You are here

Como é que as Boas Práticas URBACT aspiram a uma maior sustentabilidade, em conjunto com os cidadãos e outras partes interessadas?

Edited on

28 December 2017
Read time: 5 minutes

O esforço conjunto em prol da sustentabilidade

As ocorrências e os tipos de eventos e catástrofes relacionados com as alterações climáticas (preocupações ambientais, de biodiversidade, humanas, sociais e societais) têm vindo a aumentar constantemente há mais de um século e, em especial, nas últimas décadas. Embora estas se observem maioritariamente a um nível geral, é ao nível local que os poderes públicos e os cidadãos devem atuar no sentido de implementar e de tomar medidas concretas para uma profunda mudança societal. Algumas Boas Práticas URBACT compreenderam muito bem este ponto e estão a desenvolver não só estratégias sustentáveis concretas e locais, mas também estratégias participativas: foi esta a questão abordada por Manchester (UK), Santiago de Compostela (ES), Milan (IT) e Tallinn (EE) no painel “Together for Sustainability” (Juntos pela Sustentabilidade) do Festival da Cidade URBACT, que se realizou em Tallinn, Estónia, a 5 de outubro de 2017.

A progressiva integração dos cidadãos nas políticas sustentáveis

A sustentabilidade tem sido promovida como conceito desde 1987. Desde então, a integração dos três pilares de desenvolvimento sustentável - económico, social e ambiental - tem-se tornado, aos poucos, uma constante na maioria dos domínios. Ao afastar-se do seu nicho, o conceito é agora amplamente aceite. Porém, perdeu o seu componente principal de mudança paradigmática. Todavia, existem outras abordagens, igualmente alternativas, que promovem a integração para além dos três pilares, com a introdução de outros pilares, como a cultura ou a saúde, bem como abordagens relacionadas com a transversalidade, a permacultura ou com modelos de transição.

“A melhor forma de tratar as questões ambientais é assegurar a participação de todos os cidadãos interessados a nível relevante.” O princípio n.º 10 da Declaração do Rio  já alertava para a necessidade de modificar a metodologia para abordar esta mudança global; referindo-se, mais concretamente, à inclusão dos cidadãos ao conceder-lhes tanto o acesso à informação, como a oportunidade de participar nos processos de tomada de decisão, incentivando a sensibilização e a participação do público mediante a ampla disponibilização de informações. A participação, o compromisso, a cocriação e o empoderamento são sublinhados por outras políticas e declarações: o Painel de Alto Nível sobre Sustentabilidade Global criado pelo Secretário-Geral da ONU , os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável , a Nova Agenda Urbana , o Pacto de Amesterdão  e a Agenda Urbana para a UE , bem como várias políticas nacionais, regionais e locais.

Como apoiar as mudanças comportamentais?

É uma questão em destaque na agenda política. De facto, o desenvolvimento sustentável exige o envolvimento individual ou coletivo dos cidadãos, porque as “mudanças comportamentais que dependam das motivações intrínsecas das pessoas são resilientes, uma vez que fazem parte da identidade do indivíduo em questão”, como afirma Olivier de Schutter . Para além das tradicionais abordagens lineares do topo para a base, adotadas maioritariamente em políticas públicas de contexto psicológico e psicossociológico, que evidenciaram as suas limitações, os quadros analíticos mais recentes permitem lidar com a questão dos comportamentos sustentáveis mediante uma abordagem prática , inserindo-os no domínio dos objetos, capacidades, conhecimento e valores que os tornam possíveis. Esta abordagem retira a culpa  atribuída frequentemente aos consumidores, pelas suas práticas não sustentáveis e direciona a abordagem para projetos mais construtivos, participativos e de cocriação. As cidades de Manchester (UK), Santiago de Compostela (ES), Milan (IT) e Tallinn (EE) procuraram dar resposta a esta questão, cada uma à sua maneira.

