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A economia circular: mais uma palavra da moda ou o futuro da sua cidade?

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10 January 2017
Read time: 6 minutes

Numa época em que os recursos diminuem e as responsabilidades aumentam, muitas cidades e regiões mostram-se, compreensivelmente, céticas face ao que parece ser apenas mais uma palavra da moda. No entanto, a transição para uma economia circular é, ao mesmo tempo, uma necessidade e uma oportunidade, com potencial para proporcionar benefícios económicos, ambientais e sociais duradouros.

O que é a economia circular? De que modo podem as cidades e regiões apoiar esta transição? E, possivelmente a questão mais importante, por onde começar? Continue a ler para encontrar respostas que têm por base a experiência dos programas da Cooperação Territorial Europeia e os projetos que apoiam.

O artigo que se segue baseia-se num documento conjunto “Pathways to a circular economy in European cities and regions”, elaborado pelo ESPON, Interact, Interreg Europe e URBACT e apresentado durante a Semana Europeia das Regiões e Cidades 2016. O documento completo está disponível aqui.

 

Seminário “Pathways to a circular economy in European cities and regions”, Semana Europeia das Regiões e Cidades 2016 (fonte: EWRC/flickr.com, CC BY-NC-SA)

Da economia linear à economia circular

O entendimento convencional da atividade económica tem por base um modelo linear: os recursos naturais são extraídos e transformados em produtos; os produtos são adquiridos e utilizados pelos consumidores, sendo descartados logo que deixam de satisfazer as suas necessidades. No entanto, este modelo ignora os elevados custos económicos, ambientais e sociais relacionados com a extração, transformação e afetação dos recursos, não sendo, por isso, sustentável no longo prazo.

Uma economia circular oferece um modelo alternativo em que o valor dos produtos, materiais e recursos se mantém pelo maior tempo possível e o desperdício é reduzido de forma significativa, ou mesmo eliminado. A economia circular está focada em “fechar ciclos” e é uma solução prática para viver dentro dos nossos limites planetários. A transição para a economia circular envolve diferentes domínios políticos, que vão da mobilidade, agricultura, utilização dos solos e gestão de resíduos ao desenvolvimento empresarial e educação do consumidor, e abarca atores em todos os setores e níveis de governança. A economia circular não é algo que uma única instituição ou empresa possa fazer sozinha. Pela sua própria natureza, a economia circular promove as ligações entre as partes interessadas individuais e os setores.

Quais são os benefícios?

O declínio dos recursos naturais é um alerta para a impossibilidade de prosseguir no mesmo caminho, um aviso de que uma economia construída num modelo linear já não é, pura e simplesmente, viável. A transição para a economia circular é, portanto, uma necessidade mas, como sempre sucede numa crise, é também uma oportunidade de transformação que nos pode trazer benefícios económicos, sociais e ambientais a longo prazo.

O estudo de 2016 da AEA “Circular economy in Europe” identificou os seguintes benefícios decorrentes da implementação da economia circular:

  • Maior segurança dos recursos e menor dependência da importação, graças a uma redução na procura de matérias-primas primárias;
  •  Impacto ambiental reduzido, incluindo uma redução drástica da emissão de gases com efeito de estufa;
  • Benefícios económicos, incluindo novas oportunidades de crescimento e inovação, bem como poupanças relacionadas com uma gestão mais eficiente dos recursos;
  • Benefícios sociais, que vão desde a criação de novos empregos em todos os níveis de competência às mudanças comportamentais dos consumidores, que por sua vez trazem benefícios em termos de saúde e segurança.

A economia circular na agenda europeia

O potencial da economia circular tem vindo a ser reconhecido por um número crescente de regiões e países europeus, bem como pelas instituições europeias. Em dezembro de 2015, a Comissão Europeia adotou o pacote da economia circular, com o ambicioso objetivo de reforçar a competitividade a nível mundial, promover o crescimento económico sustentável e criar novos postos de trabalho. Este pacote inclui legislação, nova e revista, focada na prevenção e gestão dos resíduos, bem como um calendário claro de execução e compromissos específicos de financiamento. O pacote da economia circular define cinco áreas prioritárias para uma intervenção direcionada: plásticos, resíduos alimentares, matérias-primas críticas, construção e demolição, bem como biomassa e produtos de base biológica.

