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CADEIAS CURTAS DE ABASTECIMENTO ALIMENTAR - Relocalizar a produção para capacitar os atores e tornar os territórios resilientes

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06 December 2021
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As Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar (CCAA) recuperam o formato tradicional de venda direta para se posicionarem como uma alternativa às longas cadeias que caracterizam o sistema alimentar global, um modelo que foi claramente identificado como insustentável. A própria estratégia "da exploração agrícola à mesa" da UE sublinha o valor desta necessária aproximação entre produtores e consumidores, entre as zonas rurais e urbanas. Tudo isto num contexto em que coexistem formas de consumo irresponsável - basta mencionar a elevada percentagem de perdas e desperdícios ou o problema da fome e doenças a ela associadas - a par de iniciativas de prosumerismo que visam reduzir estas distâncias e gerar modelos alternativos, sustentáveis e de base local. Embora reconhecendo impactos positivos em termos sociais, há ainda aspetos a serem explorados nas áreas económica e ambiental, decorrentes da expansão do modelo de Cadeias Curtas de Abastecimento. Algo semelhante ocorre na perspetiva de melhorar a saúde e nutrição de toda a população, assim como a democratização e justiça relacionadas com a governação alimentar. É neste contexto que as autoridades regionais e locais, juntamente com os produtores e consumidores, podem reforçar as iniciativas estratégicas que apoiam em definitivo um sistema alimentar sustentável, tal como promovido pela Declaração de Glasgow sobre Alimentação e Clima, recentemente assinada pela rede FOOD CORRIDORS.

"Disse pepinos?"

"Sim, são pepinos, sem dúvida."

"Acabou de me dizer que não são identificáveis."

"A lista não funcionou, mas conheço um pepino quando vejo um, Ildi."

Quando um pepino não é um pepino: um conto da UE sobre alfândegas e classificações

(Journeys, how travelling fruit, ideas and buildings rearrange our environment. Actar, 2010)

 

CADEIAS CURTAS, CADEAIS LONGAS

 

As cadeias longas dominam o mercado alimentar mundial. Paralelamente, as cadeias curtas, graças a fórmulas tradicionais e inovadoras, estão presentes através de numerosas iniciativas em muitos nichos de mercado.

 

Neste contexto, as Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar (CCAA) têm registado uma crescente expansão nas últimas décadas, impulsionadas por produtores ansiosos por melhorar a sua posição no mercado, consumidores preocupados em encontrar alimentos locais, saudáveis e a preços acessíveis, bem como políticas inovadoras destinadas a tornar o sistema alimentar regional e local mais resiliente e sustentável.

 

Grande parte do movimento CCAA contemporâneo, nomeadamente a Agricultura Comunitária (AC), surgiu no Japão e nos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970. Juntamente com os amplamente conhecidos grupos de AC e esquemas de cabazes, os Mercados Agrícolas nas suas diferentes versões são o modelo mais frequentemente reproduzido no âmbito da grande variedade de instrumentos criados no vasto mundo da AC. Além disso, entre outros, as vendas diretas em explorações agrícolas, lojas de produtores, máquinas de venda automática, vendas na estrada, iniciativas promovidas coletivamente por consumidores como jardins sociais ou cooperativas de consumidores, restaurantes Km0, contratos públicos ou centros alimentares são alguns desses mecanismos, objeto de um processo acelerado de inovação assente na transformação digital.

 

Muitas destas ferramentas digitais, tais como eatlocal, localfoodloop, oddbox, farmgenerations, crowdfarming, entre muitas outras, visam facilitar cadeias curtas de produção e consumo, bem como reduzir o desperdício alimentar ou promover a produção local. Algumas plataformas de código aberto, como a Open Food Network, acrescentam um elemento de democratização e colaboração a estes objetivos.

 

Por outro lado, o surto da pandemia de Covid-19 pôs em evidência a vulnerabilidade do sistema alimentar mundial, ao mesmo tempo que fomentou a aproximação entre consumidores e produtores, melhorando a confiança entre eles e facilitando o quadro operacional (transporte, organização logística, preços, pagamento eletrónico, sinergias e colaboração entre diferentes partes da cadeia de valor, etc.).

 

Por todas estas razões, as CCAA revelam-se cruciais na promoção de estratégias integradas de desenvolvimento alimentar nos nossos municípios, cidades e regiões.

O QUE SÃO CADEIAS CURTAS DE ABASTECIMENTO ALIMENTAR?

