Duas cidades unidas pelo amor à boa comida
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09 November 2017Agora que o URBACT lança o seu primeiro concurso para Redes de Transferência, eis uma história de como uma boa prática de uma cidade pode ser adaptada e transferida para um contexto local completamente diferente.
Rodeada pela natureza, a apenas 14 km de Barcelona, a cidade de Mollet del Vallès sempre teve a tradição de comer bem e de proteger a terra. Mas nunca existiu uma política alimentar a nível da cidade que juntasse produtores e consumidores.
Tudo mudou em 2013, em plena crise económica, quando a autarquia criou um Departamento de Relações Internacionais com o objetivo de procurar ideias inovadoras para os serviços públicos e oportunidades de ligação em rede, através de programas da UE como o URBACT. Nessa altura, a cidade sueca de Södertälje, uma cidade “Boa Prática URBACT” que liderava uma Rede-piloto de Transferência chamada “Diet for a Green Planet”, estava à procura de Cidades deTransferência como Mollet del Vallès, a fim de poder partilhar a sua boa prática.
A cidade de Södertälje, com 95 000 habitantes, tem a reputação de promover a agricultura local sustentável como solução para a alimentação da população, ao mesmo tempo que reduz a poluição agrícola. Ao contrário de Espanha, a legislação nacional da Suécia encarrega os municípios de serem responsáveis pelas cantinas públicas. Com uma Unidade de Alimentação municipal que emprega 250 pessoas, incluindo cozinheiros, a cidade compra os alimentos diretamente aos produtores. Ao fornecer 24 000 refeições escolares grátis por dia, diminuíram o consumo de carne em 30%, desde 2010, e reduziram as sobras em cerca de 40%. Aproximadamente 60% das escolas em Södertälje são abastecidas com alimentos biológicos, locais e sazonais.
O modo como Mollet procedeu à adaptação e adoção da abordagem de Södertälje ilustra a forma como, graças ao URBACT, as políticas urbanas inovadoras podem difundir-se rapidamente e ter um impacto transfronteiriço.
Leia mais sobre o concurso URBACT para Redes de Transferência
Ao unir-se à “Diet for a Green Planet” em inícios de 2014, a cidade de Mollet concordou em fazer parte de uma rede de cidades conjuntamente com Södertälje e outras duas Cidades de Transferência, Łomża (PL) e Molėtai (LT), para explorar como colocar a produção local de alimentos ao serviço da população. Como requerido pelo URBACT, o chefe do Departamento de Relações Internacionais, Albert García, criou um Grupo URBACT Local: um grupo local composto por 14 stakeholders, um representante eleito, funcionários municipais, diretores de escolas, cozinheiros e produtores locais, para se reunirem e visitarem os outros parceiros da rede.
Veja mais sobre o projeto URBACT “Diet for a Green Planet”
Após uma primeira visita a Södertälje para descobrir se, e como, a cidade de Mollet poderia transferir a Política de Alimentação para o seu contexto local, havia sentimentos contraditórios. “Quando regressámos da Suécia, as nossas malas de viagem vinham a transbordar de ideias”, diz García. “Mas também tínhamos dúvidas. As nossas cidades eram tão diferentes em termos de tradição e gestão alimentar, recursos humanos, orçamento: por onde é que começávamos a transferir e a adotar o que tínhamos aprendido? Como é que iríamos fazer com que resultasse?...”.
Na cidade espanhola de Mollet, onde toda a atividade de fornecimento e gestão das cantinas públicas é subcontratada a empresas privadas, esta abordagem central à alimentação era inédita. “Ao ler sobre Södertälje, fiquei espantado por descobrir como a alimentação poderia figurar como tema numa autarquia! Para nós, a Unidade e a Política de Alimentação de Södertälje eram como um OVNI!”, recorda Albert García. “O município pretendia criar mercados para alimentos locais, tal como está previsto na estratégia da cidade para 2025, mas as cantinas públicas nunca tinham sido vistas como solução para o crescimento agro-urbano! Porém, temos este fantástico parque agro-ecológico de 734 hectares, Gallecs, que ocupa 50% do nosso território, uma cultura de apreciar a boa comida e um clima que nos permite cultivar produtos saborosos o ano inteiro”, diz García.
