem da transferência de uma cidade para outra. Implementada em 2014, e com a duração de 15 meses, a rede incluiu três parceiros: Roma (IT) e Alba Iulia (RO), as “Cidades de Transferência”, e Bremen (DE), que atuou como a Cidade Boa Prática”.

 

Bremen: a Cidade Boa Prática que aprendeu com as Cidades de Transferência

Oliver Hasemann, urbanista e cofundador da empresa de desenvolvimento urbano AAA Ltd, trabalha para a ZwischenZeitZentrale (ZZZ), a qual, numa tradução livre, significa Agência do Período Transitório. Hasemann, juntamente com o seu colega, o arquiteto Daniel Schnier, têm gerido a agência ZZZ desde 2012 em nome da cidade de Bremen. A agência ZZZ é um projeto público gerido pela AAA, em regime de contratação externa, tendo a empresa AAA vindo a realizar projetos de utilização temporária, de forma independente, ao longo dos últimos 10 anos. Eles foram selecionados pela cidade  porque têm uma ligação próxima com a comunidade de utilizadores e, também, por compreenderem as necessidades e as limitações da administração pública. O objetivo da ZZZ é “despertar” edifícios e espaços desocupados, tanto privados como públicos, ao atribuir-lhes uma utilização temporária valorizando, assim, o património imobiliário e as zonas envolventes. O conceito funciona segundo o princípio de atribuição de espaços baratos para utilização temporária, permitindo a criação de condições ideais para pequenas empresas, start-ups, iniciativas e associações.

Para a agência ZZZ, os ingredientes essenciais para uma utilização temporária bem- sucedida são, por um lado, os utilizadores criativos com ideias credíveis e, por outro, os donos de edifícios desocupados e de terrenos baldios com uma mentalidade recetiva. Neste processo, a ZZZ desempenha o papel de intermediário: procura propriedades adequadas, consulta os donos das propriedades e desenvolve e acompanha os projetos de utilização temporária. A ZZZ também propõe ideias para os espaços desocupados, coordenando alguns de forma autónoma, e ajuda os utilizadores a realizar os seus projetos numa propriedade adequada, criando situações mutuamente vantajosas para todas as partes interessadas.

Em 2014, quando a cidade de Bremen decidiu integrar a rede TUTUR como Cidade Boa Prática, a agência ZZZ contava já com o apoio de várias partes interessadas relevantes, como os representantes dos diferentes departamentos da autarquia local e os habitantes do bairro e tinha já implementado vários projetos de utilização temporária numa zona portuária em Bremen, com extensas instalações fabris e antigas gares de triagem desocupadas, incluindo eventos de verão únicos e utilizações contínuas  de índole cultural e social em diferentes espaços como, por exemplo, antigos edifícios de escritórios, hospitais ou terrenos fabris.

Através do seu intercâmbio com as Cidades de Transferência, Bremen obteve novos conhecimentos sobre temas como, por exemplo, a forma de relacionar a utilização de espaços desocupados com o desemprego jovem ou com a integração de migrantes e de refugiados, temas que agora, cinco anos depois, fazem parte da agenda da cidade de Bremen e da agência ZZZ. O objetivo é incluir estes grupos, de uma forma mais alargada, nos projetos de utilização temporária da cidade, desenvolver ferramentas adequadas para lidar com eles e fornecer espaços a preços acessíveis. Nos últimos dois anos, a agência ZZZ cooperou com várias ONG para encontrar uma forma adequada de cumprir este objetivo e realizou sete workshops no âmbito do projeto “REFILL” do programa URBACT III.

Roma: uma Cidade de Transferência que carece de um quadro regulamentar

A cidade de Roma tinha um grande interesse no tópico da utilização temporária. A capital italiana possui muitas propriedades, incluindo terrenos agrícolas, edifícios e espaços verdes. Em 2014, muitas destas propriedades não estavam a ser utilizadas ou apenas o faziam parcialmente. Era uma situação que poderia ter-se prolongado por muito tempo, enquanto se esperava pela identificação de novos fins adequados e pelo estabelecimento dos recursos financeiros necessários à sua renovação. Os espaços abandonados ou indevidamente utilizados foram uma grande perda para as comunidades locais, em parte porque a falta de ocupação tem um efeito negativo nas áreas circundantes. A experiência com as utilizações temporárias, no âmbito do projeto TUTUR, permitiu à cidade atribuir novos usos às suas propriedades, envolvendo ao mesmo tempo os habitantes.

