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Como Eindhoven abre portas à capacidade colaborativa da cidade através da prestação de serviços sociais

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19 September 2016
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É evidente o motivo pelo qual as cidades holandesas gozam, nos últimos tempos, de uma boa reputação entre os urbanistas. No início do ano tivemos conhecimento que quatro cidades holandesas (Tilburg, Utrecht, Groningen e Wageningen) estão, desde janeiro de 2016, a conceder a alguns dos seus beneficiários de assistência social ajudas sociais incondicionais (isto é, um rendimento mensal do Governo sem a obrigação de ter um emprego remunerado ou de prestar serviço comunitário). O objetivo é analisar se estas pessoas se tornarão mais ativas do que as restantes no contexto do atual regime, mais estrito. Em maio, os urbanistas congratularam-se com a assinatura do Pacto de Amesterdão como forma de preparação do caminho para uma agenda urbana europeia. Por último, mas não menos importante, a comunidade URBACT estará já provavelmente a pesquisar na Internet por que motivo a URBACT Summer University 2016 terá lugar em Roterdão, a cidade que recebeu o Prémio Urbanismo em 2015. Na linha das experiências urbanas inovadoras levadas a cabo nos Países Baixos, este artigo centra-se no programa social experimental WeEindhoven, valendo com certeza a pena acompanhar os resultados desta iniciativa pioneira.  

Eindhoven (Parceiro líder da rede CHANGE!), frequentemente denominada «cidade da inovação», com uma população de 225.000 habitantes (2015), é a quinta maior cidade dos Países Baixos. É ainda conhecida pela sua integração na denominada região de Brainport, estando orientada para o conhecimento a par de Roterdão (que detém o porto principal) e de Amesterdão (onde se encontra o aeroporto principal). A filosofia subjacente à Brainport é a Tripla Hélice (atualmente muitas vezes denominada Quadrupla Hélice por incluir os utilizadores finais), que consiste na cooperação entre a administração local, as empresas e as instituições do conhecimento, por forma a impulsionar a tecnologia e a inovação, permitindo à região acelerar o crescimento económico, social e individual.

Poder-se-á dizer que uma cidade da inovação deverá também ser pioneira no que diz respeito aos desafios sociais. Embora este facto seja verdadeiro em muitos aspetos, o panorama é, obviamente, mais complexo. Com vista a ultrapassar os grandes desafios sociais dos nossos dias, Eindhoven implementou o programa WeEindhoven, uma forma radicalmente nova de prestação de serviços sociais que pretende não só modificar o sistema de prestação desses serviços, mas também o comportamento da sociedade. O modelo WeEindhoven constitui um bom exemplo de mudança do sistema e da oferta de serviços públicos impulsionada pela comunidade, estando em plena consonância com a mudança tendencial de paradigma – a reorganização do Estado Social em direção a um Estado Relacional ou Preventivo.

WeEindhoven não é apenas um programa, mas um movimento que pretende ter impacto em toda a sociedade

O que torna então Eindhoven uma boa base para a inovação social e uma oportunidade para implementar um programa tão radical?  O nível de envolvimento da comunidade nos Países Baixos é mais elevado do que na maioria dos países europeus. Além disso, Eindhoven é uma cidade de média dimensão com uma proporção significativa de jovens e pessoas com níveis mais elevados de qualificações, o que é fundamental para a alteração de comportamentos.

A ideia original do programa WeEindhoven surgiu em 2011 como uma resposta inovadora aos desafios sociais que já despontavam no final da década de 90, mas que se acentuaram nos últimos anos devido à crise: a sociedade está a mudar a um ritmo mais acelerado do que as instituições e, por conseguinte, o Estado Social não tem capacidade para oferecer respostas adequadas aos novos desafios.

Citando Jeroen Hoenderkamp (um consultor de estratégia da cidade de Eindhoven que esteve envolvido no desenvolvimento do programa WeEindhoven): «Os produtos do Estado Social constituíram outrora boas soluções tendo em conta a previsibilidade dos percursos de vida no passado, mas no mundo globalizado de hoje já não são suficientemente bons, além de estarem a tornar-se cada vez mais dispendiosos. Em resultado da crise, assistiu-se a uma mudança na política nacional dos Países Baixos em que, juntamente com os cortes orçamentais, o Governo nacional decidiu dar início a um processo de transferência de responsabilidades do nível nacional para o nível local. Foi por este motivo que, em 2010, a cidade de Eindhoven realizou um estudo no domínio da prestação de serviços sociais. 

