You are here

A Habitação no Festival URBACT 2018: da Agenda Urbana da UE a Lisboa

Edited on

08 January 2019
Read time: 5 minutes

A habitação acessível e adequada foi um dos temas das sessões dos laboratório do Festival da Cidade URBACT que decorreu em Lisboa, nos dias 13 e 14 de setembro de 2018. Este texto visa apresentar os debates sobre habitação em Lisboa, associando-os ao trabalho da agenda urbana para a UE (AUUE) sobre habitação acessível.

As difíceis condições de habitação em Lisboa

Portugal ocupa a 22º posição em 28 países no Índice Europeu de Exclusão de Habitação 2016.

Em Portugal, os direitos de habitação são garantidos por lei e pela Constituição, que estabelece que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (Art. 65, nº 1).

Apesar desta disposição constitucional, bem como uma série de programas e leis de habitação, a crise financeira e as medidas que têm sido implementadas para lidar com a crise, nomeadamente as medidas de austeridade, criaram condições de habitação difíceis para muitos.

A liberalização e a desregulamentação do mercado imobiliário afetou radicalmente as condições de habitação: o controlo das rendas foi retirado, os regulamentos de renovação e remodelação abrandaram e os impostos baixaram. Tal aconteceu numa altura em que Portugal atravessava um período económico difícil: o Memorando da Troika, que o último governo assinou em 2011, dedica um capítulo inteiro à habitação com o objetivo de “dinamizar” o mercado de arrendamento e os mercados de compra.

Em 2012, isto ocasionou a introdução do “VISTO dourado"[1] destinado a estrangeiros disponíveis para investir no mercado local, impulsionando o investimento em imóveis na cidade. Os preços subiram porque esta abordagem política fez com que fosse mais fácil investir na renovação de apartamentos para serem arrendados à crescente onda de turistas, o que atraiu investidores, nomeadamente da China, Turquia, mas também de outros países, levando a que a AirBnB se torna-se um ator importante no mercado habitacional de Lisboa. A maioria dos AirBnB em carteira são casas/apartamentos completos e essa lista cresce a um ritmo de 3 dígitos por mês. A gentrificação é uma praga séria que leva a que os inquilinos sejam incapazes de pagar os crescentes custos de arrendamento dos seus apartamentos, o que se traduz em despejos diretos e indiretos de habitantes.

Protestos e organizações lideradas por cidadãos deram visibilidade às dificuldades das pessoas relativamente à falta de habitação adequada, aos despejos (em 2016 pelo menos 1.700 famílias foram despejadas das suas casas em Lisboa) e às lutas contra o aumento das rendas em Lisboa, em nome do direito à habitação, garantido pela constituição nacional, como, por exemplo, a iniciativa Caravana pelo Direito à Habitação.

O filme “You’ll soon be here” de Fabio Petronilli proporciona uma perspetiva do potencial desenvolvimento futuro do bairro da Mouraria, um dos bairros mais antigos de Lisboa e os riscos inerentes a estas novas tendências. O bairro da Mouraria foi palco de um dos walkshops do Festival da Cidade URBACT.

YOU'LL SOON BE HERE from Fabio Petronilli on Vimeo.

Os arrendamentos de curto prazo foram recentemente objeto de regulação mediante a introdução de medidas nas novas leis sobre empreendimentos turísticos e com a assinatura de um acordo entre a AirBnB e a Câmara Municipal de Lisboa, em 2016, para promover a partilha justa de habitação e simplificar o pagamento da taxa turística para hóspedes da Airbnb. No entanto, o que ainda falta é uma distinção real entre pequenos e grandes locatários: apenas o último paga as quantias que são requeridas para o alojamento turístico.

Estratégias de habitação e renovação urbana do município de Lisboa

A principal referência institucional para políticas habitacionais locais é o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), responsável pela implementação das políticas de habitação e reabilitação urbana do governo central, especialmente para famílias de baixos rendimentos.

Localmente, a Direção Municipal de Habitação e Desenvolvimento Local em Lisboa é o órgão institucional que desenvolve as políticas habitacionais do município de Lisboa, encontrando-se organizada em dois departamentos: o Departamento de Políticas e Gestão de Habitação e o Departamento de Desenvolvimento Local. Estes departamentos abrangem uma ampla variedade de ações e projetos, incluindo, entre outros, um programa de recuperação, subsídio de arrendamento municipal e o programa de rendimento acessível.

O BIP/ZIP é um dos programas mais importantes da Direção Municipal de Habitação e Desenvolvimento Local (Estratégia de Desenvolvimento Local para Bairros ou Zonas de Intervenção Prioritária), fornecendo um quadro de ação para promover a coesão social e territorial e a participação dos cidadãos e integrando intervenções habitacionais numa abordagem mais ampla de renovação urbana. Apoiado no quadro da ferramenta de Desenvolvimento Local de Base Comunitária da União Europeia da Política de Coesão 2014-2020[2], o BIP/ZIP promove projetos locais e parcerias municipais para a melhoria das zonas prioritárias em Lisboa. Estas zonas são selecionadas de acordo com diferentes conjuntos de dados municipais e governamentais sobre aspetos sociais, económicos, urbanos e ambientais. De modo semelhante a outros planos na Europa, como por exemplo o programa "cidade social" alemão que faz o mapeamento das zonas urbanas carenciadas em Berlim, o BIP/ZIP identifica áreas de intervenção prioritária para investimentos de cerca de 50.000 euros. As iniciativas lideradas por cidadãos podem candidatar-se com projetos que abrangem temas como a promoção da cidadania, criação de competências e emprego, inclusão e prevenção, qualidade do espaço público, etc.. Esta estratégia é considerada inovadora e em 2013 recebeu o prémio "Boas Práticas na Participação do Cidadão" pelo OIDP (Observatório Internacional de Democracia Participativa) e o selo Boas Práticas URBACT em 2017. Em 2018, o BIP/ZIP está na sua 8ª edição com um orçamento de 1,6 milhões de euros, contabilizando 270 projetos, 567 instituições e 4637 atividades.

