You are here

A Digital Uber Alles

Edited on

28 December 2017
Read time: 6 minutes

Quem já utilizou a Uber que ponha o braço no ar. Ou a Airbnb? Era o que eu pensava. Cada vez mais, quando se coloca esta questão a um grupo de pessoas, há uma imensidão de braços que se levantam. Quando o fiz num evento organizado pelo German Marshall Fund, em Bilbau, no mês passado, as pessoas com os braços em baixo eram uma pequena minoria.

Estávamos a explorar os desafios colocados pela “economia gig” à equidade e governança urbana nos EUA e na Europa. À medida que as plataformas digitais se vão tornando cada vez mais comuns, estes novos modelos de negócio vão colocando questões novas e complexas para os decisores políticos, em todos os níveis governamentais.

Quais são, então, as principais questões que as cidades enfrentam no que se refere a estes desenvolvimentos? Como lhes será possível encontrar o equilíbrio certo entre a regulamentação, concebida para proteger os cidadãos, e a inovação, que as autoridades municipais estão empenhadas em apoiar? O que podemos aprender com a experiência das cidades até à data, e o que é que a URBACT pode fazer para apoiar os decisores que enfrentam estas ambíguas questões? É o que vamos analisar de seguida.

A atração do digital

Do ponto de vista dos consumidores, estas novas plataformas digitais têm tudo a ver com a conveniência e a transparência. Para quem quer ir do ponto A ao ponto B numa cidade desconhecida sem ter a moeda local, ou planear uma estadia de alguns dias noutro local, as ferramentas digitais como a Uber e a Airbnb constituem uma ajuda preciosa. Não é preciso regatear os preços uma vez que estes são claramente apresentados. As opiniões dos utilizadores são divulgadas nas plataformas, o que permite a tomada de decisões informadas. Também há a segurança de saber com antecedência o nome e dados do motorista da Uber ou do anfitrião da Airbnb.

As plataformas digitais destacam o facto de os seus motoristas e anfitriões terem diferentes experiências de vida. Existe a ideia de que se trata de indivíduos que utilizam estas plataformas para obterem rendimentos adicionais e assim complementarem o seu rendimento global.

Em Bilbau, conversei com uma funcionária de quadro superior do Governo dos EUA sediada em Washington, que afirmou: “Da última vez que viajei com a Uber, o motorista era um funcionário do Banco Mundial que trabalhava com a Uber à noite para fazer face ao seu problema de insónia crónica”.

Mas os factos sugerem que estes indivíduos são uma minoria, especialmente aqueles ao volante de um carro ou a guiar uma bicicleta. De facto, temos assistido, por toda a Europa, a uma onda de protestos e litigância, em especial contra a Uber, em nome dos motoristas que lutam para subsistir com baixos níveis de rendimentos. O padrão de resistência tem incluído manifestações acaloradas – e por vezes violentas – em cidades como Paris e Bruxelas, onde os motoristas de táxis, uma atividade altamente regulamentada, têm tentado impedir a perturbação dessa área profissional protegida e relativamente privilegiada.

E a questão já chegou também aos tribunais, em ambos os lados do Atlântico. Recentemente, no que pode vir a ser um marco histórico, um Tribunal de Trabalho do Reino Unido rejeitou a reivindicação da Uber de que é uma empresa de tecnologia e não uma empresa de transportes. Ao fazê-lo, o Tribunal indeferiu a pretensão da empresa de que os motoristas fossem considerados como trabalhadores independentes, e determinou que a Uber tem o dever de garantir os direitos dos trabalhadores, incluindo o salário mínimo, subsídios por doença e direito a férias. Os juízes foram mordazes nas suas conclusões sobre o modelo de negócio da Uber:

“A ideia de que a Uber em Londres é um mosaico de 30.000 pequenos negócios interligados entre si através de uma plataforma comum é, em nossa opinião, algo ridícula”, disseram os juízes. “Os motoristas não negoceiam com os clientes, nem podem fazê-lo... As viagens são propostas aos motoristas, e aceites por estes, nos termos estritamente definidos pela Uber”.

A Uber, com cerca de 30.000 motoristas na Inglaterra e País de Gales, recorreu da decisão do tribunal, decisão essa que tem implicações também no caso de outros negócios de base digital, como a Deliveroo e a Amazon. Entretanto, foram proferidas sentenças contra os serviços da Uber em França, na Alemanha, nos Países Baixos e na Bélgica. Nestes últimos dois, estão pendentes recursos, enquanto que em Itália e Espanha foram também proferidas sentenças contra a UberPop, o serviço mais barato da empresa.