 

Definição

 

O desenvolvimento conceptual e a experimentação política envolvendo cadeias ou circuitos curtos na UE progrediu ao longo do século XX, de expressões tradicionais para expressões renovadas ou completamente inovadoras. Em suma, o conceito CCAA combina a ideia de vendas diretas com a produção local e as fronteiras territoriais. As CCAA baseiam-se assim em aspetos complementares de proximidade social, territorial e organizacional. A Comissão Europeia (2011, 2013) define, no âmbito da regulamentação do desenvolvimento rural europeu, as CCAA como "uma cadeia de abastecimento que envolve um número limitado de operadores económicos, empenhados na cooperação, no desenvolvimento económico local e nas estreitas relações geográficas e sociais entre produtores, transformadores e consumidores".

 

Uma redefinição do referido conceito poderia qualificar de forma variável o papel da intermediação, dependendo da sua necessidade, assim como o fator tempo entendido como outro elemento chave da proximidade necessária ao ligar produtores e consumidores (SMARTCHAIN, 2021). Outro aspeto crucial a ser considerado diz respeito à forma de garantir a transparência e, quando apropriado, a certificação das CCAA.

Expansão

 

As CCAA estão a evoluir de forma diferente na União Europeia (Chiffoleau & Dourian, 2020). Assim, na região do Mediterrâneo, os mercados ao ar livre combinaram as vendas diretas dos produtores com os retalhistas, que geralmente comercializam produtos de cadeia curta e longa. A presença dos produtores nos mercados cobertos foi reduzida devido à crise destas instalações ou à sua conversão em espaços gastronómicos ligados a produtos gourmet, restaurantes e outros tipos de lojas especializadas. Neste sentido, algumas iniciativas apelam a um relançamento dos mercados como lugares públicos e serviços comunitários promovendo estratégias de economia circular (Cooperativecity, 2019). Na região do Mediterrâneo também encontramos exemplos bem sucedidos de CCAA, neste caso na Itália, capazes de integrar diferentes tipologias como mercados alimentares, lojas de produtores, restaurantes Km0, etc.. Um caso digno de nota é a iniciativa Campagna Amica, recentemente apresentada pela rede FOOD CORRIDORS.

 

Nos países anglo-saxónicos, os mercados de produtores têm beneficiado de um novo formato de vendas ao ar livre desde os anos 70, com a participação bem sucedida de produtores e apoio governamental no caso dos Estados Unidos, através do USDA Farmers Market.

 

Na Europa de Leste, o abastecimento local, em diferentes formatos, ainda mantém uma presença importante, combinando autoconsumo e jardins sociais. À sua volta, alguns sobrevivem e outros florescem, em mercados cobertos e não cobertos, juntamente com iniciativas embrionárias de AC e Km0.

 

Nos países escandinavos e bálticos, um setor gastronómico dinâmico baseia as suas iniciativas na produção de proximidade, fomentando círculos virtuosos de colaboração, tal como se pode observar na LAG TARTU, o parceiro estónio do projeto FOOD CORRIDORS. Este intercâmbio é evidente nas diversas relações entre os restaurantes mais inovadores da cidade de Tartu e as produções rurais do município. Paralelamente, os residentes urbanos beneficiam de produções locais através de uma extensa rede de festivais ao longo do verão. Neste contexto, LAG TARTU está a desenvolver uma iniciativa de pequena escala, apoiada pelo URBACT, destinada a introduzir práticas sustentáveis nestes festivais, uma experiência que sem dúvida contribuirá para a ecologização do programa da Capital Europeia de Tartu 2024.

IMPACTOS E SUSTENTABILIDADE DAS CCAA

 

Afirma-se frequentemente que as CCAA são mais sustentáveis do que as cadeias longas. Mas será esta afirmação verdadeira? Para que tal se verifique, "uma cadeia de abastecimento alimentar sustentável deve gerir os impactos económicos, sociais e ambientais da entrega de produtos e serviços, assegurando valor a longo prazo para todos os interessados" (Sisco et al, 2010).

 

Embora a análise clássica do Sistema Alimentar se tenha centrado na produtividade e na geração de riqueza, esta tem progressivamente dado lugar a uma abordagem baseada em múltiplos critérios socioeconómicos e ambientais. Neste sentido, as CCAA têm sido abordadas como uma teia de valores (Block, Thompson et al., 2008) e particularmente de uma perspetiva multidimensional (Chiffoleau e Dourian, 2020), destacando os seguintes aspetos:

 

- Economia. De acordo com os resultados de diferentes inquéritos realizados em França (2009-2014) e num grupo de 7 países europeus no âmbito do projeto STRENGHT2FOOD (2019-2020), as CCAA aumentam o rendimento e o volume de trabalho dos produtores, geram emprego e contribuem para a economia local. Adicionalmente, muitos desses produtores praticam agricultura biológica, misturam diferentes cadeias curtas, e envolvem-se em estratégias de colaboração com outros produtores. É possível alcançar-se um maior impacto local com a implementação de mais iniciativas ligadas aos princípios da economia circular e colaborativa e do envolvimento de novos atores e setores.