Logo após a primeira ida à Suécia, a cidade de Mollet levou a cabo um estudo de referência, um requisito URBACT para as redes, com a sua primeira auditoria à qualidade da comida servida nas cantinas públicas. Os resultados foram díspares: embora os pais e os filhos parecessem satisfeitos com a qualidade e o sabor, a auditoria revelou que grande parte da comida que as crianças comiam eram refeições congeladas, pré-preparadas e provenientes de locais distantes. Alguns disseram: “Porquê mudar o sistema, se as pessoas estão satisfeitas e não temos quaisquer queixas?”. Mas os resultados inspiradores de Södertälje, a par das perspetivas de crescimento económico local e de um estilo de vida mais saudável em Mollet, impulsionaram a autarquia a avançar com as reformas.
Adaptar as Boas Práticas em vez de as copiar sem qualquer alteração
Uma vez que era impossível para Mollet criar uma Unidade de Alimentação que comprasse diretamente os alimentos locais para as cantinas, a cidade adaptou as boas práticas da cidade de Södertälje às suas próprias normas e especificidades. Os funcionários municipais Núria Duñó e Antonio Martínez transformaram o antigo sistema de contratos públicos num novo modelo, tendo por base a qualidade e não o preço, de forma a modificar o fornecimento. Tal permitiu que centenas de crianças comessem alimentos provenientes de explorações agrícolas próximas, sem aumentar os preços para as famílias. Este novo sistema de contratos públicos foi elaborado em 2014 e baseia-se nos princípios do projeto “Diet for a Green Planet” de Södertälje: comida saborosa e saudável, produtos biológicos, menos carne, mais vegetais e alimentos integrais, alimentos sazonais, produzidos localmente, redução do desperdício alimentar.
Em vez de se escolher as empresas com base apenas no preço, como se fazia anteriormente, com este novo modelo o município estabelece um preço fixo para a gestão das cantinas e, depois, usa um sistema de pontos para selecionar e monitorizar a empresa escolhida com base na qualidade. Comparam-se as empresas candidatas atendendo à pontuação obtida em áreas como: comida nutritiva e saborosa (aqui incluem-se fatores como “Não usar comida pré-cozinhada e frita”, “Um mínimo de 10 vegetais diferentes por semana”); alimentos ecológicos; produtos locais frescos (incluindo “distância média dos fornecedores de vegetais: <30 km”).
“Não foi fácil encontrar boas empresas que cumprissem estes critérios. Também precisámos de aconselhamento jurídico para respeitar a regulamentação da UE em matéria de contratos públicos. Isto foi um pouco complicado”, diz Martínez tranquilamente. “Fizemos alguns ajustamentos. Há outras cidades que estão agora a mostrar interesse, bem como escolas privadas fora do nosso controlo direto.”
Alguns destes ajustes dizem respeito a custos. Os alimentos biológicos frescos provenientes de pequenos produtores custam mais do que as refeições produzidas industrialmente e prontas a aquecer. De forma a manter os preços baixos para as famílias, o município limitou outros custos como, por exemplo, reduzir as horas de trabalho dos cozinheiros e encorajar os fornecedores a diminuir as margens de lucro.
Benefícios para a Cidade de Transferência e sua comunidade local
Atualmente, em Mollet, crianças de três infantários públicos e dos dois centros municipais para pessoas com deficiência comem almoços saudáveis, preparados com lentilhas, grão-de-bico, tomate, alface, feijão, cenouras e outros vegetais provenientes de Gallecs, o parque agro-ecológico de mais de 700 hectares nas proximidades da cidade. O fornecimento contínuo de outros alimentos frescos, incluindo carne e peixe, é assegurado graças a um acordo com uma associação regional. Os pais de três escolas primárias públicas, de um total de 10, também seguiram o exemplo de transformar as suas cantinas. Para mais, continua a haver mais escolas a mostrar interesse em fazer o mesmo, em Mollet e não só. Agora, a comida que se serve nas cantinas públicas de Mollet é, em média, mais de 80% biológica e 100% sazonal. Todos os vegetais percorrem menos de 30 km desde o campo à mesa. Até o pão é feito localmente com farinha de espelta moída em moinho de pedra, uma variedade muito antiga reintroduzida no parque agrícola de Gallecs graças aos programas de investigação que o Consórcio de Gallecs e a Universidade de Barcelona mantêm em conjunto. Os vegetais excedentários são processados na cozinha comum do parque agro-ecológico, mesmo ao lado da loja da exploração agrícola e de uma capela pitoresca feita em pedra, agora um local para casamentos muito cobiçado.
