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Conferência HABITAT III e a Nova Agenda Urbana

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22 June 2017
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Se por acaso já ouviu falar da Conferência HABITAT III e da Nova Agenda Urbana, explicamos-lhe agora, em termos sucintos, aquilo que ambas representam verdadeiramente para o futuro do desenvolvimento urbano no mundo.

A Conferência Habitat III refere-se à Conferência das Nações Unidas (ONU) para a Habitação e o Desenvolvimento Urbano Sustentável, realizada em Quito, no Equador, de 17 a 20 de outubro de 2016, e que contou com a participação de 30 000 pessoas de 167 países. A conferência veio reiterar o compromisso assumido a nível mundial com a prossecução de uma urbanização sustentável, tendo os países membros das Nações Unidas adotado uma Nova Agenda Urbana com base na Agenda Habitat assinada em Istambul, em 1996.

A equipa URBACT esteve presente para demonstrar a necessidade, o valor e a importância da cooperação territorial e dar a conhecer os aspetos mais importantes da conferência e da Nova Agenda Urbana.

 

De que trata a Nova Agenda Urbana?

Resumidamente, a Nova Agenda Urbana é um documento de 22 páginas que, nos próximos vinte anos, deverá servir de orientação à prossecução de um desenvolvimento urbano sustentável e transformador em todo o mundo. A Nova Agenda Urbana é um acordo entre países membros das Nações Unidas, uma visão partilhada sobre o futuro das nossas cidades e uma primeira assunção de compromissos para com um desenvolvimento urbano sustentável.

Uma visão partilhada

A visão partilhada para a criação de cidades e aglomerados humanos para todos é constituída por cinco pontos e inúmeros subpontos. Esta visão pretende que todos os habitantes, sem qualquer tipo de discriminação, consigam criar e residir em cidades justas, seguras, saudáveis, acessíveis, económicas, resilientes e sustentáveis.

A visão inclui o gozo de direitos e oportunidade iguais e de liberdades fundamentais, habitação condigna, acesso igualitário aos serviços públicos, participação cívica e empenho, igualdade de género, mobilidade urbana acessível, gestão de desastres e capacidade de resiliência, sustentabilidade ambiental e um nível elevado de produtividade, concorrência e inovação através da promoção do emprego pleno e produtivo e do trabalho digno para todos.

Compromissos

Na Nova Agenda Urbana, os países membros comprometem-se a trabalhar nas seguintes questões:

  • inclusão social e erradicação da pobreza
  • prosperidade urbana e oportunidades para todos
  • desenvolvimento urbano resiliente e sustentável do ponto de vista ambiental

São também destacadas as condições necessárias a uma implementação efetiva das ações, como a criação de enquadramentos políticos aos níveis nacional, subnacional e local; planeamento participativo; cooperação internacional; capacitação e partilha de práticas, políticas e programas entre níveis governamentais, mas sem definição de qualquer plano operacional, meta ou indicador por cuja concretização sejam os países membros e outros decisores políticos responsabilizados.

Apesar de o âmbito do documento ser universal, não é vinculativo em termos de implementação. Esta depende dos compromissos voluntários que os países membros e os intervenientes urbanos estão dispostos a assumir e a tornar visível no Plano de Implementação de Quito.

A Nova Agenda Urbana é realmente nova?

Esta questão é bastante discutível, uma vez que a resposta depende do contexto local e nacional. Enquanto que, para alguns, a assinatura desta Agenda pode ser uma grande novidade, outros já consideram a visão e os princípios nela preconizados como algo garantido.

Por exemplo, no contexto europeu, a abordagem integrada ao desenvolvimento urbano tem uma longa história de iniciativas, políticas e programas promovidos pela União Europeia, tais como as iniciativas URBAN I e II direcionadas para os bairros degradados e implementadas de 1994 a 2006; desde 2002, o programa URBACT que promove o desenvolvimento urbano integrado através do trabalho em rede, do reforço de capacidades e da partilha de conhecimentos entre cidades; o Acordo de Bristol, de 2005, sobre a importância das comunidades sustentáveis para o desenvolvimento da Europa; a adoção da Carta Leipzig sobre Cidades Europeias Sustentáveis, de 2007; a Declaração de Marselha, de 2008, que apela à aplicação dos princípios preconizados na Carta de Leipzig através da definição, a nível europeu, de um Quadro de Referência para as Cidades Sustentáveis, conhecido por RFSC; o Tratado de Lisboa, de 2009, que introduz o conceito de coesão territorial; a estratégia Europe2020 e a Política de Coesão com o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional; e, mais recentemente, o Pacto de Amesterdão (30 de maio de 2016), que estabelece oficialmente a Agenda Urbana para a União Europeia.

