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Deixem a música tocar!

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11 June 2019
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Sandra Rainero partilha a sua paixão pela Rede de Transferência ONSTAGE, onde as comunidades deixam que as artes e a cultura as unam. Música para os nossos ouvidos...

Imagine...

Imagine que está no estádio RCDE, em Barcelona, no final de uma tarde de primavera. Cerca de 10 mil pessoas fazem fila há algum tempo para entrar. Os artistas estão no campo, são cerca de 5000. Entre eles, Nyah, uma jovem de 15 anos da Bolívia está pronta para começar... mas não se deixe enganar... não há árbitro a autorizar o pontapé de saída. A multidão juntou-se para um concerto em celebração do 25º aniversário da Associação de Escolas de Música da Catalunha. Há seis anos que Nyah toca fagote, um instrumento que descobriu na escola primária Ramon y Cajal e depois na Escola Municipal de Música Centre de les Arts (EMMCA).

Localizada em L'Hospitalet de Llobregat, cidade onde foi fundada em 2005 como serviço municipal para as artes, a escola é o resultado de uma política cultural, educativa e social clara e integrada, representando a visão a longo prazo do município sobre o poder transformador da música e das artes do espectáculo na vida das populações e na construção da própria cidade. Podem chamar-lhes sonhadores, mas não são os únicos: encontram-se em sintonia com os objetivos da Rede de Transferência (RT) URBACT ONSTAGE.

É uma espécie de... escola de música

Com uma população superior a 250 mil habitantes, a mais alta densidade populacional da Europa e com quase 30% dos residentes com origem migrante, L'Hospitalet enfrenta vários desafios e divisões, em termos sociais, económicos e físicos. A principal linha ferroviária Norte-Sul divide a cidade em dois grandes blocos e vários dos 12 bairros são etnicamente segregados, com elevadas taxas de pobreza.

Em 2004, as pessoas saíram à rua e manifestaram-se em frente à câmara municipal para exigir uma escola pública de música. "Tinham em mente uma escola de música tradicional, como o Conservatório", recorda Nuria Sempere, Diretora da EMMCA, "mas se tínhamos de criar um serviço municipal para a educação musical, tinha de ser um modelo único, que fosse aberto e inovador". Portanto, quando a escola abriu, em maio de 2005, a autarquia não estava apenas a cortar a fita de um novo Centro de Artes do Espetáculo, mas também a inaugurar uma política clara de participação dos cidadãos no domínio das expressões culturais e artísticas.

As artes do espetáculo como ferramenta de inclusão

A escola municipal de música ou, como a equipa EMMCA lhe chama, o serviço público de artes, tem um campo de ação multidimensional que utiliza as artes do espetáculo como uma ferramenta de inclusão e mudança social e uma metodologia inovadora, que envolve a sociedade civil, garantindo oportunidades iguais para que todos os cidadãos de L’Hospitalet tenham acesso aos seus cursos. Oferece aulas de grupo a todos os residentes no seu edifício principal, realiza atividades curriculares de artes do espetáculo nas escolas primárias, empresta instrumentos aos alunos e concede preços especiais àqueles que não podem pagar a totalidade das propinas.

A EMMCA tem a ambição de ser um espelho da diversidade da cidade, de forma a representar – em termos culturais – o tecido social e humano que a constitui. A Orquestra Sinfónica da EMMCA é como muitas outras, em termos de desempenho técnico, mas é a única em que 29% dos artistas têm origem migrante, a mesma taxa de pessoas provenientes de países não pertencentes à UE que vivem na cidade. Baseia-se na proximidade do espaço e das pessoas: a cidade transforma-se em auditório nos bairros onde os concertos constroem uma comunidade e em que, por vezes, a audiência se transforma nos artistas seguintes.

Melhoria nos resultados académicos das crianças

Os alunos que frequentam as atividades da EMMCA "fazem música" em vez de "conhecerem ou aprenderem música". As práticas técnicas de ensino, adaptadas de métodos estabelecidos de educação não formal no campo cultural, são sempre em sessões de grupo. As competências musicais e de desempenho sustentam competência básicas, dotando os alunos com competências de vida e não apenas com competências técnicas "exclusivas".

Das 59 escolas primárias da cidade, a EMMCA optou por oferecer aulas de artes do espetáculo em 12 escolas primárias públicas classificadas como "escolas altamente complexas", devido à elevada percentagem de alunos provenientes de agregados familiares com baixos rendimentos, muitos dos quais de origem refugiada ou migrante – ou outras formas de desfavorecimento.

A criação de um programa curricular de artes do espetáculo nas escolas públicas não tem sido fácil. "Há aqui um problema social, falámos com o conselho regional de educação e dissemos: estas escolas têm baixos níveis de sucesso escolar, estamos a perder estas crianças", recorda a diretora da EMMCA. "Como administração pública devemos fazer alguma coisa... e eles responderam “Avancem!”" Foi necessário um extenuante processo de adaptação ao ambiente e aos regulamentos escolares para executar estes programas.

E, de facto, uma avaliação de impacto demonstra que a EMMCA fez uma grande diferença. De acordo com os dados de 2015-2016, os estudantes envolvidos no programa EMMCA tiveram melhores resultados nos exames do 7º ano do que os alunos de escolas semelhantes que não participavam nos programas. Verificaram-se notas mais altas na maioria das disciplinas obrigatórias, especialmente em matemática.

