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A dimensão urbana da especialização inteligente: construção de uma ponte bidirecional

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28 December 2017
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A especialização inteligente e a sua respetiva metodologia, conhecida como a Estratégia de Investigação e Inovação para a Especialização Inteligente (RIS3), foi considerada como "a experiência política industrial mais abrangente a ser implementada na Europa atual". Neste contexto, qual é o papel desempenhado pelas cidades? Atualmente, no momento da implementação, uma série de grandes cidades consideram que têm muito a oferecer ao avançarem com as visões e os roteiros da RIS3. Então quais são as vias e enquadramentos para reforçar um melhor alinhamento entre regiões e cidades relativamente às estratégias RIS3 existentes? Qual é a dimensão urbana da especialização inteligente? Este artigo faculta algumas ideias relativamente a estas questões.

A especialização inteligente acrescenta dois valores-chave às Estratégias de Inovação Regional na UE, nomeadamente: o valor de estabelecer prioridades (de fazer escolhas inteligentes) e de que forma o estabelecimento de prioridades deve ser feito e atualizado através de um processo de colaboração que envolve o máximo de partes interessadas da tripla/quádrupla hélice, em particular centros de investigação, empresas líderes e empresários num processo que é agora denominado como "descoberta empresarial"

Desde que a RIS3 passou a ser uma condição prévia para as regiões e Estados-membros da UE conseguirem financiamento do FEDER para os seus Programas Operacionais de inovação, a especialização inteligente entrou para o vocabulário geral no desenvolvimento económico orientado para os negócios.

InFocus-Especialização Inteligente a Nível Urbano é uma rede URBACT pioneira que transporta uma perspetiva urbana para este novo conceito de política, com um duplo objetivo:

  • Revitalizar a agenda urbana para o desenvolvimento económico através da especialização inteligente como uma abordagem abrangente, ou seja, testar de que forma este conceito pode impulsionar e melhorar o trabalho que as cidades e as partes interessadas estão a fazer (ou podem fazer) em quatro áreas fundamentais: criação de clusters, empreendedorismo, disponibilização de espaço de trabalho e captação de investimento.
  • Construir uma ponte com as estratégias do RIS3 existentes ao nível regional que é, basicamente, uma questão de governação multinível.

Qual a razão da necessidade de envolver as principais autoridades urbanas e a RSI3

Solucionar a questão de uma articulação cidade-região eficaz relativamente à especialização inteligente apresenta uma oportunidade única para elevar o estatuto de algumas cidades inovadoras no domínio das políticas industriais e da inovação, considerando especialmente o papel importante que as principais cidades desempenham na competição global atual. Mas estarão as cidades prontas a tirar o máximo partido da especialização inteligente e da RIS3?

O facto é que, para muitas cidades, parece que a RIS3 tem pouco a ver com elas. Este mal-entendido decorre do processo de elaboração do RIS3, quando as cidades eram sobretudo abordadas numa lógica de consulta pública convencional, em vez de num espírito de coprodução efetiva. Como resultado, a ideia da especialização inteligente continua pouco assimilada a nível local, e há ainda muito a fazer no campo da sensibilização sobre o significado e potencial impacto da especialização inteligente.

Outra forte razão para chamar a atenção para a articulação cidade-região relativamente à especialização inteligente é que a implementação do RIS3 está no seu início. Trata-se de um desafio significativo, maior do que a conceção do RIS3, onde todos os esforços, a diferentes níveis, devem ser ativados. Neste sentido, as autoridades locais e metropolitanas podem ajudar a integrar as estratégias da RIS3 adequadamente. Como política de inovação territorial ao nível regional/nacional, a RIS3 deve ter uma estratégia territorial explícita e mais consistente. A rede InFocus está a trabalhar no sentido de colmatar essa falha, em estreita colaboração com a Plataforma S3 , que é a unidade criada pela Comissão Europeia para ajudar as regiões e os Estados-Membros na especialização inteligente.


Adicionalmente, algumas cidades inovadoras e áreas metropolitanas da Europa estão atualmente a promover ambiciosas agendas de transformação, por exemplo: o roteiro Next Economy em Roterdão, inspirado nas ideias de Jeremy Rifkin e o Bilbao Next Lab, que é apresentado como uma "abordagem de investigação-ação para a transformação económica de Bilbao”. Assim, as estratégias da RIS3 (que são elas próprias apresentadas como quadro de políticas para a transformação económica) e estes roteiros urbanos visionários podem reforçar-se mutuamente se bem ligados e alinhados.

Construir a ponte

O que pode então fazer para alinhar devidamente a sua agenda de trabalho como cidade à sua estratégia de especialização regional inteligente? Como pode retirar o máximo partido do poderoso conceito de especialização inteligente para refinar a sua própria agenda urbana para o desenvolvimento económico? Nós, na InFocus, reunimos uma série de experiências, conforme se segue, dentro e fora da rede, principalmente ainda numa fase exploratória, que podem constituir uma via para resolver estas questões.