Associação à parceria da Agenda Urbana para a UE sobre habitação acessível (AUUE)

Enquanto as parcerias da Agenda Urbana para a EU em matéria de “Habitação acessível” procuram que as políticas habitacionais sejam abordadas a nível europeu, as práticas e os desafios ao nível da cidade representam o verdadeiro terreno em que as propostas da Agenda Urbana para a UE serão testadas. Fomentar habitação de boa qualidade a preços acessíveis é o principal objetivo da parceria da Agenda Urbana. O trabalho da parceria visa a habitação municipal, social, cooperativa, a habitação para arrendamento acessível e a aquisição de casa própria acessível, com exclusão da habitação de emergência, o simples mercado de arrendamento ou de aquisição de casa própria.

A cidade de Lisboa é um dos membros ativos desta parceria AUUE e as suas contribuições consistiram em fornecer práticas e exemplos de políticas sociais locais (por exemplo, o BIP/ZIP apresentado durante a 10ª reunião da parceria em Lisboa) e propor ações para o plano de ação da Agenda Urbana para a UE, numa aprendizagem efetuada a partir da perspetiva da cidade.

Em 20 de julho de 2018, 13 ações propostas por esta parceria da AUUE foram partilhadas on-line para consulta pública. A consulta pública esteve aberta até 4 de setembro de 2018. Estes são os resultados de um trabalho baseado no intercâmbio entre os membros da parceria (que colaboraram em grupos de trabalho centrados em Auxílios Estatais (Auxilios Estatais, Direito da Concorrência, Definição de Serviços de interesse económico geral, questões relacionadas com o Imposto sobre o Valor Acrescentado); finanças e financiamento (investimentos e instrumentos, empréstimos, financiamento inovador, regra de ouro, semestre europeu) e Políticas Gerais de Habitação (divididos em dois subgrupos Parte A: uso da terra, planeamento espacial; terreno de construção (terra), antiespeculação, renovação, eficiência energética; e Parte B: Segurança da posse, estabilização da renda, cogestão, codesign e apoio a grupos vulneráveis).

Enquanto as ações foram elaboradas como resultado de reuniões nas quais apenas o membro da parceria podia participar - de acordo com o plano de toda a Agenda Urbana para a UE - a consulta on-line foi uma ocasião para se abrir um debate mais alargado.

O laboratório no Festival Cidade URBACT convidou os membros da Parceria a partilharem ações e o progresso do plano de ação.

O Laboratório no Festival Cidade URBACT 2018

O Laboratório de Habitação a 13 de setembro foi organizado em colaboração com a Parceria Habitação Acessível AUUE e analisou a temática “Habitação” aprendendo a partir da experiência de Lisboa, apresentando os progressos da Parceria da Agenda Urbana para a UE, com a participação da habitação europeia. Foi programada uma visita ao local para os participantes do workshop aprenderem com projetos habitacionais locais. O URBACT selecionou o projeto É UMA CASA, Lisboa Housing First[3] promovido pela ONG Crescer. O tema da visita está associado a atividades futuras do URBACT: laboratórios de políticas sobre a prevenção da exclusão habitacional relacionada com os despejos e os sem abrigo irão decorrer em dezembro de 2018 e sobre habitação e o direito à habitação na primavera de 2019 em colaboração com FEANTSA e a parceria Pobreza Urbana AUUE.

[1] O regime concede autorização de residência a qualquer pessoa que gaste pelo menos 500.000 euros na compra de imóveis. Uma vez concedido, os destinatários têm que passar, pelo menos, uma semana no país durante o primeiro ano e um total de duas semanas a cada dois, a partir daí. Financial Times, Hugo Cox, 21 de junho de 2017 “Era dos “vistos dourados” de Lisboa: o regime de residência impulsiona o mercado imobiliário

[2] A CLLD é uma ferramenta específica para utilização a nível sub-regional, que é complementar a outro apoio ao desenvolvimento a nível local. A CLLD pode mobilizar e envolver as comunidades locais e organizações para contribuírem para a consecução dos objetivos da Estratégia Europa 2020 de crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, promovendo a coesão territorial e alcançando objetivos políticos específicos.

[3] A Housing First é concebida para pessoas que precisam de níveis significativos de apoio para poderem deixar de ser sem abrigo. Entre os grupos que os serviços de Housing First podem ajudar estão as pessoas sem abrigo com graves doenças mentais ou problemas de saúde mental, pessoas sem abrigo com um consumo problemático de álcool e droga e as pessoas sem abrigo com problemas de saúde física, doenças e incapacidades limitantes. Os serviços de Housing First também demonstraram ser eficazes com as pessoas que estão a passar pela situação de sem abrigo a longo prazo ou repetidamente, as quais, para além de outras necessidades de apoio, muitas vezes não beneficiam apoios sociais, ou seja, ajuda de amigos ou família e não fazem parte de uma comunidade.

Etiqueta de homepage: Inclusão

Texto da autoria de Laura Colini, apresentado a 30 de agosto de 2018