Um quarto com vista

Airbnb billboard in Seattle. credit image: GeekWire Photo

O panorama das cidades da Europa é igualmente controverso no que se refere à Airbnb, que se descreve como “...um mercado comunitário de confiança para as pessoas anunciarem, descobrirem e reservarem alojamentos únicos em todo o mundo...”. Com atividade em 34.000 cidades de todo o mundo, a Airbnb posiciona-se como um protagonista fundamental no setor das viagens embora, mais uma vez, não se defina como uma empresa de viagens.

Para os proprietários de bens imobiliários latentes, a plataforma da Airbnb é bem-vinda, contando com mais de 2 milhões de angariações em todo o mundo. E pode ser rentável. Em Dublin, por exemplo, o proprietário de um apartamento ganhou €79.000 com o seu apartamento em Temple Bar, em apenas um ano. E, enquanto cidade, Dublin, como Londres, é bastante flexível nesta questão, tendo adotado, após protestos locais, uma abordagem reguladora um pouco mais rígida. Mais a sul, cidades como Lisboa, piscam o olho à Airbnb através da eliminação progressiva de restrições ao arrendamento e da venda de propriedades devolutas em leilões públicos.

De acordo com o presidente da câmara de Lisboa, Fernando Medina, as plataformas como a Airbnb oferecem oportunidades muito interessantes. “Esta é a primeira vez que o turismo está a permitir que muitas pessoas participem no processo de desenvolvimento da cidade”, disse Medina. “Não devemos ter medo desta nova dinâmica, não devemos ter medo do crescimento. Pelo contrário, temos de preparar a cidade para receber ainda mais turistas”.

Outros presidentes da câmara na UE têm uma abordagem diferente. Ada Colau, uma antiga ativista do setor da habitação e atual presidente da câmara de Barcelona, prometeu enfrentar aquilo que considera ser o efeito corrosivo destas plataformas no setor de arrendamento da cidade. No verão de 2016, o Ayuntamiento lançou um plano de ação para fazer face ao problema, aplicando multas até 600.000 € ao aluguer de casas não regulamentado. A cidade tinha já imposto uma série de sanções financeiras à Airbnb e outras plataformas, mas estas diretivas têm-se revelado difíceis de implementar.

Para a autarquia de Barcelona, o principal problema reside no efeito que estas plataformas têm no mercado local da habitação. O alojamento que, de outra forma, poderia estar disponível para os locais é desviado para o mercado do turismo. Por sua vez, este facto reduz a oferta de propriedades para arrendar, o que resulta no aumento do preço das que ficam disponíveis.

A capital catalã não é o único ponto crucial urbano na Europa em que a autarquia interveio. Em Berlim, uma nova lei (Zweckentfremdungsverbot) proibiu, a partir de 1 de maio de 2016, o arrendamento de curta duração de apartamentos inteiros a turistas, sem licenciamento municipal. Isto significa que os não-residentes na cidade apenas podem alugar quartos em apartamentos, estando os infratores sujeitos a multas significativas. Ao mesmo tempo, a cidade impôs um teto ao rendimento que os senhorios podem obter com o aluguer de curta duração a turistas. Mais uma vez, o objetivo foi, de acordo com Andreas Geise, responsável pelo planeamento urbano da cidade, proteger o parque habitacional para os residentes e, no caso de Berlim, para a população que tem vindo a crescer.

Por toda a Europa, cidades há muito estabelecidas, como Paris e Amesterdão, estão a analisar este setor e a explorar as opções. Paris é uma das poucas cidades francesas que aplicou uma lei nacional de 2012 que obriga a que todos os apartamentos destinados a aluguer de curta duração por mais de 120 dias estejam licenciados pelas autoridades municipais. Em Amesterdão, outro ponto de atração turística, as autoridades limitaram a 60 dias por ano o período durante o qual um apartamento pode estar no mercado de aluguer de curta duração.

A visão global

Estes exemplos dão-nos uma noção dos desafios que os legisladores e decisores políticos na Europa enfrentam à medida que estas novas e disruptivas tecnologias se consolidam. Entre as várias cidades não existe consenso quanto ao caminho a seguir. No que se refere às plataformas de alojamento, por exemplo, podemos ver claras diferenças entre cidades como Londres, Lisboa e Dublin por um lado, e Barcelona, Berlim e Amesterdão, por outro.