Embora as utilizações cívicas espontâneas tivessem lugar em espaços públicos em Roma, não tínhamos quaisquer quadros regulamentares para tais ações. Por conseguinte, as políticas postas em prática na cidade de Bremen, e a forma como permitem a existência de exceções quando necessário, foram uma grande lição para nós. De facto, Roma tem regulamentos mais rígidos do que Bremen, em termos de contratos públicos, segurança e zonagem. Em Bremen, no contexto de utilizações temporárias, era possível atribuir diretamente as propriedades públicas às partes interessadas a nível local, sem um concurso público, mesmo nos casos em que os edifícios já não cumpriam com todos os regulamentos em matéria de incêndios e de segurança. Tal não seria possível em Roma, uma vez que, de acordo com a política existente, as utilizações temporárias, bem como os arrendamentos de longa duração, teriam de cumprir com os regulamentos, afetando significativamente o compromisso económico e a responsabilidade a longo prazo dos utilizadores.”, afirma Daniela Patti, coordenadora da rede TUTUR, em nome de Roma.

A cidade de Roma, no âmbito da rede TUTUR, cocriou atividades juntamente com os habitantes locais no mercado do bairro de Viale Adriatico, e levou a cabo a utilização temporária do antigo viaduto dei Presidenti como pista para ciclistas e ponto de encontro, tendo ainda recuperado o abandonado teatro escolar Don Bosco. O viaduto foi inaugurado como espaço público com a realização de um workshop sobre bicicletas, e utilizado como espaço de recreio e laboratório do cidadão. Esta utilização temporária foi a preparação para a transformação do viaduto abandonado numa ciclovia.

6 Dicas e Truques da rede TUTUR

Em seguida, Oliver Hasemann, da cidade hanseática de Bremen, na Alemanha, e Daniela Patti, de Roma, partilham as suas experiências no âmbito da rede TUTUR, deixando alguns conselhos que irão ajudar as cidades a tirar, no futuro, o máximo proveito das Redes de Transferência URBACT.

1) “Cidades Boas Práticas: Não se considerem apenas mentoras... encontrem, também, outro objetivo na rede. Sejam concretas com o poder local de modo a conquistar a sua confiança”

Quando integrámos a rede TUTUR como cidade Boa Prática, estávamos muito curiosos acerca do modo como as utilizações temporárias funcionavam nas outras cidades europeias”, refere Hasemann. Para além de partilhar as suas boas práticas com as outras cidades, Hasemann salienta que é, também, muito importante para a cidade Boa Prática URBACT procurar outra atividade concreta dentro da Rede de Transferência, para além do seu papel de “mentora”.

No caso de Bremen, a rede TUTUR permitiu-lhe experimentar novas formas de utilização temporária, como visitas guiadas performativas pelos bairros da cidade. Estas visitas contaram com a participação de artistas profissionais, tornando-as num evento mais agradável,e ajudando a  melhorar a opinião sobre o bairro. Para além disso, tiveram a possibilidade de se concentrar mais em projetos num determinado bairro. No bairro de Hemelingen, um bairro industrial histórico na cidade de Bremen que passou por transformações nos processos de trabalho e não apresenta problemas sociais graves (desemprego, pobreza entre os jovens), revitalizaram-se vários sítios desocupados com características diferentes (desde superfícies comerciais vazias a zonas industriais abandonadas e fábricas desocupadas), através de uma rede local de organismos públicos, partes interessadas privadas e ONG.

2) “Sejam concretas com o poder local de modo a conquistar a sua confiança”

Serem premiadas com o selo Boas Práticas URBACT pode ser um forte argumento para que as cidades convençam as suas administrações e os representantes locais acerca da vantagem da experiência de transferência URBACT.

No entanto, Oliver Hasemann, dá um conselho adicional: “O intercâmbio transnacional e a obtenção de nova inspiração parecem conceitos bastante abstratos para muitos representantes locais. É mais fácil convencê-los se dissermos: «No âmbito deste projeto, iremos implementar e avaliar a ação concreta X no bairro da nossa cidade.»”

3) “Precisam de tradução de políticas e de tradução cultural”

Embora os contextos de Roma e de Bremen sejam bastante diferentes, aprendemos muito sobre utilização temporária e colaboração cívica e pública”, afirma Daniela Patti. Do ponto de vista de Roma, a cidade de Bremen tinha um sistema muito inovador de abordar a utilização temporária: a colaboração entre a cidade e outras partes interessadas a nível nacional e regional permitiu a afetação de financiamento e a identificação de áreas prioritárias de intervenção, possibilitando à agência ZZZ atribuir espaços desocupados a utilizadores. Daniela Patti acrescenta que a boa prática de Bremen foi uma inspiração valiosa para o trabalho em Roma, mas o quadro político para o concretizar a nível local, no contexto da cidade de Roma, tinha de ser completamente diferente.