Toda esta atividade traduz-se em mais empregos e desenvolvimento económico. Atualmente, em Gallecs, há aproximadamente 20 produtores locais, alguns dos quais a empregar o dobro de pessoas, quando comparado com 2013, e estes valores continuam a crescer. Gallecs conta, agora, com 7 hectares exploráveis, comparado com os 2 hectares existentes antes do início do projeto, e os produtores locais fornecem, atualmente, 14 cantinas públicas de outras cidades da região. “Estamos a atrair os jovens de volta para os campos. Há muitas iniciativas novas, todas em pequena escala”, refere Gemma Safont, que gere o “Consórcio de Gallecs”, órgão criado em 2005 e formado por Mollet, as cidades limítrofes e o Governo da Catalunha, para encorajar a agricultura biológica, proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida. Tendo crescido aqui, na quinta da sua família, Safont viu a área transformar-se num santuário, não só para plantas e vida selvagem, mas também para aproximadamente 750 000 pessoas que vêm de visita, todos os anos, provenientes das cidades limítrofes.
Modificar hábitos e superar dificuldades
Para adaptar as boas práticas de Södertälje para Mollet, no âmbito das refeições escolares locais, sazonais e biológicas, foi necessário uma mudança de normas e de atitude.
Para García, o segredo estava em encontrar “aliados”, ter as pessoas certas envolvidas logo desde o início. Como em todas as cidades URBACT, Mollet criou o seu próprio Grupo URBACT Local, composto por pessoas entusiastas, nomeadamente professores, agricultores e cozinheiros locais, políticos, diretores de infantário e funcionários públicos, seguindo o exemplo do grupo já existente em Södertälje. O município também se aliou à “Ecological School Association” da Catalunha, que prestou aconselhamento no âmbito da reorganização de cantinas e realizou auditorias. “Este Grupo URBACT Local foi a plataforma perfeita para unir agentes locais. O sentimento de pertença, o compromisso mútuo perante uma causa partilhada... É a única coisa que torna estas mudanças sustentáveis”, afirma García.
As visitas e os intercâmbios entre Södertälje e Mollet criaram um sentimento de responsabilidade e contribuíram para uma mudança de mentalidade dos decisores. Após uma visita de três dias de uma delegação política de Södertälje, o Presidente da Câmara de Mollet, Josep Monràs, percebeu o potencial de utilizar os alimentos como forma de alcançar objetivos nos setores do ambiente, da saúde pública e da economia. De repente, a comida tornara-se o tema favorito do Presidente da Câmara.
Ainda assim, têm existido alguns sobressaltos ao longo do percurso, nomeadamente no que respeita às diferenças culturais relativas às virtudes da carne. Alguns pais estão insatisfeitos por a carne ser, às vezes, substituída por proteína vegetal. Um erro (apelidado por García e pelos seus colegas como “a crise do hambúrguer grande”) foi o de servir metade de um hambúrguer grande a cada criança: as pessoas pensaram que andavam a ser enganadas, na medida em que as autoridades estavam a dar primazia à redução de custos em prejuízo da saúde dos filhos.
De igual modo, na Can Vila, em Gallecs, uma escola para 157 crianças com necessidades especiais, de todas as idades, os cozinheiros têm de ser particularmente cuidadosos no que diz respeito a alergias e a outros requisitos alimentares (algumas crianças são alimentadas através de uma sonda gástrica). As crianças autistas, em especial, acharam desconcertante a adaptação a massa e pão integral e a refeições sem carne. Os problemas diminuíram ligeiramente quando se cozinharam as lentilhas de forma a parecerem-se com carne. Montse Tarrés, a diretora, diz que a transição para os novos menus da “alimentação verde” não poderia ter avançado sem o apoio constante dos pais.
De forma geral, os pais e funcionários desta instituição, bem como os de uma creche local, dizem que o sistema está a funcionar. Com a alimentação – produção sustentável e refeições saudáveis – como parte integral do programa educativo, a experiência tem sido “muito positiva” para as famílias e os profissionais.