Este esforço constante de identificar, definir e implementar os princípios, meios e ferramentas mais corretos constitui um testemunho da complexidade dos problemas, desafios e oportunidades a nível urbano, da impaciência dos decisores políticos em proteger e apoiar o «acervo urbano» em períodos de crise económica e da emergência de novas forças, orientações e decisões políticas extremas.

A Nova Agenda Urbana resultou, ela própria, de muitos meses de negociação entre os países membros e de várias consultas a intervenientes-chave do setor urbano distribuídos por todo o mundo, ações essas consubstanciadas em comités preparatórios, relatórios nacionais, regionais e globais, medidas políticas, publicação de documentos, audiências e reuniões informais, reuniões intergovernamentais, reuniões regionais e temáticas, debates em linha, fóruns mundiais de campanhas urbanas, entre outras. Em setembro de 2014, deu-se o arranque de toda uma série de preparativos que tiveram como objetivo reunir o maior número possível de intervenientes urbanos de todo o mundo, de modo a integrar os seus contributos naquela que é hoje a Nova Agenda Urbana.

O que resultou desta imensa preparação foi um documento inclusivo e consensual que, para não ferir suscetibilidades, teria o aval de qualquer pessoa de bom senso. Este é talvez um dos pontos fracos da Nova Agenda Urbana. A ausência de um espírito criativo e inovador, de um plano operacional, de metas e indicadores e de um método de trabalho aproxima-a mais de uma lista de desejos do que de uma agenda para o futuro, transformadora e inovadora.

Apesar das debilidades e das críticas apontadas à Nova Agenda Urbana, há que reconhecer, contudo, que esta foi resultado de um processo federativo consubstanciado num documento, sendo ainda um lembrete dos valores que todos devemos apoiar e defender, sobretudo numa época de desafios sociais, ambientais e económicos a nível global.

Como implementar a Nova Agenda Urbana?

Há já muitos anos que milhares de cidades de todo o mundo têm vindo a aplicar os princípios da Nova Agenda Urbana e a testar soluções e políticas. Apesar de já existirem muitas respostas e soluções, estas nem sempre são conhecidas a uma escala mais alargada.

É exatamente nesta matéria que a cooperação territorial pode ter um papel catalisador. As boas práticas e políticas urbanas podem ser reforçadas, transferidas e adaptadas entre cidades através da cooperação, do trabalho em rede e da realização de intercâmbios inter-regionais. Porquê reinventar a roda quando os governos nacionais e locais podem retirar ensinamentos das boas práticas e dos erros já cometidos pelos seus pares? A cooperação territorial, seja ela regional (por ex., pan-europeia) ou internacional (por ex., entre cidades de diferentes continentes), é o veículo que permite às cidades desenvolver e eventualmente implementar políticas locais sustentáveis.

Tomemos o exemplo de uma cidade como Mollet del Vallès, em Espanha, com 52 000 habitantes. Durante a Conferência HABITAT III, Mollet del Vallès apresentou os benefícios que retirou do intercâmbio com outras cidades europeias. Ao integrar a rede URBACT Diet for a Green Planet, juntamente com Sodertalje (Suécia), Lomza (Polónia) e Moletai (Lituânia), a cidade, sem qualquer experiência prévia em matéria de políticas locais de nutrição, decidiu adaptar o regime alimentar de Sodertalje através da distribuição, em todas as cantinas públicas, de alimentos saudáveis, equilibrados, biológicos, sazonais e produzidos localmente. Mollet del Vallès reuniu os produtores locais, os professores, os cozinheiros, as empresas privadas e os políticos para debater formas de melhorar a qualidade da alimentação e os hábitos nutricionais da população, reproduzindo assim o percurso já empreendido pela cidade de Sodertalje. As duas cidades decidiram alterar, juntas, os respetivos modelos de contratação pública, aditando-lhes cláusulas aplicáveis às empresas distribuidoras de alimentos em cantinas públicas. Nessas cláusulas foram incluídos indicadores e metas para a obtenção de alimentos saborosos, saudáveis e sazonais, produzidos localmente e de forma biológica, para a redução do consumo de carne e aumento do consumo de legumes, vegetais e cereais integrais e ainda para a redução do desperdício alimentar. Mollet del Vallès distribui agora refeições locais saudáveis em todas as cantinas públicas da cidade e contribui para a revitalização da economia local.

Os municípios de Basingstoke (Reino Unido) e Nantes (França), também presentes na Conferência HABITAT III, falaram dos benefícios decorrentes do seu envolvimento nas redes urbanas. Com uma população de 178 000 habitantes, Basingstoke decidiu aderir à rede URBACT ESIMEC no intuito de adaptar as competências da mão-de-obra local às necessidades dos empregadores. As reuniões transnacionais com outras cidades europeias, master classes e reuniões com intervenientes locais, empregadores, universidades, funcionários públicos e jovens, proporcionaram à cidade de Basingstoke uma perceção real das necessidades empresariais e dos défices de qualificação existentes ao nível local, o que a levou a criar o programa Basingstoke Employment and Skills Zone (Zona de Emprego e Competências de Basingstoke) para conciliar o sistema educativo com as necessidades das empresas locais.

