A Iniciativa Nacional Cidades Circulares e o URBACT
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18 September 2020Tal como noutros países da UE, em Portugal o programa URBACT tem vindo a consolidar-se como modelo exemplar a vários níveis. Em primeiro lugar, para os cidadãos envolvidos nas redes, promovendo a sua capacitação e o exercício de cidadania. Paralelamente, para as cidades que nele participam, cuja noção de governança se identifica cada vez mais com um processo participativo, abraçando as causas da sustentabilidade urbana. Por fim, para os países que, percebendo a eficácia do “método URBACT”, a este recorrem na conceção de políticas de desenvolvimento territorial inovadoras. Em Portugal, a Iniciativa Nacional Cidades Circulares – InC2 segue este método, ao mesmo tempo que vem ao encontro de uma tendência crescente nas políticas europeias, nacionais e locais: a valorização da economia circular na prossecução do desenvolvimento urbano sustentável.
Cidades Circulares na UE
O Porto acolheu em janeiro o Cities Forum 2020, evento europeu de grande escala organizado pela União Europeia, em cujos debates e comunicações ficou patente a relevância atribuída atualmente à noção de cidade circular. Entre outros sinais, foi o momento escolhido para o lançamento da plataforma Circular City Funding Guide, guia exaustivo sobre a temática “cidades circulares” e os modos de financiamento para projetos em circularidade urbana, resultado de uma das ações da Agenda Urbana para a União Europeia (AUUE).
De facto, a economia urbana circular tem vindo a ganhar visibilidade no contexto europeu – e não só – desde há alguns anos, através de iniciativas várias, incluindo a AUUE, acordada através do Pacto de Amesterdão, em 2016. Embora todos os seus 14 temas prioritários - correspondendo a cada um destes uma parceria - se norteiem pelos princípios do desenvolvimento sustentável, destacamos o tema da “Economia Circular”, no âmbito do qual se desenvolveu uma parceria que inclui 12 ações.
Já anteriormente à AUUE, a Carta de Leipzig sobre Cidades Europeias Sustentáveis, documento de referência para as políticas urbanas da UE, adotado em 2007, defendia muitos dos princípios implícitos na economia urbana circular. Ambos os documentos estão a ser revistos, com a perspetiva do próximo quadro de financiamento europeu, prevendo-se, nas suas novas formulações, o reforço da relevância das cidades circulares para uma Europa coesa e sustentável.
O recente Pacto Ecológico Europeu (Green Deal) vem reforçar esta orientação, surgindo a economia circular transversalmente a todas as ações principais aí previstas, no seguimento de uma linha anteriormente adotada pelas instituições da UE, nomeadamente através do Plano de Ação da UE para a Economia Circular, atualizado este ano, em linha com o Pacto Ecológico Europeu.
Na verdade, estas iniciativas europeias enquadram-se num contexto global em que se destaca o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) na sensibilização para a centralidade da economia circular na promoção da resiliência urbana e do desenvolvimento urbano sustentável. Neste âmbito, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e a Nova Agenda Urbana - Habitat III refletem o empenho da ONU na adoção de medidas eficazes para tornar a economia das cidades mais circular.
Economia Circular e Cidades – O Contexto Português
Em Portugal têm vindo a surgir, na última década, políticas e documentos oficiais promotores da economia circular, abrangendo inevitavelmente as questões chave da circularidade urbana. Destaca-se o Plano de Ação para a Economia Circular, publicado em 2017, ao qual se juntam o Programa Nacional para a Coesão Territorial (2017), a Nova Geração de Políticas de Habitação (2018) e o Roteiro para a Neutralidade Carbónica (2019), todos antecedidos pela definição da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (2015). Paralelamente, o Fundo Ambiental tem vindo a conceder apoios financeiros que possibilitam o desenvolvimento de algumas iniciativas neste domínio.
