Como pode o setor alimentar ajudar a reduzir o desemprego jovem nas cidades europeias de média dimensão
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28 December 2017O mundo precisa de despertar para a "bomba-relógio" que é o desemprego jovem nas cidades europeias de média dimensão e tratar a questão com a mesma seriedade que merecem os desastres humanitários e os esforços globais para erradicar doenças. O projeto URBACT AGRI-URBAN trabalha no sentido de repensar a produção agroalimentar em cidades de pequena e média dimensão, tendo como principal objetivo encontrar soluções que possam estimular a criação de empregos na cadeia de valor agroalimentar. Recentemente analisou, em especial, pequenas iniciativas que podem fomentar o emprego como, por exemplo, a cooperação entre agricultores e a aliança entre empresas do sector alimentar e agrícola.
O sentimento geral na rede AGRI-URBAN é que ninguém - governos nacionais, agências doadoras, associações setoriais ou a comunidade científica - está a fazer o suficiente para neutralizar a bomba-relógio do desemprego jovem nas cidades europeias de média dimensão.
A indústria agroalimentar europeia dá emprego a 46 milhões de pessoas em 15 milhões de empresas, representando 6% do PIB da UE. Em 2015, cerca de 10 milhões de pessoas estavam empregadas diretamente no sector agrícola na UE, o que representa 5% da mão-de-obra da Europa. Na maioria dos Estados-Membros, a agricultura continua a ser dominada pela agricultura familiar, sendo a maior parte do trabalho realizado por membros da própria família. Ao mesmo tempo, a população agrícola na UE está a envelhecer rapidamente. Dados recentes mostram que apenas 6% do total dos empresários agrícolas na Europa tinha menos de 35 anos de idade. A agricultura como fonte de emprego está em declínio na Europa. Entre 2000 e 2015 desapareceram cerca de 5 milhões de postos de trabalho a tempo inteiro no sector (fonte: Eurostat).
Este artigo pretende dar uma ideia sobre o que as cidades AGRI-URBAN estão a fazer para reduzir o desemprego jovem.
Agricultura e indústria alimentar em cidades de pequena e média dimensão: contexto
A agricultura e a indústria alimentar providenciam uma percentagem significativa do emprego e dos rendimentos em muitas cidades de pequena e média dimensão em toda a Europa. No entanto, este complexo de atividades, tanto do sector primário, como do secundário, está classificado como um setor maduro que atingiu níveis máximos a nível empresarial e de emprego. De facto, nas últimas décadas, uma série de tendências no agronegócio reduziram a capacidade destas atividades sustentarem o emprego nas cidades.
Em geral, as taxas de desemprego são significativamente mais elevadas nas zonas rurais que nas zonas urbanas. Nas zonas rurais, estima-se que o "desemprego oculto" (envolvendo agricultores e trabalhadores agrícolas subempregados) é superior ao verificado nas zonas urbanas.
A estrutura económica das zonas rurais está em transformação: o peso do setor primário para o VAB não para de diminuir, enquanto o peso do setor terciário aumenta. Trata-se de uma tendência geral em todas as regiões, mas é mais acentuada nas zonas rurais. O crescimento do turismo ilustra o crescimento do setor terciário. Verifica-se um aumento em todas as regiões (especialmente nos países do sul da Europa), sendo considerado como o principal motor do crescimento e do emprego. Assim, as economias urbanas na sua transição para modelos mais sustentáveis estão a encontrar oportunidades neste processo de repensar a produção agroalimentar, o que é especialmente relevante nas chamadas cidades agrícolas do espaço europeu. De um modo mais generalizado, uma série de iniciativas testadas que estão relacionadas com a criação de emprego no setor agroalimentar em contextos urbanos e suburbanos está já a mostrar o seu potencial, por exemplo, através de hortas comunitárias, mercados locais, bancos de terra municipais, espaços agrícolas para jovens empreendedores, comércio eletrónico, parques tecnológicos no sector alimentar, surgimento de circuitos de comercialização curtos, mercados verdes, cinturas suburbanas agroecológicas.
As cidades participantes na rede AGRI-URBAN têm em comum o facto de serem cidades de pequena e média dimensão com fortes ligações entre o contexto urbano e rural. Por essa razão, estão a explorar as oportunidades oferecidas pelas zonas rurais para a criação de empregos no sector agroalimentar e na melhoria da sustentabilidade global do seu sistema, ao mesmo tempo que injetam na sua estrutura urbana elementos de ruralidade, como a produção alimentar. Estas cidades e vilas estão a criar condições para tornar realmente possível a criação de emprego na produção agrícola e agroalimentar, como um impulso benéfico para a população urbana desempregada.