 

- Social. As CCAA reforçam as relações sociais, estimulam a inovação social e a ação coletiva, valorizam o trabalho das mulheres, embora em alguns casos se alegue que podem ser inacessíveis às classes mais desfavorecidas. As experiências das CCAA, como a liderada pela associação SUBBETICA ECOLOGICA em Espanha, em linha com a Economia do Bem Comum, têm entre seus objetivos facilitar o acesso de todos os consumidores a alimentos frescos, locais e biológicos. Para isso, combina um sistema de preços transparente e democrático, um modelo de gestão eficiente e o compromisso dos seus membros, que contribuem voluntariamente com o seu tempo para a organização. Da mesma forma, estudos comparativos entre os preços dos alimentos de cadeias curtas (mercados) e longas (supermercados) mostraram como os preços dos primeiros, mesmo quando oferecem produtos biológicos, podem ser muito competitivos em relação aos segundos (Sacco dos Anjos, 2020). Além disso, experiências como a do Gruppi di Acquisto Solidale (GAS) em Itália sublinham o poder destas redes agroalimentares alternativas, que surgiram para contrariar as múltiplas deficiências geradas pelo sistema alimentar mundial.

Avaliar a inovação social das CCAA é uma recomendação que visa medir como um ator ou organização entende as suas várias dimensões (económica, ambiental, sociocultural, governação e influência). O projeto SMARTCHAIN criou uma ferramenta prática para este fim chamada SIAT (Modelo de Avaliação da Inovação Social).

 

- Ambiente. A maior ou menor emissão de gases com efeito de estufa é relativa, estando ligada à organização logística existente. Um ponto crítico está relacionado com as emissões dos transportes por todas as partes da cadeia em diferentes fases. Todas as melhorias logísticas e operacionais baseadas numa melhor coordenação logística e distribuição eficiente devem ser cuidadosamente consideradas, a fim de reduzir os impactos ambientais.

 

No entanto, há um aspeto muito importante a observar em cadeias curtas quando estas exploram positivamente a sua eficiência, o que permite aos produtores planear as suas colheitas, evitando as frequentes e pesadas perdas que caracterizam as longas cadeias em qualquer das suas fases (produção, processamento, distribuição e consumo), com todos os impactos negativos que isto implica em termos de exploração dos recursos naturais, custos e emissões dos transportes, geração de excedentes e resíduos, etc..

 

Por outro lado, as CCAA preservam a agrobiodiversidade e promovem práticas agroambientais positivas, já que muitas delas estão associadas à agricultura biológica, agroecológica ou regenerativa e à produção animal.

 

- Saúde e nutrição. As CCAA promovem dietas mais saudáveis e nutritivas, fornecendo alimentos frescos, sazonais e, em muitos casos, biológicos. As chamadas "dietas sustentáveis" estão frequentemente associadas a tais estratégias e organização dos mercados agroalimentares. Constituindo simultaneamente uma ferramenta educacional e cultural inestimável, tão necessária para acompanhar as mudanças no modelo de produção, envolvendo académicos, instituições e profissionais da área da saúde pública, educadores e escolas, grupos de pais, consumidores e outros. Reforçar as sinergias entre a promoção de dietas saudáveis nas cidades e o desenvolvimento de cadeias curtas é essencial para garantir o sucesso de ambas as iniciativas e não depender da oferta de cadeias longas, algo que tem sido confirmado por experiências como a liderada pela cidade sueca de Södertälje através da iniciativa Dieta para um Planeta Verde.

 

- Governação. A crise alimentar mundial manifesta-se através de múltiplas evidências, como a pressão ecológica sobre os recursos e sua degradação, os problemas nutricionais que afetam mais de um quarto da população do planeta devido à fome ou à sobrenutrição, e a crescente impossibilidade de acesso a alimentos saudáveis.  Tudo isso gera um problema de segurança alimentar ao qual as políticas públicas devem dar resposta. Sendo que a corrente dominante não está a responder eficazmente a este desafio global. As CCAA equilibram precisamente as relações de poder na cadeia de valor, capacitando produtores e consumidores na tomada de decisões e na partilha de benefícios.

