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Cidades em migração – Uma conversa com Anne Bathily sobre integração

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22 June 2018
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Conheci Anne Bathily, perita em políticas de integração, antiga responsável do Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados (ECRE) e atualmente ligada ao ACNUR para o Norte da Europa, nas primeiras reuniões da parceria para a Inclusão de migrantes e refugiados da Agenda Urbana para a União Europeia.

Desde então, temos mantido um diálogo informal constante e sempre enriquecedor sobre o papel das cidades na integração dos migrantes e dos refugiados.

Este artigo é uma compilação das nossas conversas, procurando analisar formas de capitalizar o trabalho realizado pela rede URBACT Arrival cities nos últimos dois anos.

O programa URBACT fornece o quadro para a criação de grupos de partes interessadas a nível local, os Grupos Locais URBACT, estabelecendo igualmente a ligação com as administrações nacionais e europeias na coordenação de políticas inclusivas.

A rede Arrival Cities mostra as diferentes facetas dos desafios que se colocam às cidades, como a urgência de responder a necessidades de curto prazo (alojamento, acesso à saúde, educação, apoio social) bem como a longo prazo (proteção da infância, assistência a nível de saúde física e mental e situações de violência baseada no género).

Contudo, o URBACT lida com uma situação em rápida mudança, na qual o aumento dos sentimentos xenófobos e antimigração são apoiados por partidos políticos em diversos países europeus, criando um ambiente mais hostil para o investimento em políticas de integração.

Políticas de integração de nacionais de países terceiros

O termo "nacionais de países terceiros" abrange uma diversidade de pessoas (estudantes estrangeiros, trabalhadores de países terceiros, pessoas que procuram proteção internacional, pessoas sem documentos, membros da família, etc.) com diferentes direitos, oportunidades e dificuldades. Embora algumas políticas ou medidas de integração possam ser direcionadas para grupos específicos, de acordo com os interesses dos Estados ou das cidades (como estudantes ou trabalhadores qualificados), outras são desenvolvidas de acordo com canais específicos de migração (por exemplo, refugiados reinstalados ou deslocados). Alguns grupos não são abrangidos por nenhuma política de integração, embora vivam no território (pessoas sem documentos).

Embora a integração seja um processo a longo prazo e, talvez, nunca acabado (se entendido à luz do termo "coesão social"), as segundas e terceiras gerações de descendentes das "vagas" iniciais de migrantes são nacionais e de países terceiros. Um dos objetivos dos atuais debates e investimentos na integração de recém-chegados é, exatamente, evitar os erros do passado que deram origem a problemas de coesão social a longo prazo.

Paradoxos da integração

Desde as chegadas súbitas de 2015-2016 e da crise política de 2015 que se seguiu, que a questão da integração dos nacionais de países terceiros e, em particular, dos refugiados, tem sido alvo de grande atenção. Isto resultou no desenvolvimento de políticas de integração, num maior intercâmbio entre partes interessadas a todos os níveis, no envolvimento de novas partes interessadas (por exemplo, o setor privado ou os profissionais tecnológicos), num aumento do investimento financeiro, na atenção da comunicação social, etc. - curiosamente, mesmo em países que receberam poucos refugiados e migrantes. Simultaneamente, esta tornou-se numa matéria bastante sensível a nível político, que levou à implementação de restrições e ao aumento de discursos e de atitudes negativas.

Atualmente, encontramo-nos numa situação paradoxal na maioria dos países europeus, onde, por um lado, uma rápida integração é a prioridade de boa parte das autoridades (incluindo as cidades) e das partes interessadas, enquanto, por outro lado, outras autoridades implementam medidas dissuasoras e contraprodutivas para a integração (por exemplo, tratamentos diferenciados entre estatutos, duração das autorizações de residência, obstáculos à renovação das autorizações, ao reagrupamento familiar, aquisição de cidadania, etc.).

Na prática, isto significa, por exemplo, que embora determinados Estados e a União Europeia afetem recursos para integrar pessoas no mercado de trabalho, alguns Ministérios do Interior reduzem a duração das autorizações de residência, criando deste modo um desincentivo ao emprego dos recém-chegados.

Papel das cidades na integração dos recém-chegados

As cidades lidam com todas as alterações e paradoxos da integração. São uma espécie de barómetro da implementação política e, nesse sentido, tanto podem facilitar como comprometer a implementação das políticas de integração. Em última análise, as cidades são o local onde podemos observar os impactos concretos das políticas, não só em relação à população estrangeira, mas ao conjunto da população.

Algumas das referidas restrições à integração são concebidas a nível supralocal, tornando a prestação de serviços mais complexa a nível da cidade devido, por exemplo, ao aumento da vulnerabilidade associada a determinados grupos de migrantes e de refugiados. Por outras palavras, as administrações municipais têm de lidar não só com o impacto de políticas que estão para além das respetivas competências, como também com tensões sociais, nas quais os estrangeiros são cada vez mais apontados como bodes expiatórios dos problemas socioeconómicos.

