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Cidades Promotoras da Igualdade de Género: um objetivo fácil de alcançar?

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20 February 2019
Read time: 4 minutes

A “Igualdade de Género” tornou-se um dos zeitgeists políticos de 2018, levando instituições em todo o mundo a analisar de forma mais aprofundada a forma como as mulheres e os homens interagem nas esferas pessoal, profissional e pública. Mas o que significa isso para as cidades europeias?

A nova iniciativa URBACT, Gender Equal Cities, procurou fornecer algumas respostas a esta questão complexa no Festival da Cidade URBACT, que se realizou em Lisboa este mês. Num Walkshop de meio dia, procedemos a uma análise in loco da cidade perguntando como e por que razão homens e mulheres vivem o espaço público de forma diferente e, o que é mais importante, o que pode ser feito para criar cidades seguras, inclusivas e promotoras da Igualdade de Género?

No decurso da nossa jornada iniciada pelo calor do meio da manhã, pudemos observar a cidade de Lisboa em toda a sua complexidade de género: mulheres idosas carregavam compras pesadas por calçadas íngremes, faziam pausas, inclinavam-se contra as paredes caiadas de branco, tentando encontrar alguma sombra. Uma das muitas jovens condutoras de tuk-tuk passou por nós apitando, enquanto guiava um grupo de turistas por entre o trânsito caótico de elétricos, autocarros e automóveis, quase todos eles conduzidos por homens. Os trabalhadores da construção civil e os agentes da polícia do sexo masculino ocupavam a calçada, fumando o seu cigarro das 11h00. Muitas vezes, o seu olhar seguia-a. À medida que atravessava as praças públicas, mães com crianças brincavam ao pé de estátuas de militares e do passado colonial. Poderá nem ter ocorrido à condutora de tuk-tuk como este ambiente poderá ter influenciado as suas ambições, interesses ou situação financeira. Esta é, talvez, uma perspetiva frequentemente menos considerada da vida citadina e algo que a nova iniciativa URBACT, Gender Equal Cities, pretende explorar.

A Cidade e o Género

Nós sabemos que as cidades são o nível de governo mais próximo das necessidades diárias dos cidadãos. Frequentemente constituem o maior empregador local e têm um controlo considerável sobre os serviços públicos. Todos estes fatores proporcionam oportunidades de atuação no sentido da superação da desigualdade de género, mas uma pequena caminhada pela cidade revelou que há obstáculos que persistem.

Desde a fraca iluminação pública que poderá fazer as mulheres sentirem-se inseguras até estereótipos negativos reproduzidos por publicidade sexista; de estátuas públicas a celebrarem o machismo à mobilidade que dá prioridade a veículos motorizados face aos peões; não é difícil ver os obstáculos que as mulheres com deficiência, pais e idosos poderão enfrentar na cidade. Identificar estes problemas, no entanto, é o primeiro passo necessário para os resolver. Os 40 profissionais urbanos europeus que se juntaram à nossa caminhada por Lisboa partilharam ideias, muitas vezes, associando as suas observações a experiências na sua própria cidade. Durante a sessão de feedback, algumas mulheres falaram sobre estratégias que desenvolveram para se deslocarem com segurança pela cidade, tais como evitar ruas diferentes, optando por percursos mais longos e modificando o seu próprio comportamento, por exemplo, ao vestir-se de forma diferente para evitar o assédio ou a violência. Um grupo chamou à atenção para a diferente representação de homens e mulheres nos espaços públicos, observando que as ruas têm muitas vezes nomes de homens famosos e as únicas mulheres que parecem ser dignas de nomes de ruas são santas e rainhas. Outro grupo debateu a perspetiva de género do boom turístico muito visível de Lisboa. Quem é o proprietário dos ativos agora disponibilizados através da Airbnb? Que tipo de empregos são criados para as mulheres? O que está a ser feito em relação à redução do espaço para as famílias no centro da cidade?