 

Simultaneamente, as cidades começaram a liderar propostas estratégicas destinadas a deslocalizar a produção e o consumo alimentar como forma de combater esta crise em torno de um elemento central para a sobrevivência de uma população cada vez mais urbanizada. Vale a pena refletir sobre que alternativas estão a ser testadas em termos de governação. Neste sentido, estas estratégias urbanas compreenderam que as soluções "locais" devem estender-se para além das fronteiras do município, a um nível regional. Assim, a governação desses modelos alternativos gira em torno de um conjunto de interações entre instituições, sociedade civil e grupos de produtores e empresas da cadeia alimentar territorial com base na integração vertical, horizontal e territorial a múltiplos níveis. Neste sentido, a conceção completa e a proposta operacional destas estratégias necessitam de fórmulas coerentes e fortes para assegurar os recursos, os compromissos e o tempo necessários para uma implementação bem-sucedida a médio e longo prazo.

COMO PROMOVER AS CCAA

 

Diversas barreiras dificultam o desenvolvimento futuro e sustentável das CCAA. Entre as quais:

 

> As relacionadas com o produtor:

 

Muitas vezes o seu fornecimento é pequeno e baseado em produtos perecíveis.  Dispõem de infraestruturas e equipamentos limitados para armazenamento, processamento e distribuição. A força de trabalho é pequena, geralmente de base familiar. Suportam custos logísticos e de acesso ao mercado elevados, pois não têm economias de escala. Não têm uma ligação e relação fácil com os consumidores, pois não dispõem de tempo e recursos adequados. Têm uma articulação frágil e pouca colaboração com outros membros da cadeia de valor, o que leva a uma fraca capacidade de negociação. Têm também dificuldade em competir com os preços normais de mercado, assim como falta de conhecimento e informação.

Esta acumulação de fraquezas causa um desafio organizacional permanente com os correspondentes efeitos secundários negativos, tais como má adaptação, tempo adicional ou dificuldades de planeamento.

 

> As relacionadas com a política:

 

Ausência de políticas de apoio específicas, tais como reconhecimento, incentivos económicos e fiscais, promoção, etc.. Regulamentos complexos e não harmonizados, com altos níveis de burocracia, requisitos sanitários excessivos ou medidas de certificação complexas e dispendiosas.

Através dos mercados municipais, os municípios têm um instrumento de apoio eficaz e decisivo para promover canais curtos e, portanto, políticas económicas, ambientais e nutricionais locais. No âmbito da rede FOOD CORRIDORS, a cidade grega de Larissa (145.000 habitantes) promove, desde 1972, 17 mercados semanais ao ar livre, localizados em diferentes partes da cidade, com cerca de 60 a 350 bancas, em que os vendedores recebem entre 200 e 5.000 clientes. A satisfação é geral e o grande desafio é limitar os inconvenientes para a população que vive na zona onde se localizam os mercados. Em Alba Iulia (75.000 habitantes, Roménia), um mercado municipal permanente, recentemente renovado, ocupa 4500 m2, com a maioria dos produtos alimentares, agrícolas e animais do município de Alba. Além disso, o município organiza um Mercado de Produtores Temporário combinado com outros mercados privados. Entre a iniciativa municipal e a satisfação geral dos produtores, porém, há uma certa inércia, exacerbada pela pandemia de Covid-19 e pela perceção dos consumidores de que os preços são mais elevados. O caso da Figueira da Foz em Portugal é um bom exemplo da combinação de um mercado clássico com uma boa especialização em peixe e legumes, e a existência de outro tipo de lojas e locais de serviços, o que prolonga os horários de abertura e diversifica o público, beneficiando ainda da atração muito positiva e benéfica dos turistas com o consequente impacto nas redes sociais.

 

> As relacionadas com o consumidor:

 

É comum encontrar um público conhecedor entre o perfi de consumidores habituais das CCAA, o que convida à reflexão sobre a necessidade de atrair uma clientela mais jovem. A oferta das CCAA precisa de se adaptar às expetativas e condições de compra dos novos consumidores em termos de horários de abertura, preços, formatos, dieta, cultura gastronómica, etc..

Dois mecanismos básicos - a inovação social através de uma abordagem de colaboração na busca de soluções entre produtores e consumidores; o apoio político através de estratégias lideradas por administrações públicas integradas a diferentes níveis - podem contribuir para a promoção eficaz das CCAA.

 

1. A inovação produtiva

Os produtores podem tentar melhorar a sua competitividade de muitas maneiras, tais como aumentar as vendas, implementar melhorias logísticas, criar novas cadeias de vendas, aumentar o valor acrescentado dos seus produtos ou prolongar a sua vida útil.