Iniciativas de desenvolvimento urbano integrado (art.º 7 do FEDER)

No contexto das estratégias de desenvolvimento urbano sustentável e integrado (artigo 7 do FEDER), a DG da Política Regional e Urbana da Comissão Europeia está a encorajar as cidades a articularem as suas estratégias existentes de RIS3 a nível regional/nacional. Por exemplo, o Investimento Territorial Integrado (ITI) agora em curso na aglomeração urbana de Ostrava (CZ) está organizado em três objetivos estratégicos (os "3E" Emprego, Empreendedorismo e Ambiente) e onze objetivos específicos. Um desses objetivos, como parte do objetivo estratégico relativo ao Empreendedorismo é especificamente dedicado a "implementar atividades para apoiar estratégias de especialização inteligente para a Região da Morávia-Silésia"

Novas agendas metropolitanas como janelas de oportunidade.

A reforma territorial em alguns Estados-membros, como França e Itália, levou a que as políticas urbanas nas grandes cidades fossem redimensionadas ao nível metropolitano. Em aglomerações urbanas como Bordéus, Grenoble e Turim (todas elas parceiros InFocus) estão em curso novas combinações de políticas focadas em novas ambições e a abordagem especializada inteligente vai certamente desempenhar um papel importante. A antiga província de Turim, agora transformada em nova autoridade metropolitana (Cittá Metropolitana di Torino, que inclui 315 municípios e uma população de 2.3 milhões - 890 000 no Município de Turim) está a enfrentar o desafio da governação multinível horizontal e vertical. Nesta conjuntura, a ideia da especialização inteligente tem um enorme potencial para funcionar como um fator para promover mais articulação e coesão. Ou seja, a especialização inteligente como uma ferramenta para criar mais alinhamento e concentração entre todas as iniciativas da área metropolitana na criação de clusters, empreendedorismo, atração de investimento, etc.


Autoridades de RIS3 assumem a liderança ao participarem no financiamento.

A Catalunha está a organizar iniciativas sub-regionais denominadas Projetos de Competitividade e Especialização Territorial (PECTs) para articular com a RIS3 regional (RIS3CAT). Os PECTs são iniciativas orientadas para a inovação que são desenvolvidas por uma parceria mínima de quatro entidades, dirigidas por uma administração pública a nível nacional, regional ou local. Anualmente, a administração regional lança concursos públicos para financiar PECTs, os quais são, na verdade, tratados como instrumentos de concessão da RIS3. O orçamento para o concurso de 2016 foi de 50 milhões de euros para abranger 50% dos projetos aprovados, dos quais 20M foram para a área metropolitana de Barcelona e 30M para as restantes. Neste contexto, Barcelona concebeu a estratégia RIS3BCN Crescimento, que é explicitamente apresentada como um alinhamento com a RIS3CAT.

Adequar os domínios prioritários a nível regional e local.

Este pode ser o primeiro passo que uma cidade dá para se alinhar à RIS3 a nível regional/nacional. Por exemplo, Sevilha (ES) iniciou um processo de articulação deste tipo em 2016, com uma análise comparativa entre as prioridades da RIS3 definidas a nível regional e os próprios ativos, dinâmicas e especializações industriais da cidade. Esta análise conduziu a uma visão estratégica, à identificação de prioridades setoriais e a recomendações políticas no sentido de se concentrar numa série de áreas de trabalho existentes a nível urbano, tais como o empreendedorismo, a disponibilização de área de trabalho e o branding da cidade. A ideia não é tanto no sentido de confrontar prioridades verticais definidas tanto a nível regional como local, mas alinhar as dinâmicas de cluster existentes ao nível urbano e de iniciativas de clusters, se existentes, para os domínios prioritários já acordadas para a RIS3 a nível regional/nacional.

Repensar a combinação de políticas a nível urbano/metropolitano para que contribua ativamente para os roteiros da RIS3.

As estratégias do tipo RIS3 consistem na definição de um padrão de especialização, juntamente com um conjunto de políticas horizontais alinhadas, tais como investigação e a inovação, o empreendedorismo, a criação de clusters, a internacionalização, etc. A especialização inteligente pode ser vista como um fator organizacional destinado a promover o crescimento numa estratégia de base local abrangente a longo prazo, para apoiar e ajudar a criar novas vantagens competitivas, assim como acelerar as alterações estruturais necessárias.

Assim, alterar ou apenas influenciar a agenda estratégica de operações existentes é uma das principais vias para qua a RIS3 passe das palavras à ação. Quando o operador existente é uma agência local de uma grande cidade com vasta experiência no desenvolvimento económico, esse canal de distribuição pode funcionar como uma alavanca estratégica para o sucesso. Além disso, em alguns casos, esse tipo de entidade pública ou público-privada responsável pelo desenvolvimento económico ao nível urbano está já a trabalhar ativamente em áreas como a disponibilização de espaço de trabalho, investimento externo ou a retenção e atração de talentos. Estas áreas de trabalho não podem ser facilmente encontradas na maioria das conceções de RIS3 a nível nacional/regional, pelo que o resultado é um aperfeiçoamento da combinação de políticas convencionais de RIS3. É essa a razão pela qual o desafio de ligar a RIS3 à cidade dever ser abordado como uma ponte bidirecional.