Participação: um assento em todas as mesas

O Walkshop demonstrou a necessidade de uma abordagem participativa no planeamento sensível ao género. As ONG portuguesas presentes, incluindo a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, Mulheres Sem Fronteiras e a Associação Mulheres na Arquitetura, salientaram que as cidades precisam de chegar até elas mais vezes e de reconhecer os conhecimentos especializados sobre igualdade de género que podem trazer para a mesa em diferentes domínios de ação. As ONG trabalham em estreita colaboração com mulheres de todos os meios, grupos socioeconómicos e idades, encontrando-se particularmente bem posicionadas para as consultar sobre as suas necessidades na cidade. De um modo geral, trata-se de uma questão de representação: as experiências e vozes das mulheres têm de estar representadas nos governos locais e no respetivo planeamento de forma a assegurar o seu “direito à cidade”. Esta necessidade básica de representação, consulta e dados desagregados por género foi enfatizada por todos, sendo estes processos que a sociedade civil está frequentemente particularmente bem posicionada para apoiar.

Graças ao exemplo de Boas Práticas URBACT de Umea (SE), sabemos como isto é na prática e que funciona: para ajudar as mulheres a tomarem de volta os espaços desportivos públicos, a cidade realizou uma consulta abrangente e descobriu que os espaços dedicados apenas a mulheres são, por vezes, necessários. Como o Ponto URBACT Nacional da Suécia salientou, coisas simples como mais iluminação pública e bancos de jardim mais baixos são maneiras baratas e fáceis de democratizar o espaço público, numa aprendizagem feita a partir das bases. As mulheres da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, da Associação Mulheres na Arquitetura e Mulheres Sem Fronteiras também salientaram que esta deve ser uma relação mútua: para se alcançar uma igualdade de género, as ONG precisam das cidades tanto quanto as cidades precisam de ONG.

“Não podemos simplesmente falar que as ONG devem trabalhar com as cidades, as cidades também precisam de estender a mão às ONG”, disse Alexandra Silva, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres.

Ligar os pontos: questões de governação multinível

Para encontrar soluções para os desafios observados em Lisboa, e prevalecentes na maioria das cidades europeias, o debate reorientou-se para a questão do papel dos enquadramentos locais, nacionais e internacionais. Tivemos a oportunidade de ter trabalhado com representantes regionais de redes europeias, incluindo o URBACT e o Conselho dos Municípios e Regiões da Europa (CMRE), políticos locais e grupos nacionais de mulheres. Ouvimos de Teresa Vicente, responsável pelas Igualdades em Cascais, signatária da Carta Europeia para a Igualdade do CMRE, a forma como o seu trabalho em comunicação sensível ao género, no âmbito da formação e do combate contra a violência doméstica nas relações entre jovens se relaciona com o movimento global pelos direitos das mulheres. Por parte de cada ator a mensagem foi clara: precisamos uns dos outros. Precisamos de trabalhar em conjunto e de apoiarmo-nos mutuamente.

Para que a igualdade entre homens e mulheres seja significativa, sustentável e inclusiva no que se refere aos múltiplos eixos de discriminação, temos que ser mais inteligentes na ligação de iniciativas locais com redes europeias e globais. Documentos como a Carta para a Igualdade do CMRE, juntamente com o SDG 5 sobre a Igualdade de Género, proporcionam a necessária vontade política ao mais alto nível para manter o ímpeto e responsabilizar as cidades por promoverem a igualdade de género. No Walkshop ficou claro que as cidades têm um papel a desempenhar na tradução destes documentos para os seus cidadãos, para remover as barreiras linguísticas ou de jargão e aplicar as suas mensagens ao contexto local. As redes e intercâmbios a nível nacional também podem promover a aprendizagem sobre o que funciona para se promover a igualdade de género em diferentes contextos culturais.

Cidades para todos

A cidade tem inúmeras ferramentas para utilizar na prossecução da igualdade de género. Os 30 artigos da Carta Europeia para a Igualdade do CMRE explicam de forma clara as medidas concretas que as cidades podem tomar. Como empregador pode definir como prioridade a igualdade salarial, o trabalho flexível e a progressão na carreira para as mulheres; como prestador de serviços públicos pode consultar as mulheres para garantir que os serviços são concebidos com as necessidades de todos os cidadãos em mente; e como educador pode desempenhar um papel essencial na desconstrução de estereótipos de género negativos.

O que aprendemos em Lisboa é que quando abrimos os olhos encontramos provas à nossa volta da razão e do modo como a cidade está dividida em géneros. Também aprendemos que a cidade tem um papel fundamental, mas não pode agir sozinha. Ao tornar-se um intermediário efetivo entre os objetivos globais, a agenda europeia, a política nacional e local, o ativismo de base e as próprias mulheres, as cidades podem fazer progressos no sentido de se tornarem cidades inclusivas para todos.

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Texto da autoria de Jenna Norman e Sally Kneeshaw