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Como pode o transporte contribuir para que o espaço público responda às necessidades das pessoas?

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15 December 2020
Read time: 5 minutes

Space4People, desafiando a utilização do espaço público!

Não é novidade que as nossas cidades estão a crescer. Atentemos nos números: as previsões demográficas mostram um aumento da população de 72% para 85% nas áreas urbanas em 2050. E as cidades registaram um crescimento 50% mais rápido em termos de PIB, bem como um aumento no emprego de 7%, em comparação com outras áreas que estagnaram ao longo dos últimos anos. Muitas cidades estão ocupadas com o desenvolvimento de novas áreas residenciais, espaços comerciais ou bairros de uso misto. Olhando em retrospetiva, constata-se que as cidades não iniciaram agora os seus períodos de crescimento. Os factos apresentados nas projeções futuras baseiam-se na história de crescimento contínuo das últimas décadas.

Também não é novidade que o tráfego nas nossas cidades está a crescer. E esta é apenas a consequência lógica do crescimento da população, das empresas e de novos empreendimentos imobiliários - mais pessoas e mais oportunidades resultam em mais tráfego. Ao longo de, pelo menos, cinco décadas a resposta ao crescimento do tráfego tem sido a disponibilização de espaço suficiente para acomodar esse tráfego crescente, tendo a solução adotada privilegiado o modo de transporte dominante, que era e continua a ser o tráfego automóvel.

A consequência destes desenvolvimentos é mais espaço para o tráfego motorizado - para os automóveis. O desenvolvimento da cidade alocou a maior parte do espaço público para acomodar o tráfego automóvel, tanto através de estradas como de parques de estacionamento. O paradigma dominante para o planeamento do tráfego era prever os níveis de tráfego futuro e preparar o crescimento constante do volume de tráfego através da construção de infraestruturas capazes de responder a este crescimento. Por conseguinte, foi utilizado cada vez mais espaço público para satisfazer as necessidades do transporte motorizado, principalmente dos automóveis, o que, ao mesmo tempo, aumentou a atratividade da utilização do automóvel, promovendo mais tráfego automóvel. No final, a oferta de espaço público para responder às projeções de crescimento do tráfego de veículos e o aumento conexo do tráfego automóvel geraram um processo que se auto-perpetua.

Daqui resulta que uma grande parte do espaço público está alocado ao transporte motorizado. Estradas, parques de estacionamento e outras infraestruturas deste tipo destinadas a veículos motorizados moldam a imagem das nossas cidades. Outras formas de utilização do espaço público, tais como espaços de encontro e lazer, para dar um passeio ou para andar de bicicleta, são a exceção em comparação com a média geral de utilização do espaço público. Contudo, e felizmente, algumas cidades estão a demonstrar como pode ser feita uma utilização diferente do espaço público, como é o caso de Copenhaga na Dinamarca, Vitoria-Gasteiz em Espanha ou Bolzano, em Itália. Estes e outros exemplos de boas práticas dão boas razões para que haja um empenho ativo na reafetação e redesenho do espaço público nas nossas cidades.

 

A solução é fácil e está à mão? O argumento do crescimento das cidades e dos seus volumes de tráfego, juntamente com o conhecimento sobre a utilização do espaço público passado e recente, pode criar a imagem de que tanto os desafios como as soluções são conhecidos. No entanto, as realidades das nossas cidades são demasiado diversificadas e complexas para que se possa aplicar uma solução única a todas as situações.
As diferenças começam com a natureza do crescimento de, por exemplo, grupos populacionais, a necessidade de fazer face à existência de cidades em contração, a necessidade de lidar com a reivindicação do espaço público por vários setores e utilizadores, tais como a indústria, o tecido empresarial, o retalho, o turismo, as crianças, os idosos, e ter em conta diferentes aspetos tais como as questões de género, a educação, o desporto, as atividades de lazer, a ecologia e outros.

Exemplo de Arad (RO) com ruas cheias de trânsito e soluções pedonais

A abordagem Space4People. A nossa rede aborda o desafio da utilização do espaço público na perspetiva do seu maior "utilizador" - o transporte. O nosso objetivo é trabalhar para uma utilização mais justa e equilibrada do espaço público, pelas cidades, pelas suas partes interessadas e pelos seus habitantes, esforçando-nos por contribuir para o objetivo global de tornar as cidades mais habitáveis - com as pessoas no centro dos futuros desenvolvimentos.

Com isto, estamos a desafiar a atual utilização "desumana" do espaço público pelos transportes, que se centra mais nos veículos do que nas necessidades das pessoas. Entre os muitos aspetos relacionados com os transportes urbanos, escolhemos concentrar-nos em três áreas onde vemos mais potencial, devido à sua eficácia e ao facto deste potencial ter sido negligenciado ou subutilizado até à data. As áreas que mereceram especial atenção são:

  • Áreas pedonais: avaliar e melhorar a qualidade e quantidade do espaço público dedicado ao movimento pedonal e às zonas pedonais.
  • Estacionamento: aumentar as opções de gestão de estacionamento a fim de alcançar maior eficiência na utilização do espaço público para este fim, reafetar o espaço de estacionamento a usos mais adequados do espaço público e utilizar a oferta de estacionamento e condições conexas como orientação para a escolha do modo de transporte.
  • Centros intermodais: melhorar as experiências dos utilizadores em locais centrais de transporte, tais como espaços intermodais de transportes públicos, e explorar o seu potencial para funcionarem como polos de desenvolvimento da cidade, acolhendo mais do que apenas funções de transporte