De igual modo, regiões e municípios têm abraçado a causa da economia circular, através de iniciativas várias. São reflexo dessa tendência, por um lado, o envolvimento de entidades municipais e supramunicipais em ações da AUUE e mesmo, no caso do município do Porto, na parceria “Economia Circular”; por outro, a participação de cidades e autoridades intermunicipais em redes do programa URBACT centradas em temáticas abrangidas pela circularidade urbana. De entre as redes URBACTIII integrando parceiros nacionais nesta situação, destacam-se a Rede de Planeamento de Ação AGRI-URBAN (Fundão), já concluída, as Redes de Transferência Tropa Verde (Guimarães), BluAct (Matosinhos), Ru:rban (Loures) e BioCanteens (Torres Vedras), bem como quatro das mais recentes Redes de Planeamento de Ação, em desenvolvimento: Food Corridors (CIM Coimbra) Resourceful Cities (Vila Nova de Famalicão), Urb-En Pact (CIM Alto Minho) e URGE (Oeste CIM).
No entanto, o impacto positivo do programa URBACT não se limita à promoção ativa do desenvolvimento urbano sustentável, enquadrado por vários tópicos da máxima relevância, incluindo a “Economia circular”. Para além disso, viabiliza, nas entidades participantes, a implementação de um método de trabalho eficaz, cuja mais-valia não passou despercebida às organizações estatais de alguns países com parceiros em redes URBACT, o que resultou no aproveitamento do método para experimentar iniciativas nacionais inovadoras no âmbito da cooperação em rede e da governação participativa.
É de salientar o nível elevado e crescente da participação portuguesa no programa URBACT, contando com parceiros em 36 redes a decorrer, sendo que, destas, 19 arrancaram em 2019 como Redes de Planeamento de Ação. Nestas últimas, Portugal é o segundo país com mais participações, a seguir a Itália. Pode afirmar-se que estes resultados positivos, bem como a sua visibilidade, demonstram os benefícios do método ao nível local em Portugal, comprovados na procura de integração em redes por cada vez mais municípios e entidades supramunicipais.
Face a estas evidências, podemos perguntar: o que caracteriza o programa URBACT e o torna tão atrativo?
O Método URBACT nos Estados Membros da UE
O programa europeu URBACT, cofinanciado pelo FEDER, é um dos instrumentos da política de coesão da UE e caracteriza-se pela promoção de um modelo de governança urbana integrado, ou seja, baseado em políticas de integração horizontal e vertical. A integração horizontal requer a estreita cooperação entre os diversos serviços municipais na conceção de planos e projetos para a cidade, enquanto a integração vertical é multinível, implicando a coprodução de políticas e ações envolvendo os Grupos de Ação Locais (incluindo cidadãos, associações, parceiros dos setores público e privado) e as autoridades municipais, supramunicipais ou até nacionais. Esta “integração” constitui um dos três princípios fundamentais do “método URBACT”, juntamente com a “participação” e a “aprendizagem-ação”.
A “participação” designa uma abordagem participativa que reconhece o valor do envolvimento de todas as partes interessadas em processos de cocriação, num processo participativo e de corresponsabilização para a melhoria das condições de vida em contexto urbano.
A “aprendizagem-ação” potencia melhores conhecimentos e competências através do trabalho com os pares, concebendo e testando ações para a resolução de problemas concretos, sem esquecer a avaliação do impacto dessas mesmas ações e a divulgação das lições daí resultantes.
Em síntese, o método URBACT, baseado nos três princípios acima descritos, constitui-se de processos e ferramentas que viabilizam a aprendizagem através da prática e da conceção de modelos de governação local inovadores que irão levar à coprodução e implementação de planos de ação integrados ou de planos de transferência de boas práticas, com o apoio de peritos.
O método é aplicado em cada rede URBACT, composta por parceiros de vários países e focada num tema relacionado com o desenvolvimento urbano sustentável. O conhecimento, orientado para a ação, é partilhado entre os parceiros da rede, envolvendo uma abordagem participativa e integrada ao desenvolvimento urbano. Paralelamente, investe-se na capacitação dos agentes urbanos, na promoção da capitalização e na disseminação do conhecimento, contando-se, ao longo de todo o processo, com o apoio do Secretariado URBACT, dos Pontos URBACT nacionais, bem como de peritos do programa e de peritos temáticos.
A perceção, por parte de entidades governamentais, dos ganhos obtidos através da participação no programa, levou à criação de iniciativas nacionais em países como Polónia, Roménia, Itália e Espanha, sendo o exemplo polaco, designado por Partnership City Initiative, o mais consolidado até ao momento.
