Espinho: modelo de governança URBACT é uma mais-valia
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09 March 2020A cidade de Espinho, com a sua inconfundível malha urbana ortogonal e construções de baixa altura, é uma cidade arejada e com elevada qualidade de vida. No entanto, está a perder população como, aliás, grande parte das cidades portuguesas. Com a sua participação recente em redes URBACT, o município de Espinho apostou no envolvimento das partes interessadas com vista à criação de condições para reverter aquela situação

Caracterização do município
Espinho é um município com pouco mais de 30.000 habitantes e localização privilegiada no limite sul da Área Metropolitana do Porto. Sendo um concelho de reduzida dimensão, um dos mais pequenos em área do país, sofre uma grande pressão urbanística, o que leva ao afastamento de população jovem.
Embora seja um concelho “novo”, pois foi administrativamente emancipado do município de Santa Maria da Feira no final do século XIX, o seu território é rico em património material e imaterial.
O mais antigo povoado conhecido no atual território do concelho de Espinho é o Castro de Ovil, assentamento humano que remonta à Idade do Ferro e que podemos integrar na cultura castreja que caracteriza todo o noroeste peninsular. E todas as freguesias têm a sua origem na época medieval.
Durante o século XVIII observaram-se migrações sazonais da comunidade piscatória de Ovar que explorava novas áreas de pesca e novos mercados de consumo. Uma destas correntes migratórias instalou-se em Espinho com as suas características habitações designadas por “palheiros”, construídas em madeira e telhados de palha, onde desenvolviam um tipo de pesca conhecido por arte de xávega. Com o tempo, estas construções deram lugar a casas de pedra que acompanharam a procura da praia de Espinho como estância de veraneio pelas famílias da pequena e média burguesia do centro e norte do país.
Num espaço de 50 anos Espinho torna-se numa das mais procuradas estâncias de veraneio do país. Para isso contribuiu a excelente acessibilidade de que goza, com destaque para a presença do comboio e o interface ferroviário entre a Linha do Norte e a Linha do Vouga, que representou um fator de grande desenvolvimento e estruturação da cidade. Mais recentemente viu o seu território atravessado por três autoestradas, o que leva a que o aeroporto internacional Sá Carneiro fique apenas a 30 minutos de distância.
Ativos patrimoniais do passado e do presente
O mais importante sítio patrimonial do concelho de Espinho é, sem dúvida, o Castro de Ovil. Tendo presente o significado de que o mesmo se reveste para a memória dos seus cidadãos, a autarquia decidiu apostar na sua valorização como um espaço cultural identitário, inserido numa área natural e paisagística de grande valor.
Em 2006 a autarquia apresenta um projeto de Valorização do Castro de Ovil, orçamentado em cerca de 5 milhões de euros, para ser financiado por fundos comunitários, e que incluía a construção de um centro interpretativo. Infelizmente o seu financiamento não foi aprovado, o que levou a autarquia a optar por pequenas intervenções faseadas, com custos reduzidos de operação e manutenção e baixo impacte, garantindo assim a sua sustentabilidade económica e ambiental. Numa primeira fase, procurou melhorar a acessibilidade ao local e numa segunda fase, melhorar as condições de segurança do “sítio” e dos visitantes, através da consolidação das estruturas e da definição de um circuito de visitas e sinalética.
O património construído nas últimas décadas é diversificado, mas tem um denominador comum: o papel que a cidade assumiu como polo turístico à escala nacional. Em 1942 constrói-se a Piscina Solário Atlântico, seguida pelo Balneário Marinho, nos anos 80, símbolos marcantes de uma cidade em modernização. A memória dos tradicionais jogos de fortuna e azar que tão bem caracterizam a colónia balnear nos séculos XIX e XX, presentes em salas próprias dos hotéis e cafés, e que faz parte da história de Espinho, ainda persiste no Casino de Espinho, reforçando a imagem lúdica da cidade.
Concomitantemente com a aposta nestes equipamentos, a cidade envereda por uma série de investimentos em importantes projetos culturais como, por exemplo, o Auditório de Espinho, onde está sedeada a Academia de Música de Espinho e que alberga um Festival de Música Clássica, com carácter anual, desde 1974. Outro exemplo relevante é o Centro Multimeios, onde se encontra alojado o Planetário de Espinho, equipamento inovador com um sistema de projeção digital de alta resolução.