“MAIS DO QUE UMA ABORDAGEM DO TOPO PARA A BASE, PRECISAMOS DE CONFERIR PODER AOS CIDADÃOS”, Jonny Sadler , Manchester

O debate acerca do ponto de partida das ações para uma maior sustentabilidade já dura há décadas: devem ser do topo para a base, i.e. partindo dos poderes públicos, o que poderá implicar uma forte posição de controlo e de chefia por parte das instituições; ou da base para o topo, i.e. partindo dos cidadãos e de iniciativas locais, o que poderá originar uma falta de estruturação. Para além desta caricatura redutora, as Boas Práticas de Manchester no âmbito do programa “Culture for Climate Change” comprovou que, como referiu Jonny Sadler, Diretor do Programa na Agência de Alterações Climáticas de Manchester, cada uma das partes interessadas envolvidas neste processo deverá fazer o que lhe compete: quer se tratem de poderes públicos, agências, empresas, ONG ou cidadãos, todos são responsáveis e possuem competências ao respetivo nível. Nestas Boas Práticas, a abordagem de governação a vários níveis traduziu-se num forte envolvimento e cooperação com as ONG locais ligadas à arte e à cultura: através da criação da rede “Manchester Arts Sustainability Team” (MAST), a cidade de Manchester tem trabalhado com 30 organizações, desde 2010, para desenvolver formas inovadoras de mobilizar e de inspirar os cidadãos a atuar perante as alterações climáticas. Uma verdadeira cocriação só pode ter lugar com uma abordagem deste género, não só pelo processo em si, mas para garantir, também, uma implementação adequada.

“É PRECISO RECOMPENSAR OS CIDADÃOS PELAS SUAS ATIVIDADES”, Gennadi Gramberg , Tallinn

Os cidadãos participam nestes processos, porque estão fortemente vinculados aos valores que promovem e em nome dos quais atuam. Porém, um amigo meu estava a perguntar recentemente, ou melhor, a questionar-se, acerca do seguinte: “quem é que me vai agradecer pelo que estou a fazer, uma vez que existem tantas pessoas que não fazem nada ou, pior ainda, que não querem saber se deterioram deliberadamente o nosso planeta?”. As Boas Práticas “Spring Clean-up Campaign” apresentada por Gennadi Gramberg, Chefe da Divisão de Projetos e de Educação Ambientais do Departamento Ambiental de Tallinn, salientou a necessidade de recompensar os cidadãos, não obstante a energia e a atmosfera positiva que estes obtêm com a experiência. A campanha para limpar o sal das ruas, plantar árvores e flores e recolher o lixo nas praias banhadas pelo Mar Báltico já se realizou 26 vezes. As ações são visíveis, concretas e apresentadas como eventos festivos, fazendo-se acompanhar de chá e de papas de aveia. Para além de participarem na limpeza da sua cidade e de passarem momentos agradáveis, os cidadãos valorizam bastante os distintivos que recebem e que podem expor no seu casaco, tal qual um herói soviético, conferindo-lhes a sensação de ter agido positivamente em prol da sociedade.

 

“AS CRIANÇAS SÃO (RE)ATORES FUNDAMENTAIS PARA AS PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS” Marco Mazziotti , Milan

A cidade de Milão é muito conhecida em termos de atividades e de Políticas Alimentares Sustentáveis. A cidade recebeu o selo Boas Práticas graças às suas atividades estratégicas e operacionais, no âmbito do projeto “Food for Cities”. Foi com um saco de plástico, no qual figuravam as palavras “Io non spreco” (Eu não desperdiço), que Marco Mazziotti, Chefe dos Assuntos da UE do Departamento de Negócios Estrangeiros, na Câmara Municipal de Milão, explicou uma das atividades concretas que tem desenvolvido no âmbito da Lei sobre a Política Alimentar Urbana, desta feita a nível internacional: um trabalho que incide no desperdício alimentar nas cantinas escolares. Ao dirigir-se às crianças, o projeto pretende obter um duplo impacto: nas crianças e nos pais. Designadamente ao dar sacos de plástico às crianças, para que estas levassem as sobras das cantinas escolares para casa. Este procedimento, por sua vez, foi incluído na Estratégia da Cidade, a um nível mais alargado, tendo como objetivo estratégias alimentares mais sustentáveis em todo o ciclo urbano da alimentação (produção, processamento, logística, distribuição, consumo e desperdício). De forma a possibilitar a participação, a cidade de Milão adotou uma abordagem de quádrupla hélice ao longo do desenvolvimento e da implementação da estratégia.