A economia circular é também o tema de uma das parcerias da Agenda Urbana para a UE. Esta é uma das 4 novas parcerias aprovadas em outubro de 2016 pelos diretores-gerais responsáveis por questões relacionadas com o urbanismo. Esta parceria, que será coordenada pela cidade de Oslo (Noruega) e composta por Estados-Membros, cidades, ONG e outras partes interessadas importantes, deverá ter início em janeiro de 2017. A economia circular, que é um dos 12 temas constantes do Pacto de Amesterdão, está ligada à gestão dos resíduos, economia partilhada e utilização eficiente dos recursos. Esta parceria irá trabalhar na elaboração de um Plano de Ação com vista a conseguir uma melhor regulamentação, melhor financiamento e melhor conhecimento, com o objetivo de aumentar a reutilização, reparação, recuperação e reciclagem dos materiais e produtos para promover novas oportunidades de crescimento e emprego.

Inovação social para a economia circular

O que é muitas vezes esquecido é que a transição para uma economia circular pede inovação social tanto como (ou talvez mesmo mais) inovação tecnológica. O relatório “Social Innovation in Cities” do URBACT define inovação social como “soluções inovadoras, novas formas de organização e novas interações para fazer face às questões sociais”, com enfoque em “soluções inovadoras em termos da governança das cidades: novas formas de colaboração entre as administrações das cidades, os cidadãos e as partes interessadas locais que possam gerar sistemas mais sustentáveis, resilientes e abertos ao nível das cidades”.

A economia circular, se for implementada de uma forma colaborativa e inclusiva, pode fortalecer a coesão social e promover economias fortes e solidárias, a nível local e regional. As ideias e projetos incluídos no White Paper on the circular economy of Greater Paris são um excelente exemplo de como isto pode ser feito. Paris está a trabalhar para ampliar o seu ecossistema de inovação social enquanto parte da rede BoostInno do URBACT.

Adotar a perspetiva do ciclo de vida

Passar de uma economia linear para uma economia mais circular exige novos modelos empresariais, novos tipos de comportamento dos consumidores e novas soluções para transformar os resíduos em recursos. O diagrama abaixo ilustra os principais passos do ciclo de vida do produto que devem ser considerados ao desenharem-se os novos modelos circulares.

É importante ter presente o papel que as autoridades locais e regionais podem desempenhar em cada uma destas etapas:

  • No que se refere à etapa de conceção do produto, as autoridades locais e regionais podem liderar através da compra de produtos e soluções duradouras e eficientes na utilização de recursos, passíveis de reparação fácil ou de melhoria e, finalmente, de reciclagem ou reutilização. O mercado será assim incentivado a desenvolver este tipo de soluções e a torná-las não só mais acessíveis, mas também mais económicas para outros atores.

O edifício da Câmara Municipal de Venlo foi construído de acordo com os princípios da conceção “de berço a berço” (cradle-to-cradle) e é um excelente exemplo de um contrato público sustentável (fotografia: Ania Rok)

  • Relativamente à etapa da produção, as cidades e regiões podem trabalhar com outras partes interessadas para promover o abastecimento sustentável de matérias-primas e diferentes modelos de circulação de recursos, tais como a simbiose industrial, a locação de produtos químicos ou o refabrico.
  • As autoridades locais e regionais estão também bem posicionadas para influenciar ativamente os padrões de consumo das famílias, das empresas e das organizações. A sua ação pode incluir, por exemplo, campanhas de educação e sensibilização, promovendo abordagens de economia colaborativa, bem como incentivos à reutilização e reparação.
  • Por fim, a recolha e reciclagem de resíduos são duas das responsabilidades associadas com mais frequência ao nível municipal. Uma melhor recolha de resíduos pode ser o primeiro passo para uma economia circular, mas muitas cidades e regiões estão também a analisar a responsabilidade alargada do produtor ou a reciclagem de alta qualidade e o tratamento biológico dos resíduos (por exemplo, a bio-reciclagem, compostagem ou digestão anaeróbica).

De que modo podem as autoridades regionais promover uma economia circular?