O FACE - Fórum de Arte e Cultura é um equipamento vocacionado para a investigação, desenvolvimento cultural e prestação de serviços à comunidade, que aproveitou as instalações de uma antiga fábrica de conservas de peixe, nele se localizando o Museu Municipal, em parte dedicado à atividade piscatória do município.
Espinho é palco de festivais de cinema de referência, como o FEST (festival de cinema anual dirigido a novos cineastas) e o Cinanima (festival internacional de cinema de animação). Na cidade têm igualmente lugar o Mar Marionetas (festival de marionetas) e o oit24 (festival de artes performativas de rua). Há, ainda, a realçar a ocorrência de vários eventos que se realizam regularmente: o Encontro dos Homens Estátua, um dos maiores da Europa, a Feira dos Peludos (uma vez por mês), etapas dos circuitos mundiais de surf e vólei de praia (todos os verões) e a maior feira semanal do país.
Com equipamentos tão diversificados e uma atividade cultural e lúdica tão intensas, podemos afirmar que Espinho se coloca no topo das cidades mais atrativas, quer para os seus residentes, quer para os visitantes que a procuram.
Participação em redes URBACT
Foi precisamente com o intuito de aplicar a metodologia do Programa URBACT, baseada numa abordagem integrada e participativa, aos projetos de reabilitação e de valorização do património, a principal razão que esteve na base do envolvimento do município nas 2 redes URBACT: a Rede de Planeamento de Ação MAPS, que se desenvolveu entre 2015 e 2018 e a Rede de Implementação INT-HERIT, que se desenrolou de 2016 a 2019.
Ao integrar a rede MAPS – Military Assets as Public Spaces apenas na segunda fase (fase de alargamento e consolidação da parceria), Espinho acabou por fazer uma abordagem diferente dos restantes parceiros, alargando a área de intervenção à envolvente. O objetivo do executivo municipal consistia em promover um planeamento da área sul da cidade, de elevado valor ambiental e paisagístico, uma vez que integra a Lagoa de Paramos, uma área de praia e dunar, pautada por vários equipamentos identitários, de relevância turística, e alguns edifícios militares, a maior parte já desativados e que carecem de um novo uso.
Sendo a área abrangida por um significativo número de instrumentos de gestão territorial que vinculam as intervenções ao nível do planeamento e da gestão, e como tal, complexa em termos de governança, a autarquia viu na metodologia URBACT, uma oportunidade para intervir no referido território. E se inicialmente existiu alguma apreensão na participação de algumas entidades que integraram o seu Grupo de Ação Local, nomeadamente, nos representantes dos Ministérios da Defesa e do Ambiente, rapidamente, foi-se estabelecendo um diálogo entre as diferentes partes, que resultou num maior conhecimento dos problemas do local e numa procura conjunta de soluções para os resolver.
No final do processo, o município de Espinho “ganhou” um Plano Integrado de Ação, construído de forma integrada e colaborativa, com as entidades, com gestão direta ou indireta no referido território e que integram o Grupo de Ação Local, e que pretende sistematizar o trabalho conjunto desenvolvido durante 2 anos de projeto. Tinha como foco repensar um novo uso para os espaços militares (desativados) e promover a valorização da área envolvente, de formas compatível com o elevado potencial ambiental e paisagístico do local.
Foram vários os desafios identificados pelos vários agentes com intervenção no território, que culminaram num conjunto de propostas de ação a implementar no curto e médio prazo, pelo município e por entidades privadas, no sentido de impulsionar a economia local, através da criação de negócios, associadas ao turismo, lazer e à prática de desportos ao ar livre (aéreos e aquáticos).
Para as várias ações elencadas, foram definidas entidades responsáveis, parceiros envolvidos, calendarização, outputs, resultados expetáveis e respetivos recursos financeiros necessários. Contudo, a sua implementação, para além da necessidade de elaboração de projetos e recolha de pareceres, carece de fontes de financiamento. Algumas delas foram identificadas – NORTE 2020 e POSEUR, mas até ao momento, ainda não foi possível enquadrar estes projetos em qualquer aviso. O programa operacional regional privilegia ações de requalificação do espaço público no centro das cidades e o programa operacional temático não tem aberto avisos que permitam à autarquia concorrer com esta tipologia de ações.