A divisão de opiniões é também evidente nos vários níveis de governança da UE. Este ano, a Comissão Europeia publicou um relatório sobre a chamada economia colaborativa, que reconhece a necessidade de regulamentação sem que tal iniba o empreendedorismo digital de que a economia da Europa necessita para crescer.

Jyrki Katainen, Vice-Presidente da Comissão com o pelouro do Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade, afirmou: “Uma economia europeia competitiva exige inovação, seja na área dos produtos, seja na dos serviços. O próximo milagre empresarial europeu poderá nascer da economia colaborativa. Cabe-nos a nós propiciar um ambiente regulamentar que permita desenvolver novos modelos empresariais, garanta a proteção dos consumidores e assegure uma fiscalidade e condições de trabalho justas”.

O relatório reconhece que, no que se refere à legislação laboral e à questão fundamental da relação com os empregadores em casos como a Uber e a Deliveroo, a competência para legislar reside ao nível dos Estados-Membros. No entanto, a Comissão também desencoraja claramente o licenciamento ou outras medidas que possam inibir a atividade empresarial. Mais especificamente, afirma: “Os prestadores de serviços só devem ser obrigados a obter autorizações ou licenças quando tal for estritamente necessário para a prossecução de objetivos de interesse público pertinentes. Proibições absolutas de uma atividade devem ser apenas medidas de último recurso. As plataformas não deverão estar sujeitas a autorizações ou licenças quando apenas agem como intermediárias entre os consumidores e os que oferecem o serviço propriamente dito (p. ex. transporte ou serviço de alojamento) ”.

Um futuro que faça sentido

Em que pé é que ficamos? Em ambos os lados do Atlântico, é evidente que políticos e legisladores se esforçam por acompanhar a velocidade vertiginosa da evolução tecnológica e das implicações desta evolução em termos urbanos. Enquanto escrevo, cidades nos EUA iniciam projetos-piloto com a Uber e a Lyft para que estas assumam uma parte dos sistemas coletivos de transporte em todo o país. E entretanto, em Singapura e Pittsburgh, estão já a ser efetuados ensaios com veículos Uber sem condutor, num projeto em colaboração com a Google. Alguém duvida que este futuro chegará em breve à Europa?

Isto significa que os decisores nas cidades terão de continuar num passo acelerado para se manterem a par das mudanças. De que precisam para tomarem as decisões corretas? É evidente que uma orientação clara a nível da Comissão seria útil. Embora nem todos estejam de acordo com a totalidade do conteúdo do recente relatório da Comissão, poucos diriam que tais afirmações são indesejadas. Do ponto de vista económico, a Comissão faz bem em referir o valor potencial das tecnologias digitais disruptivas e a necessidade de equilibrar regulamentação e inovação.

Desta forma, é potencialmente oportuna a recém-anunciada nova parceria que se desenvolverá sob a égide da Agenda Urbana para a UE. A Parceria para a Transição Digital (Digital Transition Partnership), liderada pela Estónia com o apoio de duas cidades (Oulu e Sofia) pode contribuir de forma significativa para alargar a nossa compreensão sobre estas questões e para encontrar a melhor abordagem em termos de políticas públicas.

No terreno, continua a ser muito importante criar espaços para a partilha de experiências entre os principais atores urbanos. O URBACT tem um papel potencialmente importante a desempenhar. O programa irá contribuir para a nova Parceria para a Transição Digital, que terá início em 2017, sendo que já contribui para a Parceria para a Habitação (Housing Partnership), em cujo âmbito estão incluídas estas questões.

Ao mesmo tempo, os projetos em curso URBACT abordam já algumas das questões fundamentais que se nos colocam. Em especial, o projeto Cidades Interativas (Interactive Cities), liderado por Génova, envolve 10 cidades da UE e explora os desafios e as oportunidades resultantes desta transição digital.

No futuro, esta agenda em rápida mudança será de particular interesse para muitos atores urbanos em toda a Europa. Com este fator em mente, nos próximos meses, acompanharemos de perto a situação e comunicaremos regularmente os progressos observados.

Etiqueta da homepage:

Governança

Texto da autoria de Eddy Adams apresentado a 24 de novembro de 2016