De qualquer forma, as cidades podem tirar partido do conceito de especialização inteligente para reforçar a sua própria combinação de políticas para o desenvolvimento económico orientado para os negócios. No âmbito da rede InFocus, a cidade de Ostrava está a conceber um Plano de Ação Integrado orientado para a atração e retenção de talentos. Para tal, estão a utilizar o conjunto de conhecimentos prioritários/domínios produtivos definidos na RIS3-Morávia Silésia como orientação estratégica. Por outro lado, enquanto contributo genuíno à escala urbana, a nova política de Ostrava sobre gestão de talentos vai enriquecer o conjunto de políticas que apoiam a RIS3 ao nível regional.

O caminho a seguir

Em resumo, continua a haver potencial a explorar relativamente à contribuição das cidades (autoridades locais e outros interveniente relevantes) para a implementação da RIS3. A melhor forma de o fazer é não replicar o método RIS3 automaticamente do topo à base ao nível local, pois iria provavelmente conduzir a mais fragmentação, mas sim transpor as estratégias da RIS3 existentes, numa espécie de ponte bidirecional, onde algumas cidades inovadoras podem igualmente potenciar estratégias. Para além de proporcionar uma ligação com a RIS3 ao nível regional através de uma abordagem multi-governação vertical, a especialização inteligente como conceito é tão poderosa que pode ser utilizada pelas cidades como uma abordagem transversal para impulsionar as suas próprias agendas de trabalho relativamente ao desenvolvimento económico. 

Bilbao, o parceiro líder da InFocus, é um bom exemplo de como operacionalizar o envolvimento das cidades como praticantes da especialização inteligente. Em 2014, Bilbao Ekintza, a agência local de desenvolvimento, avançou e organizou um exercício de priorização de clusters ao nível urbano, com os olhos postos na RIS3 do País Basco. Ficou conhecido como a "Estratégia de inovação e especialização inteligente para Bilbao". Como principal resultado, foram identificados na altura 6 domínios, os quais foram ordenados segundo a sua prioridade de forma dinâmica, de acordo com o seu nível de consolidação enquanto enquadramentos empresariais efetivos: Serviços de Conhecimento Intensivo (KIBS), Turismo, Soluções Urbanas, Artes e Cultura, Ecotecnologia e Tecnologias aplicadas à Saúde. Em paralelo, o conjunto de políticas de desenvolvimento económico urbano foi revisto, dando destaque a uma série de áreas de trabalho tais como cooperação empresarial e clustering, empreendedorismo, atração de investimento e conhecimento.

Atualmente, no âmbito da rede URBACT InFocus, Bilbao está a avançar em duas direções que se reforçam mutuamente: i) promoção de uma interação mais fluida e aprofundada com o RIS3 do País Basco e ii) enfoque em três domínios dos seis acima mencionados: terciário avançado (KIBS), economia criativa e economia digital, explorando também as ligações entre elas, ou seja, tornando o sector KIBS baseado em Bilbao num motor para a transformação digital, especialmente no que se refere à produção avançada que é a prioridade mais significativa da RIS3 do País Basco. Em termos práticos, o objetivo é promover e facilitar uma série de projetos nesses domínios em estreito alinhamento com a RIS3. 

Para alcançar este objetivo, Bilbao Ekintza constituiu uma nova plataforma de colaboração reunindo os seguintes intervenientes: governação multinível (equipa de gestão da RIS3 do País Basco e a Diputación Foral de Bizkaia enquanto entidade com capacidade de financiamento), centros de investigação e grupos de reflexão (Tecnalia-Technology Corporation e Orkestra-Instituto Basco de Competitividade), organizações cluster e do setor privado (Câmara de Comércio, cluster de TI GAIA,  audiovisual EIKEN e engenharia e consultoria AVIC) e universidades públicas e privadas (UPV/EHU, Universidade de Deusto e Universidade Mondragón).

Esta plataforma de colaboração é o Grupo Local URBACT (ULG) que a cidade de Bilbao constituiu no âmbito do InFocus. O ULG revelou-se como uma ferramenta efetiva para envolver as autoridades regionais da RIS3 num diálogo proveitoso com a cidade. Outras cidades parceiras da InFocus, como o Porto, Bucareste ou Frankfurt estão a seguir esta via e mais resultados da abordagem serão partilhados nos Planos de Ação Integrados a serem lançados em 2018.

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Imagem 3: Workshop temático InFocus, Ostrava, Setembro de 2016

Imagem 4: Especialização inteligente como um fator para melhorar a agenda urbana para o desenvolvimento económico orientado para os negócios

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Texto da autoria de Miguel Rivas apresentado a 27 de abril de 2017