O envolvimento na rede INT-HERIT vem na sequência do projeto MAPS. Aliás, foi a experiência adquirida no funcionamento do respetivo Grupo de Ação Local e o caracter integrado com que se abordam os projetos, que levou a autarquia a desejar aplicar a mesma metodologia.
No caso do INT-HERIT- Innovative Heritage Management, Espinho apostou em dois ativos patrimoniais de natureza diferente. Por um lado, aproveitou a oportunidade de integração nesta rede para desenvolver melhores estratégias de implementação do Plano de Reabilitação Urbana da Área Costeira que incide na parte mais antiga e central da cidade. Esta área corresponde, em larga medida, ao espaço libertado à superfície, com o enterramento da Linha de Caminho de Ferro do Norte que atravessa a cidade. Embora a medida em si tivesse sido positiva, ao anular um fator relevante de insegurança urbana, trouxe como consequência um vazio à superfície que persiste há mais de 10 anos e que a autarquia pretende colmatar.
A requalificação deste importante espaço público, através da empreitada de Requalificação do Canal Ferroviário do Concelho de Espinho e Estacionamento Subterrâneo - Interface, abreviadamente designada por ReCaFE, faz parte de um plano desenhado há vários anos e que veio a integrar o atual Plano de Reabilitação Urbana da Área Litoral da Cidade – ARUCE, em curso, que inclui ainda a reabilitação de edifícios públicos e privados com interesse patrimonial, bem como espaços comerciais de interesse arquitetónico, que se encontrem degradados.
Por outro lado, sendo o INT- HERIT uma rede de cidades em torno de uma plataforma de gestão do património cultural, com enfoque em matéria de reabilitação do património, a autarquia integrou o sítio arqueológico do Castro de Ovil, que incarna a origem e história piscatória de Espinho.
No que se refere ao projeto do ReCaFE, com um custo de mais de 13 milhões de euros, a autarquia finalmente conseguiu uma solução para o seu financiamento. Para isso, reuniu contributos de três fontes de financiamento: Turismo de Portugal (através das receitas do Jogo), Programa NORTE 2020 (no seguimento da aprovação do PEDU – Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano) e IFRRU 2020 (através de empréstimos e benefícios fiscais deste instrumento financeiro para a reabilitação e revitalização urbanas).
Contribuição das parcerias para a identificação de soluções e solidez das ações
O município de Espinho já tinha participado em algumas redes internacionais no âmbito de programas europeus, nomeadamente do Programa Horizonte 2020 mas, até à decisão de aderir ao projeto MAPS, desconhecia as ferramentas do programa URBACT. Depois das primeiras leituras de projetos em desenvolvimento, a autarquia rapidamente se apercebeu da mais-valia em integrar a referida parceria, decorrente da troca de experiências entre parceiros de várias cidades distintas, debruçados em torno de um problema comum.
Neste contexto, a possibilidade de integrar a rede MAPS, constitui uma oportunidade que a autarquia viu no sentido de dar resposta aos vários desafios da área sul da cidade, incluindo a definição de novos usos para os edifícios militares desativados ai existentes, que se enquadrava nos requisitos da referida parceria.
Foi assim que Vicente Pinto, Vice-Presidente da autarquia, partiu para Piacenza (Itália), a fim de participar na última reunião da primeira fase da rede MAPS, levando consigo o enquadramento do município e uma apresentação do seu “caso” para análise dos parceiros do projeto. Aí teve a oportunidade de perceber melhor em que consistia a metodologia URBACT e a sua mais-valia no planeamento de um território, que evidenciava um problema de governança, visível no seu caso de estudo apresentado aos parceiros, levando de imediato, à aceitação da candidatura à segunda fase.
O desenrolar do projeto veio a revelar-se fundamental sob dois aspetos: por um lado, as ferramentas que o programa utiliza permitiram elaborar um diagnóstico mais correto e aprofundado da situação; por outro lado, a constituição obrigatória do Grupo Local permitiu consciencializar a comunidade do interesse da intervenção e envolver os cidadãos e instituições no desenho da solução.