A fim de dar resposta aos desafios sociais, a alteração do sistema de prestação de serviços sociais parecia inevitável pelo que, no âmbito do trabalho de um painel de peritos, surgiu a ideia do programa WeEindhoven. O município apoiou a ideia e nos dois anos seguintes o processo de alteração do sistema foi desenvolvido de forma verdadeiramente participativa (foram levadas a cabo discussões com as várias partes interessadas, desde a fase inicial de desenvolvimento do programa até ao seu aperfeiçoamento, bem como reuniões de grupos de trabalho e entrevistas de rua, tendo sido criados painéis de peritos, plataformas para residentes e serões informativos, etc.). De acordo com Jacolien Aleman (especialista em políticas sociais na autarquia, que esteve também envolvida na transformação da estrutura interna da mesma): «No passado despendemos muito dinheiro na oferta de um pacote geral de serviços sem sabermos exatamente que tipo de apoio era necessário a nível pessoal. Acreditamos veementemente que, se forem dotadas das competências necessárias, as pessoas são capazes de assumir as suas próprias responsabilidades e resolver os seus problemas de forma mais eficaz. Eindhoven encontra-se numa fase de transição e o elemento nuclear da mesma é o programa WeEindhoven».

O programa WeEindhoven teve início em 2013 em dois bairros, enquanto projeto-piloto e, desde o início de 2015, foi transformado num programa oficial implementado em toda a cidade. Algumas cidades holandesas, como Utrecht e Roterdão, implementaram programas semelhantes, mas o mais avançado está a ser desenvolvido em Eindhoven.

No cerne do programa WeEindhoven estão 10 WeTeams, localizadas em diferentes bairros, que representam uma espécie de “balcão único”. As WeTeams são constituídas por generalistas (representados na 1.ª linha do triângulo) com diferentes percursos e experiências, tais como a prestação de cuidados a crianças/familiares/idosos, a toxicodependência, a prestação de cuidados a pessoas com deficiência, etc. Os generalistas atuam como facilitadores e orientadores entre os residentes (a linha 0 do triângulo) e os especialistas (a 2.ª linha do triângulo). O generalista ideal é «um contador de histórias, um distribuidor de recursos, um arquiteto e navegador de sistemas» (Henry Kippin: Collaborative capacity in public service delivery – Towards a framework for practice, UNDP Global Centre for Public Service Excellence, Singapura, 2015). O seu papel consiste em estabelecer uma ligação sólida com os residentes e o seu bairro na vida quotidiana.

Em vez do habitual diálogo em que os munícipes exigem e o município fornece o serviço solicitado de forma quase automática, as WeTeams centram-se numa abordagem pessoal. O generalista visita os agregados familiares e inicia o diálogo com um “café à mesa da cozinha”, tentando identificar não só os verdadeiros problemas e necessidades de uma determinada família ou pessoa, mas as causas que estão na origem dos mesmos. Na procura de soluções, as pessoas são incentivadas a assumir a sua própria responsabilidade e a resolver os seus problemas individualmente ou em conjunto com a chamada “base social”, em vez de recorrerem imediatamente a um especialista de nível superior. Esta mobilização ou envolvimento porta-a-porta é frequentemente mais eficaz do que a tradicional designação de representantes para falarem em nome de uma comunidade.

A denominada “base social” consiste em dois elementos: os serviços gerais disponíveis num determinado bairro e as redes de ligação entre pessoas, também conhecidas por “união de forças entre os cidadãos”. Os serviços gerais (como emprego, educação, cultura, desporto, alojamento, etc.) podem ser utilizados pelos residentes para se tornarem mais autossuficientes. Cabe ao município facilitar o reforço destes serviços básicos e garantir que são acessíveis a todos. No âmbito da rede CHANGE!, o enfoque da cidade de Eindhoven recai sobre o segundo elemento da base social – a “união de forças entre os cidadãos”, ou seja, as redes de contacto entre pessoas. Por exemplo, as relações que as pessoas têm com a sua família, os seus vizinhos e outros residentes. A ideia é a de que quando as pessoas se reúnem, surgem iniciativas a partir de um interesse ou paixão comum e os residentes mostram-se disponíveis para se ajudarem mutuamente na resolução de problemas podendo, por exemplo, fazer voluntariado em clubes desportivos, associações e sindicatos, tornar-se cuidadores voluntários, participar nos programas escolares dos seus filhos, fazer algo em prol da Igreja, levar um vizinho ao hospital, cozinhar para um amigo doente, tomar conta dos filhos de outra pessoa, etc. Ou, como referiu Roseliek van Geel (especialista em temáticas relacionadas com a cidade de Eindhoven): «a base social é a bem conhecida, mas tantas vezes esquecida, vida tradicional, normal e em comunidade.»