Da Catalunha para a Europa com ritmo (cigano)

Após treze anos, mais de 50 mil participantes e muito Manouche Jazz, a EMMCA embarca agora na aventura URBACT a fim de partilhar as suas realizações em matéria política e de coesão e colaborar com outras cidades de forma a melhorar os seus serviços. Em tom confiante, Nuria Sempere afirma: "é a primeira vez que temos oportunidade de usar fundos da UE não para aumentar as nossas atividades ou utilizadores, mas para pensar, partilhar e aprender... para melhorar o nosso serviço público através da cooperação com outras cidades na Europa".

Seis outras cidades estão, agora, envolvidas na Rede de Transferência URBACT ONSTAGE. Adelfias com Music’n’play e Valongo com a Biblioteca Viva são também cidades boas práticas URBACT, promovendo ambas as artes e a cultura para a construção de comunidades e de oportunidades iguais e para a fruição de práticas culturais e artísticas. "Somos a cidade mais pequena da rede de transferência", afirma Maria Cesaria Giordano, vereadora do município de Adelfia, "e é por isso que queremos fazer crescer e melhorar as nossas práticas sociais através da observação de municípios maiores, como L'Hospitalet".

As três cidades são pequenos e médios municípios localizados – tal como L'Hospitalet – nos arredores de grandes áreas metropolitanas: Adelfia (pop. 17.200 h. na área metropolitana de Bari, Itália), Grigny (pop. 27.000 h. em Essonne, na cintura de Paris) e Valongo (pop. 95.400 h., na área metropolitana do Porto, Portugal). Estas cidades, cada uma das quais com características distintivas, partilham o desafio das disparidades económicas, migração, diversidade étnica, envelhecimento e menos oportunidades de emprego. Tudo fatores que dão origem a comunidades segregadas.

"Nós, na periferia das grandes cidades, lidamos com o problema da identidade todos os dias e a cultura pode ajudar-nos a combater a perda de identidade e a criar a nossa identidade enquanto cidade", sustenta apaixonadamente José Manuel Ribeiro, presidente da câmara de Valongo.

“Grigny tem sido notoriamente popular na imprensa devido aos motins ocorridos nos seus arredores", reconhece Edgar Solmi, diretor do Conservatório de Grigny, “como tal, os representantes eleitos têm vindo a desenvolver iniciativas culturais inovadoras para mudar a imagem negativa da cidade. E têm sido bem-sucedidos, refletindo as capacidades inventivas dos habitantes de Grigny."

As outras três cidades da rede são cidades vibrantes de média dimensão em países do Norte e do Leste da Europa: Aarhus (pop. 341.500 h.) e Brno (pop. 386.000 h.) ambas as segundas maiores cidades, respetivamente, da Dinamarca e da República Checa, e Katowice, na Polónia (pop. 297.000 h.). Todas têm um panorama cultural, musical e económico animado, sendo que tanto Brno como Katowice são cidades Criativas da UNESCO e planeiam usar as redes de transferência para melhorar a ligação entre a música e a coesão, utilizando a abordagem da EMMCA para criar programas em escolas primárias com um elevado número de estudantes socialmente desfavorecidos ou estrangeiros.

A escola municipal de Aarhus inspirou-se em L’Hospitalet para dar início à sua própria [prática] "A participação nesta rede é parte da estrutura narrativa de Aarhus, uma cidade com espaço para a diversidade e onde a comunidade está no centro das atenções", afirma o diretor da escola municipal, Lars-Ole Vestergaard.

Todos juntos agora

O que levou estas cidades a juntarem-se ao ONSTAGE foram três fatores: primeiro, o conceito de escola de música e de artes enquanto serviço público para fomentar competências culturais para todos e a mudança social de forma a criar uma cidade mais equitativa e coesa; segundo, a capacidade de "infiltração" no sistema educativo formal e de se tornar parte deste, contribuindo para o sucesso escolar utilizando práticas musicais e artisticas não formais para reforçar e desenvolver competências básicas de vida a partir de tenra idade; e, igualmente, a utilização de um sistema sólido de avaliação de impacto que pode medir – em termos qualitativos e quantitativos – o sucesso do serviço e da visão política que lhe está associada.

Estes três elementos da prática serão transferidos através de uma metodologia que está atualmente a ser desenvolvida pela Rede de Transferência. Nos próximos 24 meses, a rede irá trabalhar para encontrar estratégias e métodos de transferência de uma prática que é parte da Nova Agenda Urbana. A cultura e a diversidade cultural enriquecem e apoiam o desenvolvimento sustentável da cidade e – mais importante – dos seus cidadãos "capacitando-os para desempenharem um papel único e ativo em iniciativas de desenvolvimento", conforme refere a Declaração de Quito sobre Cidades e Estabelecimentos Humanos Sustentáveis para Todos.

Mudar vidas

A EMMCA mudou a vida de Nyah. Não só toca na Banda, como também fala fluentemente catalão, frequenta a escola e fez novos amigos, tornou-se uma cidadã ativa e tem muito a esperar da sua vida em L’Hospitalet.

São as muitas histórias como as de Nyah que caraterizam a EMMCA como uma boa prática URBACT. Esta visão vê a música, as artes do espetáculo e a cultura não apenas como um "fim" que pode ser alcançado por aqueles que têm poder e talento, mas antes como uma ferramenta instrumental para a transformação social, tanto pessoal como coletiva, e para promover a coesão e os valores democráticos para todos na cidade: mulheres e homens, desde crianças em idade pré-escolar até octogenários – de todos os estratos sociais.

L’Hospitalet e as seis cidades da Rede de Transferência URBACT reconhecem que as artes do espetáculo e as atividades culturais definem a própria cidade, a sua população, a sua cultura distintiva e única, ao mesmo tempo que unem as pessoas – no palco.

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Texto da autoria de Sandra Rainero, apresentado a 18 de outubro de 2018