Porque é que as economias locais das cidades rurais se tornaram restritas
Houve uma altura em que cada comunidade rural tinha a sua própria economia local diversificada. Os alimentos eram produzidos e transformados; os produtos não alimentares provenientes da agricultura, pescas e silvicultura cobriam um vasta área de necessidades; os bens eram produzidos e reparados localmente por um conjunto de artesãos; os serviços eram prestados localmente. As alterações verificadas desde então desincentivaram a transformação local de produtos alimentares, madeira ou outras matérias-primas, tendo os artesãos rurais sido substituídos por indústrias urbanas distantes e provocando a deslocalização de serviços para as principais cidades.
Estes acontecimentos resultaram também na fuga de cérebros das pequenas e médias cidades do interior. Como tal, as economias locais de muitas cidades do interior tornaram-se mais restritas e relativamente frágeis, com uma dependência excessiva das decisões económicas tomadas em cidades distantes. Sem incentivos para criar emprego alternativo, a fuga de cérebros de jovens desempregados vai continuar.
A Produção Agroalimentar: uma oportunidade
A produção agroalimentar continua a desempenhar um papel importante em termos de PIB, emprego e sustentabilidade ambiental. Com uma implementação bem-sucedida, um sistema alimentar local pode ter um impacto positivo a três níveis fundamentais: sustentabilidade ambiental, viabilidade económica e igualdade social. Uma atuação nestes três níveis fulcrais gera oportunidades para os jovens trabalhadores iniciarem novos negócios, criarem empregos qualificados, melhorarem a sua qualidade de vida e bem-estar, e reforçarem o seu sentimento de pertença e de integração na comunidade.
Os alarmes recentes relativamente aos riscos para a saúde dos consumidores ou dos efeitos negativos para o ambiente decorrentes de determinadas práticas de produção intensivas resultaram em novas exigências de produtos alimentares de qualidade e especialidades regionais. Uma descentralização da transformação alimentar, embalagem e comercialização pode trazer novos postos de trabalho para cidades do interior, criando mais-valias locais.
Os principais desafios económicos para os jovens empreendedores e pequenas explorações agrícolas são o acesso a recursos agrícolas (tais como a terra e o capital) e o acesso aos mercados, especialmente, em termos de poder de negociação na cadeira alimentar. Um sistema alimentar é uma rede complexa de entidades interligadas que levam a comida da sua origem até às nossas mesas. Cadeias de abastecimento pesadas e complexas constituem uma vantagem concorrencial para os grandes grossistas em comparação com pequenas explorações agrícolas locais, com pequenas quantidades de produtos. Faltam competências empresariais em muitas pequenas explorações agrícolas para melhorar os seus modelos de negócio, ou para identificar novas oportunidades de negócio.
As novas tecnologias e infraestruturas de comunicação, como a Internet, conferiram mobilidade a inúmeros postos de trabalho, tornando irrelevante o local onde o trabalho é realizado. Estas tecnologias facilitaram também o acesso ao conhecimento, serviços de consultoria e ao mercado mundial. As cidades do interior ou as pessoas que vivam em zonas rurais podem agora oferecer os seus produtos, competências e serviços a um mercado mais amplo.
Um setor de serviços com cada vez maior importância é o turismo e a gastronomia local. Em muitos países, iniciativas de sucesso, tais como feiras e festivais gastronómicos e vinícolas, trouxeram nova vida a regiões inteiras, promovendo as tradições culturais locais (por exemplo, música, costumes e dança). Estes acontecimentos estão a revitalizar os mercados locais de modo tradicional, facultando serviços importantes e emprego ao interior rural
Atividades de lazer, como a pesca, caça, caminhadas, ski, ciclismo, hipismo, golfe, etc., atraem um número cada vez maior de pessoas a passar as suas férias em zonas rurais. A criação de reservas naturais, de locais de especial interesse científico ou histórico e de zonas de beleza natural excecional, acrescentaram produtos interessantes ao meio rural, enquanto espaço de lazer e aprendizagem. As obras de manutenção necessárias criaram novos empregos na gestão das zonas rurais e uma série de outras atividades relacionadas com estes novos "produtos".