Claramente, o nosso argumento-chave é a utilização eficiente do recurso escasso que é o espaço público. O nosso objetivo é criar uma realidade no âmbito dos transportes que seja mais adequada, orientando as escolhas modais de maneira a favorecer modos ativos de deslocação e reduzindo o espaço necessário para o transporte. Isto leva à abordagem das atuais formas de utilização, como a oferta de infraestruturas, através da sua reafetação às necessidades reais dos utilizadores. A Space4People coloca, por conseguinte, as diversas perspetivas dos utilizadores e opiniões das partes interessadas no centro do trabalho, o que constitui no mínimo um duplo desafio: acomodar as necessidades de grupos populacionais sub-representados na tomada de decisões, tais como idosos, crianças e jovens mulheres, bem como trabalhar com as diferentes perceções daquilo que as pessoas querem por comparação com as opiniões dos outros - tal como as dos decisores - sobre esta matéria.

As razões para estes dois aspetos são fáceis de reconhecer. Citando Jane Jacobs, "As cidades têm a capacidade de fornecer algo para todos, apenas porque, e apenas quando, elas são criadas por todos". Jane Jacobs 1916 - 2016, jornalista americana e canadiana, escritora e ativista.

Reunião GLU de partes interessadas em Serres (EL)

A perceção, por outro lado, pode contribuir para desencadear um melhor planeamento, caso haja uma melhor compreensão mútua, mas também para interpretações erradas e ações mal orientadas, embora bem-intencionadas. O seguinte exemplo de Leipzig, na Alemanha, mostra a necessidade de se trabalhar a perceção: considerando as opiniões dos cidadãos na questão do investimento no transporte público ou no transporte automóvel, a respetiva opinião e a perceção das partes interessadas variam muito (ver abaixo).

Fonte: Socialdata

No âmbito da Space4People, trabalhamos com 10 cidades e os seus diferentes desafios:

  • Como promover escolhas modais sustentáveis ligadas ao centro da cidade para mitigar as elevadas emissões e melhorar a qualidade do espaço público em Bielefeld (DE)?
  • Como responder à realidade de uma área urbana dispersa e de grandes dimensões promovendo a possibilidade de caminhar e salvaguardando, simultaneamente, a acessibilidade dos habitantes locais e da atividade turística em Guía de Isora (ES)?
  • Como responder às necessidades dos habitantes locais e do turismo relativamente à acessibilidade, à qualidade da estadia e aos desafios topográficos que se colocam na Nazaré (PT)?
  • Como conceber espaços públicos atrativos de modo a gerar orgulho para a população num município em contração no contexto de uma cidade geminada transfronteiriça e o desafio da proteção dos monumentos históricos em Valga (EE)?
  • Como lidar com a utilização excessiva dos lugares de estacionamento existentes e o domínio das infraestruturas de circulação automóvel no centro da cidade e, ao mesmo tempo, criar mais áreas pedonais em Arad (RO)?
  • Como promover uma maior atratividade do centro da cidade, que enfrenta grandes volumes de tráfego nas horas de ponta e diferentes perceções das partes interessadas, assim como ultrapassar a divisão natural e artificial em Saint-Germain-en-Laye (FR)?
  • Como suprir as necessidades de todos os grupos populacionais em matéria de infraestruturas pedonais e tornar atrativos espaços públicos atualmente afetos às mais diversas formas de utilização em Serres (EL)?
  • Como resolver o desafio da elevada falta de opções de estacionamento em áreas residenciais que conduzem a uma utilização indevida do espaço público, bem como a elevados volumes de tráfego e cargas de estacionamento nos pontos centrais de interesse em Panevėžys (LT)?
  • Como resolver os conflitos de utilização do espaço público entre os modos de transporte e outras formas de utilização na zona central de Turku (FI) e salvaguardar as boas ligações pedonais que atravessam as principais barreiras naturais e artificiais?
  • Como melhorar as condições dos peões face às exigências concorrentes do tráfego privado e das entregas do “último quilómetro" num contexto de perceção das pessoas de que caminhar é desagradável e inseguro em Badalona (ES)?

Exemplo de conceção de espaço rodoviário em Serres (EL)

Tendo em consideração os desafios existentes, o nosso objetivo é fornecer soluções adequadas a cada cidade, explorando os nossos próprios conhecimentos e experiências e procurando o que aprender com os exemplos de outras cidades e como aplicá-los às nossas diversas realidades. Não faltam possíveis soluções, como os casos de Arad, que forneceu as primeiras ideias sobre como resolver os desafios de estacionamento de Panevėžys em zonas residenciais de elevada densidade, ou de Bielefeld, com o seu design inclusivo em matéria de infraestruturas pedonais que pode interessar a Serres. Estamos entusiasmados por mergulhar no desafio de conceber um espaço público de melhor qualidade - um espaço para as pessoas.

 

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Texto da autoria de Claus Kollinger, apresentado a 03/02/2020