Estes são apenas alguns das centenas de exemplos do impacto da cooperação territorial levada a cabo a partir de 2002 no âmbito do programa URBACT, o programa europeu de cooperação territorial que, financeiramente, ajuda as cidades a desenvolverem políticas locais integradas através do trabalho em rede, do reforço de capacidades e da partilha de conhecimentos.

Ao longo dos anos, o programa URBACT tem ajudado as cidades a trabalhar em rede com os seus pares, permitindo-lhes assim inspirar-se e aprender umas com as outras, transferir e adaptar boas práticas. A ajuda tem-se estendido igualmente ao reforço de capacidades de funcionários públicos e representantes eleitos locais no que respeita ao planeamento participativo e à implementação de políticas; à conceção e implementação das políticas locais por meio de uma abordagem ascendente e da criação de grupos locais; e à utilização de um quadro de resultados para monitorizar e avaliar os resultados e o impacto das políticas locais.

Com base na experiência obtida com o programa URBACT e outros programas implementados na União Europeia, a Comissão Europeia decidiu promover, reforçar e financiar um plano internacional de cooperação de cidade-para-cidade através do recém-criado Programa Internacional de Cooperação Urbana. Numa ação que terá início em junho de 2017 e se estenderá por três anos, no mínimo, a Comissão Europeia financiará a criação de uma rede de trabalho metódico entre cidades europeias e cidades do México, da Argentina, do Brasil, do Chile, da Colômbia, do Peru, do Canadá, da China, da Índia, do Japão e dos Estados Unidos, com o objetivo de as ajudar a desenvolver políticas locais integradas. Este processo de planeamento de ações deverá ter por base a metodologia e a experiência do programa URBACT.

 

Além disso, a Comissão Europeia também se comprometeu a utilizar a Agenda Urbana para servir de base à criação da Nova Agenda Urbana. Criada a 30 de maio de 2016 com o Pacto de Amesterdão, a Agenda Urbana para a UE, para a qual o programa URBACT contribui, focar-se-á em 12 temas prioritários, tais como: empregos e competências na economia local, pobreza urbana, habitação, inclusão de migrantes e refugiados, uso sustentável do solo e soluções baseadas na natureza, economia circular, adaptação climática, transição energética, mobilidade urbana, qualidade do ar, transição digital e contratação pública inovadora e responsável. Doze parcerias, cada uma delas responsável por um determinado tópico e composta por países membros, cidades e organizações da sociedade civil, apresentarão, num prazo de três anos, planos de ação para uma melhor regulamentação (mais eficaz, mais eficiente e com menos custos de implementação), um melhor financiamento (mais adaptado às necessidades, facilidade de acesso e maior integração) e melhores conhecimentos (dados, boas práticas/projetos, troca de experiências). Alguns temas transversais, tais como os referentes às cidades de pequena e média dimensão, às conexões urbano/rural ou às abordagens inovadoras também deverão ser tratados.

Por fim, a Comissão Europeia, com o apoio da OCDE, comprometeu-se a desenvolver e testar uma definição global de cidades e aglomerados baseada nas pessoas, a qual possa servir de método universal de medição do grau de urbanização das cidades.

Dar seguimento à Conferência HABITAT III e à Nova Agenda Urbana

 

A Nova Agenda Urbana exorta, desde já, a uma ação de seguimento e revisão dos compromissos assumidos pelos países membros no âmbito da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030. Convida a Assembleia Geral das Nações Unidas a comunicar, a cada quatro anos, os progressos de implementação da Nova Agenda Urbana.

Isto pode ser um desafio, considerando os diferentes compromissos dos países membros e a ausência de metas e indicadores harmonizados entre países. Por outro lado, pode desencadear um debate sobre a necessidade de criar um quadro de resultados harmonizado a nível transnacional, de preferência bem antes da quarta Conferência das Nações Unidas para a Habitação e o Desenvolvimento Urbano Sustentável, marcada para 2036, e da adoção de outra nova agenda.

O URBACT continuará a acompanhar de perto o processo e a fornecer experiência, conhecimentos técnicos e apoio em termos de redes urbanas, partilha de conhecimentos e reforço de capacidades dos intervenientes urbanos dentro e fora da Europa.

Jenny Koutsomarkou

3 de novembro de 2016

Desenvolvimento Urbano Integrado; Basingstoke; Mollet Del Vallès; Nantes; agenda urbana