Algumas pequenas iniciativas têm um enorme potencial para impulsionar o emprego
Mais recentemente começaram a surgir pequenas iniciativas com um importante potencial para impulsionar o emprego no setor. Nós, na rede AGRI-URBAN, estamos a recolher elementos comprovativos desta transformação a diferentes níveis:
- Cooperação entre agricultores: Os desafios do modelo alimentar local ultrapassam, frequentemente, os benefícios quando as explorações agrícolas trabalham de forma independente. Ao desenvolverem parcerias fortes, os produtores locais podem envolver-se em 'cooperação', ou na partilha de recursos, desde equipamento a ideias, ao mesmo tempo que operam como entidades individuais, em concorrência entre si. A cidade do Fundão criou o Clube dos Produtores do Fundão no âmbito do trabalho desenvolvido pelo município do Fundão, numa ampla parceria com um grupo de agricultores e empresários do setor agroalimentar. A marca agrega um conjunto de produtos endógenos de excelência da região. A estratégia inclui a participação em feiras nacionais e internacionais, criação e desenvolvimento de novos produtos integrados, abertura de lojas, planos de formação para empresários, missões empresariais, missões inversas e o desenvolvimento de parcerias, entre muitas outras iniciativas.
- Alianças entre explorações agrícolas e empresas agroalimentares: Os mercados alimentares industriais altamente consolidados dificultam a entrada aos pequenos produtores. As estratégias de comercialização alternativas implicam o desenvolvimento de parcerias entre retalhistas tradicionais e produtores locais através de canais alternativos, incentivos políticos e boca-a-boca. Em Cesena, os principais setores industriais são empresas centradas na produção, manufatura, processamento e distribuição de fruta, legumes e produtos de carne (especialmente, aves). Para além deste setor importante, que tem um impacto positivo no emprego, na cidade e na província, existe um número considerável de pequenas empresas familiares. Essas empresas são a prova do contexto agrícola do território ligado à produção agroalimentar e representam hoje um sector que está a ser afetado do ponto de vista económico, devido ao abandono das terras, urbanização dispersa e o efeito de estrangulamento do sector da distribuição/grande retalho.
- Reforço de aptidões e competências: Oferta de uma combinação de formação académica e contínua que proporciona as competências necessárias para desenvolver a indústria e cumprir as expectativas dos jovens que estão à procura de oportunidades de carreira. Começando com as competências necessárias para a agricultura e indústria alimentar, mas indo mais além no sentido de abordar os desafios mais amplos que o sector enfrenta, incluindo a procura global crescente de alimentos num espaço limitado e a ameaça das alterações climáticas. A LAG, uma organização sem fins lucrativos que promove a empregabilidade, denominada Devenirs, oferece formação sobre jardinagem biológica a desempregados. Esta formação dura um ano. Durante este período, o formando é convidado a efetuar um estágio de trabalho numa exploração agrícola ou numa estufa. Um outro programa é oCAP Job na província de Liège, financiado pelo Fundo Social Europeu. O projeto faculta formação para horticultores e pessoas com formação superior (Mestrado em Agronomia) em diferentes questões como a gestão de estufas, planeamento de crescimento, método agroecológico, etc..
- Capitalização da vantagem competitiva local: Existem muitos atributos disponíveis nos produtos urbanos locais que faltam nos produtos alimentares industriais, incluindo a frescura, a sazonalidade, a variedade e a salubridade. Os agricultores devem promover os seus produtos como produtos de "valor-acrescentado" com uma história para contar, destacando os contrastes entre os seus produtos e os dos seus concorrentes industriais. Pyli caracteriza-se por uma paisagem montanhosa ou serrana (percentagem de 87,38%). Além disso, uma minoria da área é gerida para produção alimentar (9,9% cultivada e 12,6% de pastagem), sendo que a área de floresta cobre 75,95% da área total. A zona possui características especiais que atraem centenas de turistas anualmente. A economia local e o emprego baseiam-se principalmente em produtos agrícolas e florestais e a sua interdependência com a produção animal nas áreas montanhosas da região, através da criação de uma forte relação com o sector produtivo da economia local. As vantagens concorrenciais locais de Pyli são as áreas montanhosas que podem proporcionar soluções importantes para a criação de oportunidades de emprego e para a promoção da coesão social, contribuindo para a preservação do ambiente e do património cultural destas zonas.