 

“A PRÁTICA DE INCENTIVOS PODE APOIAR AS MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS”, Miguel Varela Pérez , Santiago de Compostela

As atividades lúdicas são, também, um motor de mudança, como demonstra Miguel Varela Pérez, presidente executivo da Teimas Desenvolvemento em Santiago de Compostela, através das Boas Práticas “Tropa Verde Rewarding Recycling”. O projeto, na sua íntegra, baseia-se na responsabilização dos cidadãos em adotar não só atitudes de reciclagem, mas também comportamentos mais circulares. Ao reciclar, os cidadãos recebem fichas que podem ser trocadas por ofertas sustentáveis, de produção não intensiva, como bilhetes para transportes públicos, cortes de cabelo ou refeições. Através da cooperação com pequenas lojas, as Boas Práticas incluem as atividades na vida quotidiana dos cidadãos, tornando a participação mais fácil, interativa e “divertida”. Tal teve, também, um efeito dominó sobre outras atividades das pequenas lojas e noutros comportamentos dos cidadãos.

 

O que pode ser transposto destas Boas Práticas URBACT para as outras cidades?

Muitas cidades europeias debatem-se com a forma como devem abordar a sustentabilidade a nível municipal. São várias as que ainda o fazem sem quaisquer referências, ao adotarem a abordagem tradicional de conceber políticas públicas e serviços locais dirigidos aos cidadãos, mas que não os incluem necessariamente neste processo. As Boas Práticas apresentadas anteriormente propõem alguns elementos que podem ser transpostos para outras cidades, com o objetivo de as auxiliar na transição:


• Os projetos sobre a sustentabilidade podem abranger uma vasta gama de tópicos: alterações climáticas, desempenho energético, limpeza e gestão de resíduos, (o direito à) alimentação, reciclagem e muitos outros;
• Os projetos podem aplicar-se a diferentes domínios de atividade: arte e cultura, decisões políticas, empreendedorismo e/ou cidadania;
• Os objetivos dos projetos podem ser: empoderamento, consciencialização, impacto visível na cidade, definição de uma visão, sistemas económicos alternativos e/ou cooperação internacional;
• Atuar em conjunto com partes interessadas e cidadãos relevantes, de forma a criar e a implementar as estratégias e as ferramentas adequadas. As partes interessadas podem ser: cidadãos, empresas, escolas, empresários e/ou responsáveis políticos;
• Os cidadãos podem ser mobilizados através de: prémios, ludificação, campanhas de consciencialização, campanhas “intensivas”, eventos culturais e/ou oportunidades de desenvolvimento de projetos;
• O município pode adotar a abordagem que melhor se adequar ao seu projeto, à sua cultura e aos recursos disponíveis: poderá assumir o papel de autoridade moral, coordenadora, facilitadora ou impulsionadora;
• Os projetos podem apresentar diferentes formas de laboratório: laboratórios vivos, centros de inovação, laboratórios orientados para o clima e/ou laboratórios de multimédia;
• Os projetos podem ser financiados por orçamentos do município, fundações privadas e/ou patrocinadores;
• Os projetos podem contribuir para uma estratégia política, para a renovação urbana, para uma plataforma cívica de financiamento coletivo e/ou atividades práticas.
Estas Boas Práticas ensinam, também, como apresentar o projeto de forma a despertar o interesse dos seus cidadãos e da sua administração e, ainda, a adotar uma atitude positiva e construtiva perante o seu esforço em prol de uma maior sustentabilidade.

Etiqueta de homepage: Ambiente

Texto da autoria de Marcelline Bonneau  apresentado a 24 Outubro 2017