As autoridades locais e regionais têm um papel importante a desempenhar no lançamento e promoção da transição para uma economia circular, quer seja através da liderança pelo exemplo, definindo condições estruturais claras, ou pelo apoio direto às partes interessadas regionais e locais:

  • Enquanto consumidores, as autoridades regionais e locais podem incluir considerações de economia circular nas suas decisões de aprovisionamento, utilizando critérios ecológicos nos concursos públicos e mecanismos como, por exemplo, os contratos pré-comerciais. Na prática, isto significa avaliar todos os custos relacionados com a totalidade do ciclo de vida do produto, incluindo critérios relacionados com a manutenção, reciclagem e sustentabilidade do aprovisionamento de matérias-primas.
  • As cidades e as regiões devem integrar os seus compromissos para uma economia circular nos seus documentos estratégicos relevantes, definindo prioridades locais, medidas planeadas e formas de apoio disponíveis. Desta forma, enviarão um sinal claro às partes interessadas locais e regionais, permitindo-lhes planear, a longo prazo, as respetivas atividades. O documento pode incluir programas operacionais regionais da UE, planos de desenvolvimento a longo prazo, estratégias ambientais, bem como outras estratégias temáticas ou setoriais (por exemplo, gestão de resíduos ou planos de desenvolvimento industrial).
  • As autoridades locais e regionais podem facultar apoio às partes interessadas relevantes através da concessão de financiamento específico, acesso a dados e informações, bem como oportunidades de trabalho em rede. O apoio financeiro a uma economia circular pode assumir diferentes formas, como bolsas, empréstimos, incentivos fiscais ou garantias de investimento, quer sejam concedidas diretamente pelo setor público ou canalizadas através de outros atores, por exemplo, associações empresariais ou agências de desenvolvimento de empresas. Através da partilha do conhecimento, da organização de eventos ou da criação de plataformas de intercâmbio, as cidades e regiões podem iniciar e facilitar atividades levadas a cabo por outros atores locais e regionais, tais como empresas e serviços públicos, universidades e centros de pesquisa, organizações da sociedade civil ou iniciativas dos cidadãos.

Source: http://www.goodfood.brussels/

Um excelente exemplo de como envolver as partes interessadas locais é a plataforma Good Food.brussels, que liga iniciativas ao longo de toda a cadeia alimentar, reforçando a sua visibilidade e fomentando a cooperação. Tendo como objetivo reforçar a produção de alimentos a nível local e reduzir o desperdício alimentar, a plataforma e o processo Good Food assentam nos resultados obtidos com a rede URBACT Sustainable Food in Urban Communities, em que a Região de Bruxelas desempenhou o papel de Parceiro Líder.

O caminho do futuro

As cidades e as regiões estão numa posição única para impulsionar a Europa para uma economia mais circular e para potenciar os benefícios económicos, ambientais e sociais dessa transição. Os programas ESPON, Interact, Interreg Europe e URBACT apelam às cidades para que ajam desde já, tendo presentes quatro premissas básicas:

1. Qualquer um o pode fazer

A economia circular pode parecer complexa, e é fácil desanimar com o jargão técnico ou a magnitude das mudanças necessárias. No entanto, até a jornada mais longa começa com o primeiro passo. Cada cidade e região da Europa pode caminhar para uma economia mais circular se interagir com outras partes interessadas e aprender com terceiros. Em vez de competir pelas soluções tecnológicas mais avançadas, as cidades e regiões podem dedicar-se a descobrir novas formas de olhar para os recursos, redefinindo o que é considerado valioso.

2. Não é preciso reinventar a roda

Apesar de a economia circular dever ser adaptada ao contexto regional e local, existe uma ampla gama de boas práticas já disponíveis. Estas podem ser adaptadas para servir os interesses e recursos locais, permitindo que as cidades e regiões avancem com rapidez.

3. Colaboração e não concorrência

A prosperidade da economia circular reside nas ligações entre os intervenientes, sejam estas entre atores empresariais juntos numa simbiose industrial ou entre cidades que partilham conhecimentos e experiências. A melhor forma de dar o primeiro passo para uma economia circular é juntar-se àqueles que caminham na mesma direção, ou, melhor ainda, àqueles que já estão alguns passos à frente.

4. Os programas da Cooperação Territorial Europeia estão aqui para ajudar

Os programas da Cooperação Territorial Europeia cobrem diversos setores da economia circular, desde a pesquisa à inovação, passando pelo desenvolvimento regional e empresarial, até à participação e inovação social. As cidades e regiões interessadas estão convidadas a aproveitar o conhecimento, o financiamento e as oportunidades de trabalho em rede oferecidos pelos respetivos programas.

 

Consulte o Full Policy Brief on Circular Economy, onde encontrará mais exemplos a nível local e regional, bem como um resumo das oportunidades de financiamento disponíveis para fazer avançar a economia circular.

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Ania Rok

9 de novembro de 2016

 

 

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