- Desenvolvimento de talentos: Incubadoras de agricultores. Em junho de 2013, o LAG lançou a primeira incubadora para jovens agricultores em jardinagem biológica na Valónia. Oferece um campo (de 10 ares a 1 hectare), estufas, e acesso a água para irrigação. Os jovens agricultores são acompanhados pela Creajob (no planeamento empresarial, comercialização, contabilidade, etc.) e por um jardineiro (um orientador) para aconselhamento técnico. O objetivo é promover o autoemprego na agricultura e apoiar os empresários no desenvolvimento do seu negócio.
- Interação com os decisores políticos: Os decisores políticos são atores importantes na definição das políticas alimentares, que estão estreitamente relacionadas com muitos outros desafios urbanos e políticas, tais como a pobreza, saúde e proteção social, higiene e saneamento, planeamento da utilização dos solos, transportes e comércio, energia, educação e preparação para catástrofes, sendo essencial adotar uma abordagem que seja global, interdisciplinar e interinstitucional. Alguns bons exemplos podem ser encontrados na cidade de Mollet del Vallés e na cidade de Södertälje que estão a implementar políticas públicas inovadoras destinadas à introdução de alimentos orgânicos e locais em jardins de infância da cidade assim como num centro de educação especial. Trata-se de um processo complexo que os municípios tiveram a oportunidade de conhecer durante a sua participação no projeto DIET FOR A GREEN PLANET, conduzido pela cidade de Södertälje no âmbito do programa URBACT II.
Por sistemas de governação alimentar urbano-rurais inclusivos, coerentes e reflexivos
A rede AGRI-URBAN está a recolher elementos para confirmar o potencial de centenas de empregos que podem ser criados no sector agroalimentar, quando as cidades implementarem políticas inteligentes para explorar de forma sustentável a riqueza dos recursos das cidades de pequena e média dimensão, no sentido de produzir um efeito favorável no emprego. Pretendemos promover uma melhor compreensão e implementação de todas as ferramentas e iniciativas testadas, dentro e fora da parceria, que abram novas perspetivas e oportunidades para a produção alimentar nas cidades e áreas circundantes.
A procura de provas com impacto na criação de emprego cobre diversos temas como: Circuitos Curtos (Mercados Urbanos, Lojas Online, Pontos de Venda nas Explorações, Plataformas Agroalimentares), Utilização Inteligente dos Solos (Utilização dos Solos Urbanos, Utilização dos Solos Rurais), Desenvolvimento Empresarial de PMEs (Empreendedorismo e incubação, Competências Empresariais, Transformação Digital, Campanhas de Sensibilização, Turismo Alimentar) e Contratos Públicos (prato público).
Por enquanto, os elementos recolhidos tornam claro que o reforço das ligações entre a realidade urbana e o meio rural abre oportunidades oferecidas pelas zonas rurais para a criação de postos de trabalho no sector agroalimentar e melhora a sustentabilidade global do seu ecossistema, ao mesmo tempo que injeta no seu tecido urbano elementos de ruralidade tais como a produção alimentar ou a criação de espaços agrícolas.
Na agenda pública, a alimentação já não é só considerada como uma mercadoria ou uma necessidade nutricional; trata-se de um desafio político multidimensional emergente, que atravessa as dimensões ecológicas, sociais, económicas e espaciais. No âmbito da rede AGRI-URBAN está a ser implementada uma estratégia urbana sustentável e integrada para tratar as principais questões que têm de ser abordadas: um sistema de governação alimentar urbano/rural inclusivo, coerente e reflexivo; uma infraestrutura física e social mais sólida, para reduzir a distância entre produtores e consumidores e para promover a economia circular; mercados fiáveis para os produtores de alimentos de qualidade, resultando em novas oportunidades para o desenvolvimento de PMEs; a necessidade de experimentar novas formas de empreendedorismo no setor agrícola e a criação de novos postos de trabalho e competências.
O emprego e a criação de postos de trabalho, assim como a competitividade, são o nosso principal foco de atenção em termos de aprendizagem cruzada à escala internacional e no planeamento de ações a nível local. Grande parte dos elementos aqui mencionados revelou-se útil em termos de criação de emprego, sob várias formas, nomeadamente, através do incentivo ao autoemprego e à criação de empresas sociais e familiares de pequena e média dimensão. Além disso, estas pequenas iniciativas, ainda que inseridas nas redes de proximidade, oferecem potencial para a sua expansão.
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Este artigo foi elaborado em coautoria por Miguel Sousa, Raquel Moreno e Antonio Zafra e
Apresentado por Miguel Sousa a 3 de março de 2017
Submitted by Ana Resende on