Ao estimular as pessoas a pensarem por si mesmas, a assumirem as suas responsabilidades e a serem ativas no seio da base social, os generalistas trabalham com base nos mesmos princípios-chave dos Organizadores Comunitários no Reino Unido. De acordo com o guia «Our Place guide to Community Organising» (Programa Our Place, Locality, 2015): «A organização comunitária consiste na criação de relações nas comunidades para levar as pessoas a agir, conduzindo à mudança social e política através de uma ação coletiva. Um organizador comunitário começa por construir relações individualizadas com as pessoas, cria uma rede ou organização associativa que seleciona prioridades de ação e metas, estimula os líderes da comunidade e mobiliza os membros da rede para que ajam coletivamente a fim de criar uma mudança social».

Sempre que os problemas não puderem ser resolvidos no seio da base social, o generalista fornecerá apoio personalizado ao cliente colocando-o em contacto com um especialista. No entanto, a ideia é a de que, se o sistema for bem gerido, um grande número de pessoas será capaz de utilizar as suas próprias capacidades e redes de contacto, tornando-se mais autossuficientes e menos dependentes de apoio especializado. Tal como Roseliek van Geel referiu: «WeEindhoven não é apenas um programa, mas um movimento destinado a ter impacto em toda a sociedade».

Em 2015 trabalharam nas 10 WeTeams cerca de 350 generalistas. O ano de 2016 será o ano de aperfeiçoamento do programa com base nas informações retiradas de avaliações regulares. Até ao momento, 90% (!) das avaliações foram positivas. No decorrer de 2016, o programa será implementado na sua versão final e a gestão será transferida para uma fundação exterior ao município. De modo geral, o programa apresenta uma nova forma de colaboração na prestação de serviços. Contudo, uma vez que os papéis das partes interessadas sofreram alterações, também se registaram conflitos durante o processo. Por um lado, um dos aspetos que merece especial atenção é a sobreposição entre o trabalho das WeTeams e das ONG que trabalham no terreno e, por outro, a falta de comunicação e cooperação entre estas entidades. É necessário evoluir neste domínio. Mas, como resumido por Roseliek van Geel: «É necessário dar alguns passos durante todo o processo. Por vezes, podem parecer demasiado pequenos e desprovidos de qualquer efeito direto, sendo necessário analisá-los mais profundamente para desvendar a extraordinária visão que encerram».

Esta síntese está em plena conformidade com as recomendações do Programa URBACT em matéria de governança e serviços públicos (Social innovation in cities - Inovação social nas cidades, 2015): «A administração municipal tem vindo a demonstrar uma forma de modéstia pragmática. Prefere começar por colher os frutos que lhe estão mais próximos. Partindo do êxito inicial, tenta dar passos mais difíceis mantendo sempre um nível de ambição elevado. Reconhece que enfrenta dificuldades, atrasos e erros, mas ainda assim esforça-se por atingir os melhores resultados. A administração pública não se sente enfraquecida porque reconhece os seus problemas. Antes pelo contrário, a sua ambição parece reforçada e ao mesmo tempo realista. Um sentimento renovado de libertação dos erros do passado parece encorajar os funcionários públicos a avançar».

O Plano de Ação Integrado de Eindhoven, que será elaborado no âmbito da rede CHANGE!, centrar-se-á no fortalecimento da base social. Citando Jacolien Aleman: «Através do reforço da base social, as pessoas poderão fazer um maior uso das suas capacidades e redes de contacto, tornando-se mais autossuficientes. A ideia é solidificar a base social de uma maneira que resulte numa sociedade inclusiva onde todos possam viver, trabalhar e descontrair». Por conseguinte, a principal pergunta a que é preciso dar resposta no âmbito da rede CHANGE! é: de que forma é possível partilhar a prestação de serviços com os cidadãos e capacitar a população local para o fazer? De que forma é possível incentivar e recompensar os diferentes tipos de comportamento? De que forma é possível integrar as relações humanas na conceção e prestação dos serviços públicos? O que poderá significar «renunciar de forma responsável» na prática? Como é que a ação social formal e informal pode ser apoiada de forma sistematizada e eficiente?

Estas são questões muito importantes e os primeiros resultados do programa experimental, que parecem ser promissores, poderão ser úteis para toda a comunidade europeia. Não esqueçamos, no entanto, que o complexo programa WeEindhoven é um modelo avançado em termos europeus. Por conseguinte, outra questão importante consiste em saber até que ponto outras cidades europeias serão capazes de o reproduzir total ou parcialmente. Todas estas questões-chave estarão na vanguarda do nosso trabalho na rede CHANGE! nos próximos meses, enquanto aguardamos ansiosamente pela partilha destas importantes lições de inovação na nossa variada rede de cidades.

Ferenc Szigeti

26 de julho de 2016

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