Portugal junta-se a este grupo de países através da Iniciativa Nacional Cidades Circulares – InC2, inspirada pelas experiências decorrentes da AUUE e do URBACT no que toca a planeamento integrado e governança multinível.
A InC2 – uma iniciativa inovadora
A InC2 foi lançada pelo Ministério do Ambiente e da Ação Climática, tendo como objetivo geral apoiar e capacitar os municípios portugueses e as suas comunidades na transição para uma economia circular, assumindo-se como um instrumento operacional dos referenciais estratégicos nacionais para o desenvolvimento urbano sustentável, designadamente o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território e a Estratégia Cidades Sustentáveis 2020. No quadro do objetivo “Transição para uma economia circular” serão assim financiadas, através do Fundo Ambiental, quatro redes de cidades portuguesas que promovam a economia urbana circular no âmbito de quatro temas prioritários. É no trabalho a desenvolver por estas redes e, localmente, por cada um dos parceiros de rede, que é adotado o “método URBACT”, envolvendo a cooperação entre os vários atores locais para a concretização dos objetivos estratégicos de capacitação, capitalização e comunicação.
A capacitação implica a aquisição de competências pelos agentes urbanos, com o apoio de peritos, para o desenvolvimento de planos de ação locais, integração territorial e cooperação em rede. A capitalização consta do aproveitamento do capital de conhecimento e relações gerado, para produzir mais conhecimento e informação, melhor acesso ao financiamento e melhor legislação, em processos de cooperação multinível. A comunicação pressupõe a produção e disseminação de informação, visando sensibilizar os atores e cidadãos para a economia urbana circular e ampliar a abrangência da iniciativa em termos de beneficiários indiretos. A assistência técnica disponibilizada irá possibilitar a criação de condições materiais e financeiras adequadas à execução da InC2 no quadro destes objetivos.
Os temas prioritários a abordar foram escolhidos com base nas respostas a um inquérito enviado a entidades regionais e intermunicipais, tendo resultado os seguintes: Urbanismo e Construção, Relações Urbano-Rurais, Economia Urbana para a Circularidade e Ciclo Urbano da Água. Estes temas tratam funções essenciais da cidade com vista à satisfação das necessidades humanas, focando-se nos processos técnicos e socioeconómicos de base local que as suportam. Transversalmente, o trabalho de cada rede deverá ainda ter em consideração as seguintes temáticas: Transição Digital, Adaptação Climática, Contratação Pública e Inclusão e Coesão Social.
Não obstante, para que tudo aconteça, terão de se constituir as quatro redes. É aqui que a ferramenta ‘Praça das cidades’ assume um papel fundamental. Também à semelhança do que acontece no programa URBACT, esta plataforma permite aos interessados em integrar uma rede procurarem parceiros e manifestarem o seu interesse em determinado tema. As várias redes que venham a constituir-se candidatam-se à participação na iniciativa, de onde deverão resultar quatro selecionadas - uma em cada tema prioritário - que irão desenvolver o seu trabalho ao longo de dois anos.
Espera-se que, como já vem acontecendo com os parceiros de redes URBACT, o efeito positivo das colaborações firmadas ao abrigo da InC2 perdure muito para além da duração do programa. A repercussão de iniciativas como a InC2 revela-se não apenas no acesso facilitado à captação de fundos europeus para a concretização dos planos de ação, mas, também, no seu importante contributo para encorajar a adoção de sistemas de governação participativos pelos decisores políticos, consciencializando estes, as partes interessadas e os cidadãos da importância do diálogo para o sucesso dos processos de decisão locais.
Perante o contexto ambiental que atravessamos, associado ao apelo urgente do Pacto Ecológico Europeu para uma mudança de paradigma socioeconómico, a consciencialização dos atores sobre a importância da transição para uma economia urbana circular baseada em processos participativos será a chave para o desenvolvimento sustentável das cidades. A InC2 desempenhará assim um papel fundamental na transição para um país mais ecológico e mais justo.
Para saber mais, aceda aqui ao website da InC2.
Texto da autoria de Maria João Matos, com a colaboração de Ana Resende, Ponto URBACT Nacional
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