O desafio do projeto acabou por ser um desafio de governança, ao envolver um conjunto de entidades de diferentes áreas, que atuam num território com muitas restrições de uso, com posições críticas nem sempre convergentes, sobre o uso a dar ao mesmo. Não foi fácil elaborar o Plano Integrado de Ação mas o resultado final acabou por ser satisfatório. A autarquia teve que aplicar uma visão realista à solução a dar, com a escolha de ações que aumentassem o nível de consciencialização das pessoas relativamente ao território e permitissem melhorar as funções da área em questão.
O segundo projeto surge na sequência do lançamento da convocatória para Redes de implementação, onde se perspetivava a constituição de uma rede, cujo foco consistia no apoio à implementação de estratégias integradas e sustentáveis no domínio do património, em pequenas e médias cidades, bem como uma melhoria na sua execução. A existência do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano de Espinho (PEDU) que reunia um conjunto de projetos, com financiamento aprovado, prontos a ser implementados, representou o pontapé de saída para Espinho se propor à referida rede INT- HERIT, com o projeto do ReCaFE e com o sítio arqueológico de Castro de Ovil.
Com a participação nesta rede, a autarquia põe novamente em marcha a constituição de um Grupo de Ação Local que ativamente se envolve no projeto. A última reunião, à volta de uma mesa de café, foi pretexto para a autarquia apresentar o vídeo produzido. Mas perante a questão colocada pelos presentes: nós estivemos a trabalhar em conjunto e agora? Vamos voltar a ser chamados? A resposta não foi fácil. De facto, sem a obrigatoriedade de reuniões regulares, a continuidade do trabalho pode ficar em causa, sobretudo se houver mudança de atores, quer do lado do executivo camarário, quer das partes interessadas.
Balanço da participação no URBACT
Foram várias as vantagens da integração do município nas redes URBACT:
»» Tornou possível a troca de experiências e de boas práticas entre as várias cidades envolvidas e respetiva transferência de know- how;
»» Permitiu fortalecer e capacitar os vários agentes locais, através da transmissão das técnicas e metodologias apreendidas pela equipa técnica dos projetos;
»» Permitiu fomentar a participação cívica e institucional, bem como, o acompanhamento e a cooperação ativa das entidades que representam os diferentes interesses setoriais na cidade;
»» Possibilitou, através dos Grupos de Ação Local, impulsionar a propriedade partilhada do processo de planeamento urbano e criar momentos de debate e espaços de discussão pública, em torno da estratégia do município.
Como diz Vicente Pinto, “O URBACT fez alargar horizontes e acrescentou valor ao trabalho já desenvolvido pela autarquia”. De acordo com o seu entendimento, não há grandes diferenças entre as duas tipologias de redes no que se refere ao modelo de participação das cidades, ao acompanhamento técnico dos projetos e ao trabalho dos Grupos Locais. O que realçou foi a maior velocidade imprimida no desenrolar do projeto referente à rede de implementação e no sentido de urgência do mesmo passar das palavras às ações.
É com a experiência adquirida nos dois projetos que o autarca advoga a utilidade futura de uma rede de planeamento de ação se prolongar por uma rede de implementação, com o mesmo conjunto de cidades. Também defende que se valorizava o trabalho do URBACT se houvesse um fundo destinado à implementação das ações, pois o seu financiamento é uma questão crucial para o sucesso do programa.
Vicente Pinto considera que os princípios do URBACT deveriam fazer parte do dia-a-dia das funções públicas de qualquer executivo municipal, mesmo fora da lógica do financiamento de redes. Mas pergunta: isso acontecerá de forma natural? Não acredita, se não houver apoio da UE, se não houver continuidade em programas como o URBACT, não se pode esperar que as cidades continuem a trabalhar com a sua metodologia. E acrescenta: “Quem participou nestes projetos sente-se enriquecido mesmo que não tenha conseguido atingir completamente os objetivos. Se a UE defende uma maior participação dos cidadãos terá que continuar a valorizar a comunicação e trabalho em rede das suas cidades”.
E voltando ao ponto de partida, se o município de Espinho pretende inverter a tendência de abandono da cidade pelas camadas mais jovens da população, tem que criar condições para a sua fixação e uma delas é, seguramente, envolver os próprios cidadãos na decisão sobre os desafios que se lhes colocam de modo a que possam fazer parte da solução do problema.
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Texto da autoria de Ana Resende, Ponto URBACT Nacional, com a colaboração de Vicente Pinto, Vice-Presidente da autarquia de Espinho
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