Mireia Oliva, diretora da escola pioneira Can Besora, tem feito parte do grupo local desde o início, visitando Södertälje e ajudando a Câmara de Mollet. Tem dedicado a sua energia à renovação do compromisso da sua escola com os alimentos locais e saudáveis. Este intercâmbio tem sido uma experiência útil com efeitos positivos para as crianças? “Molt, Molt, Molt” – muito, muito, muito.
Benefícios para a “Cidade Boa Prática”
Para Södertälje, os intercâmbios com Mollet não eram apenas uma transferência de um só sentido. Graças às reuniões e visitas de estudo a Mollet e às outras Cidades de Transferência, a própria cidade de Södertälje beneficiou com as ideias, sugestões e experiência que advieram dos seus parceiros e refletiu na forma como havia de melhorar e atualizar a sua própria política.
Sara Jervfors, responsável pelas Refeições Públicas, foi o principal parceiro em Södertälje. Ela ficou particularmente impressionada com a abordagem serena e positiva da cidade de Mollet, com o potencial da deliciosa dieta mediterrânica na alimentação, ao longo de todo o ano, e com a forte cultura de partilha e de apreciar uma boa refeição.
“Mollet era bastante evoluída na forma como cooperava com os produtores de produtos hortícolas. Tinham boas ideias para unir escolas e produtores locais. Aprendemos muito sobre o conceito de um consórcio para partilhar a gestão de parques agrícolas e, agora, também estamos a criar um”, disse Jervfors.
Graças a estes intercâmbios mutuamente benéficos, as cidades de Mollet e Södertälje fazem, agora, parte de uma outra rede URBACT, a “Agri-Urban”, de modo a promover, ainda mais, o potencial económico das cadeias alimentares locais e sustentáveis.
Para a submissão de candidaturas às Redes de Transferência URBACT como Cidade Boa Prática ou de Transferência, consultar os Termos de Referência para a criação de Redes de Transferência e o Guia para Redes de Transferência
O futuro após o término da rede URBACT
A cidade de Mollet tem feito progressos desde os intercâmbios no âmbito da rede “Diet for a Green Planet”, realizados entre 2013 e 2015. O grupo local evoluiu e, agora, reúne-se regularmente para discutir ações municipais relacionadas com a alimentação. Este “grupo de política alimentar” ajudou a criar a política alimentar da cidade para 2015, votada ao estilo sueco, com o consenso entre todos os partidos e constituiu um marco decisivo para o município e uma clara mais-valia para o futuro da cidade. Atualmente, a estratégia do município em transformar Gallecs num fornecedor local importante de produtos biológicos e sazonais persiste.
Um exemplo disto é o projeto que visa a conversão de uma antiga exploração agrícola num armazém para comércio eletrónico e num centro de distribuição, ao lado de uma escola para crianças com deficiência. Tendo garantido um investimento a nível local e regional, a ideia é aumentar o número de empresas locais do setor alimentar, de forma a oferecer empregos adaptados a pessoas com deficiência.
Há, também, planos para unir os setores alimentar e da saúde, juntamente com o Hospital de Mollet, para combater doenças associadas a um regime alimentar deficiente e à obesidade e encorajar uma alimentação com menos açúcar, sal e carne e mais produtos hortícolas e alimentos não transformados.
Na Câmara Municipal, Antonio Martínez reflete a respeito de como é que a cidade de Mollet seria diferente, caso não tivesse tido contacto com Södertälje. “Em tudo!”, exclama. “É possível que ainda estivéssemos na mesma situação de há cinco anos, com cortes orçamentais e sem qualquer hipótese de melhorar os nossos serviços. Conseguimos introduzir algo novo, tudo sem aumentar os custos.”
Descubra:
• 97 Boas Práticas URBACT
• Concurso para Redes de Transferência (prazo para candidaturas 10 de janeiro de 2018)
• Rede URBACT “Diet for a Green Planet”
• Rede URBACT “Agri-Urban”
Etiqueta de homepage: Desenvolvimento urbano integrado
Texto da autoria de Amy Labarrière apresentado a 14 de setembro de 2017
Submitted by Ana Resende on