É interessante observar como é que algumas cidades decidem e conseguem ultrapassar algumas destas barreiras para imporem uma visão inclusiva da integração que é benéfica para todos. Nos últimos três anos, temos visto as cidades tornarem-se muito mais ativas no processo de acolhimento e integração, tanto a nível nacional como da UE.

As grandes cidades possuem uma voz mais forte, enquanto iniciativas interessantes de cidades de pequena e média dimensão sofrem, frequentemente, de falta de visibilidade. Há, também, muitos exemplos de cidades que têm acolhido ativamente os recém-chegados, apesar do ambiente político hostil a nível nacional (entre as cidades que assumiram posições oficiais contra o respetivo governo encontram-se, por exemplo, Grande Synthe - Calais (FR), Gdansk (PL); Erlangen (DE) e Ghent (BE)).

Sendo patente a complexidade dos desafios que enfrentam e a criatividade evidenciada nas soluções encontradas, as cidades são, agora, amplamente reconhecidas enquanto importantes partes interessadas na integração. A questão é saber em que medida é que as cidades irão adotar políticas de integração e migração e contribuir para a paz social. Este é o verdadeiro desafio.

Podem coligações de cidades e programas como o URBACT fazer a diferença no contexto europeu?

O desenvolvimento de capacidades é, obviamente, uma área para a qual as redes URBACT contribuem. Relativamente às questões da integração e devido ao facto de os desafios estarem associados a políticas para além da competência das cidades, é crucial reforçar os conhecimentos que as cidades têm em matéria de migração e asilo.

O desenvolvimento de capacidades não pode ser feito de forma compartimentada, devendo antes ser multidimensional (coordenação das várias partes interessadas tanto a nível nacional como local). O desenvolvimento de capacidades permitirá equipar melhor as cidades e a forma como estas fornecem serviços aos recém-chegados (por exemplo, o acesso à informação é uma das maiores dificuldades dos recém-chegados, independentemente do respetivo estatuto).

Embora as cidades estejam, obviamente, mais afirmativas, estas ainda não têm formas eficientes para comunicar a nível nacional e europeu. A capacidade das cidades para chegar a uma audiência mais alargada irá determinar a respetiva esfera de influência. A parceria para a Inclusão de migrantes e refugiados da Agenda Urbana para a UE ocupa-se destas questões e o URBACT é parte deste processo.

Acima de tudo, é urgente alterar a forma como de um modo geral a migração é percecionada. Num contexto onde a pobreza e a desigualdade estão cada vez mais associados a um mundo globalizado, a migração é, antes de mais, entendida como uma ameaça, num fenómeno exacerbado por questões de segurança. A atual importância da integração e o papel das cidades oferecem, talvez, uma oportunidade única.

As cidades são espaços de mobilidade e de estabelecimento. Embora a integração seja ainda vista como um processo para o estabelecimento num local, a prática e a realidade nas cidades mostram um quadro muito mais complexo e dinâmico.

Da mesma forma que as pessoas têm várias identidades (sendo ou não estrangeiras), estas evoluem em diversos espaços (geográficos ou virtuais).

Esta multiplicidade não concorre com a participação local. De facto, pode mesmo ocorrer o oposto. Uma integração bem-sucedida está frequentemente associada a atividades transnacionais (negócios, desenvolvimento, cultura, etc.); quando as pessoas sentem que pertencem a um local e não têm de lidar com questões de integração, a respetiva capacidade de participação aumenta. As cidades podem liderar esta visão da integração.

Outro aspeto importante no nosso contexto europeu é o facto de as restrições nas áreas da migração e do asilo terem impedido os refugiados e os migrantes de circularem dentro da Europa. Na realidade, as pessoas deslocam-se de país para país, de cidade para cidade. Este fenómeno coloca uma série de desafios de ordem jurídica e prática. Todavia, o empenho dos Estados na gestão da mobilidade conduz, de facto, a situações absurdas. Obrigar as pessoas a permanecerem no mesmo lugar nunca trouxe qualquer tipo de solução sustentável e a história recente da Europa oferece diversos exemplos.

A integração, obviamente, ocorre a nível local. Todavia, nunca é de mais sublinhar, que a integração no contexto europeu não pode ser restringida ao estabelecimento num único lugar. Como qualquer outro cidadão da UE, depois da atribuição de um estatuto, as pessoas devem poder estudar, trabalhar e viver onde possam, e integrar-se onde encontrem oportunidades. Esta deve ser a visão europeia da integração.

Algumas cidades vivem já esta realidade e deveriam promovê-la ainda mais.

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Texto da autoria de Laura Colini.