Na sua opinião: “É impossível copiar de uma cidade para outra, sem qualquer alteração, é preciso que haja uma tradução a nível político e cultural. Em Roma, compreendemos que a elaboração de novas políticas para regulamentar as propriedades públicas desocupadas, desta vez em termos de  utilizaão temporária, teria sido contraproducente, uma vez que já tínhamos cinco políticas que lidavam, de alguma forma, com a questão da atribuição de edifícios ou espaços públicos verdes. Em vez disso, aproveitámos a oportunidade para informar melhor as partes interessadas acerca do quadro jurídico existente, através de um guia, de material online e de seminários. Ao mesmo tempo, também contribuímos para o desenvolvimento de um novo regulamento no âmbito da “Urban Commons” (utilizações comunitárias de espaços urbanos), para toda a administração, que ainda não foi implementado devido a mudanças políticas na Câmara Municipal”.

4) “Revelem os «mecanismos de bastidores» da boa prática”

“É importante compreender os mecanismos por detrás da Boa Prática, porque estes são, muitas vezes, os mecanismos essenciais à transferência. A dificuldade em transplantar uma prática de um contexto para outro reside no conhecimento das condições específicas do local que afetam o funcionamento da prática nesse contexto local. Para além das diferenças culturais gerais, poderão existir, muitas vezes, políticas ou procedimentos em vigor que afetam, de forma indireta, o sucesso de uma transferência”, diz Daniela Patti.

“No caso de Bremen, o modelo de governação é essencial ao seu bom funcionamento.” De facto, a prática de utilização temporária em Bremen beneficia da colaboração estreita e do apoio financeiro de vários departamentos e níveis de governação. Além disso, a flexibilidade da cidade na aplicação de políticas em edifícios destinados a uma utilização temporária não é comum a todas as cidades da Europa, por exemplo, em termos de segurança ou de saúde. Outro aspeto importante é o papel de intermediário que a agência ZZZ desempenha entre a administração pública e os utilizadores, o que garante o acesso da comunidade criativa local a estes espaços. Em muitas outras cidades da Europa, tal teria de acontecer no âmbito de um procedimento de concurso público e não por atribuição direta, como no caso da cidade de Bremen.

5) “Escolham parceiros com uma situação comparável”

O URBACT não impõe quaisquer restrições, no que diz respeito à dimensão das cidades parceiras. No entanto, de forma a encontrar uma solução que beneficie todas as partes envolvidas, é vantajoso para os parceiros partilhar situações semelhantes. “Houve um bom intercâmbio com o nosso terceiro parceiro TUTUR, Alba Iulia, no que respeita a questões de organização e de quadro jurídico. Porém, os desafios de uma pequena cidade são completamente diferentes dos de uma capital como Roma ou de uma cidade como Bremen. As cidades deverão em conta o aspeto da comparabilidade ao procurar parceiros de rede”, aconselha Oliver Hasemann, com base na sua experiência.

6) “Garantam a colaboração dos colegas e das partes interessadas a nível local ”

Incluir as partes interessadas a nível local em projetos de desenvolvimento urbano é um elemento essencial do programa URBACT. Daniela Patti pode confirmar este pré-requisito: ela recomenda fortemente que as cidades URBACT que integrem Redes de Transferência consigam a participação das partes interessadas a nível local – “incluindo aquelas inesperadas e difíceis!”.

Além disso, é preciso incluir os colegas de outros departamentos: “Eles são fundamentais para a estratégia, ao ajudar na definição de desafios e potencialidades para que as cidades possam implementar a boa prática no seu contexto local”, comenta.

Após o processo de transferência

Tanto Hasemann como Patti concordam que as suas cidades beneficiaram com a experiência de transferência. “A rede TUTUR permitiu-nos iniciar um programa-piloto de utilizações temporárias num dos bairros de Roma, reativando alguns espaços com os habitantes locais e desenvolver recomendações de políticas para o regulamento da cidade sobre utilizações comunitárias urbanas (embora, infelizmente, este não tenha sido aprovado ainda, devido a mudanças políticas)”, afirma Patti.

Por sua vez, Bremen teve a oportunidade de definir mais concretamente a sua abordagem às utilizações temporárias, ao implementar vários novos projetos de carácter distinto no bairro de Hemelingen, como o “WURST CASE” numa antiga fábrica de transformação de carne ou o “bay-WATCH” numa zona industrial abandonada, à beira-rio, na cidade de Hemelingen, tendo-se além disso, prolongado o financiamento da agência ZZZ até 2020. Algumas das ideias que tiveram no âmbito da rede TUTUR tornaram-se agora a parte principal do seu trabalho, centrado nas relações entre utilizações temporárias e a integração de migrantes.

Mais informação:

Texto da autoria de Heike Maiges, Ponto URBACT Nacional para a Alemanha e Áustria

Apresentado a 25 de Outubro de 2017