Às vezes soluções efémeras e informais, como a proposta pela Comunità Frizzante, podem proporcionar a criatividade e o risco necessários para promover formas inovadoras capazes de experimentar a aplicabilidade prática, a viabilidade tecnológica e financeira, a idoneidade social e operacional válidas para diferentes formas de CCAA. Ao lado destas marcas ou rótulos coletivos, muitas outras alternativas podem ser testadas: supermercados cooperativos e outras formas coletivas de pontos de venda, ferramentas de marketing, mercado online, visitas aos produtores, certificação de qualidade e modelos de certificação.

2. Inovação para o consumidor

Há muitas iniciativas inovadoras que os consumidores podem incentivar de modo a privilegiar o modelo relacional que distingue as CCAA: a cultura e educação; a gastronomia e dietas saudáveis; voluntariado; sociabilidade e desenvolvimento de eventos locais; colaboração com escolas e cantinas escolares; boas práticas na comunicação social, apoiando ideias inovadoras através de crowdfunding participativo...

Na prática, a famosa fórmula associativa utilizada pela rede AMAP (Associations pour le maintien d'une agriculture paysanne) em França e pelo GASAP (Groupe d'achats solidaires de l'agriculture paysanne) na Bélgica, é um caso de sucesso de ações orientadas para o consumidor com o objetivo de desenvolver relações mutuamente benéficas com os produtores locais.

 

3. Apoio político

A promoção das CCAA pelos decisores políticos pode efetivar-se através de diversos meios:

- Programas de apoio e desenvolvimento do quadro legislativo. Incentivar estratégias territoriais como os Projets Alimentaires Territoriaux em França conduzidas pelo governo central e as regiões, ou o caso dos Biodistritos em Itália e alguns outros países, como Portugal ou Espanha.

- Impulsionar os produtos biológicos. O  governo francês estabeleceu que até 2022 50% dos produtos para estabelecimentos de restauração devem ser de produção biológica, possuir certificado de qualidade ou ser oriundo de CCAA. Na Hungria, o governo nacional, no âmbito da estratégia de desenvolvimento rural 2020, está a promover o desenvolvimento de um sistema de certificação de qualidade para ligar de forma positiva a produção local e a gastronomia.

- Promoção e Apoio. Em Madrid (Espanha), o município através do projeto MARES (Programa UIA) desenvolve diferentes iniciativas de CCAA e Km0. Em Wallonie (Bélgica), o governo regional promove desde 2011 uma rede de centros alimentares (Halls relais agricoles) que funcionam como locais de recolha, transformação e distribuição com o objetivo de facilitar a colaboração e a expansão dos produtores e consumidores envolvidos nas CCAA. Em Paris, o município e vários organismos públicos apoiaram fortemente o lançamento em 2017 e as operações subsequentes do La Louve, o primeiro supermercado cooperativo a abrir em França na sequência do pioneiro Park Slope Food Coop, inaugurado em Nova Iorque em 1973. Sendo que, muitos outros foram abertos nos últimos anos em cidades como Toulouse, Lille, Grenoble e Montpellier.

- O desenvolvimento de marcas locais, promovido pela cooperação entre os próprios produtores e as administrações locais, parece ser uma estratégia adequada para incentivar o seu crescimento e gerar identidade e prestígio ligados à origem.

- Os regulamentos da UE, nacionais e regionais apoiam o estabelecimento e a promoção de CCAA e dos mercados locais através da Política Agrícola Comum, mas também de alguns outros programas de desenvolvimento urbano integrado e cooperação.

- A legislação da UE também contribuí através de políticas específicas de apoio à produção biológica, regulação e promoção da qualidade e segurança dos alimentos e produtos agrícolas.

 

APOIAR LIGAÇÕES PARA GANHAR SUSTENTABILIDADE

 

Alguns estudos (Brunori et al, 2016) demonstraram que as cadeias globais e locais não se excluem ou opõem mutuamentee, portanto, podem dar origem a um amplo espetro de formas híbridas entre os dois modelos, dependendo da configuração espacial, identidade do produto, distância física, dimensão da exploração, governação e recursos tecnológicos utilizados.

 

É muito importante reconhecer estas combinações ao definir estratégias alimentares ou planos de ação para cidades ou regiões, sendo-se realista na conceção e objetivos a estabelecer. O conceito de foodshed (região geográfica de produção e consumo de alimentos) pode contribuir para um diagnóstico e plano exequíveis. Esta foi a abordagem adotada pela cidade francesa de Avignon. A dimensão regional, assim entendida, é fundamental em termos de escala de produção e consumo, gestão, enquadramento regulamentar, monitorização dos impactos e elemento integrador das políticas regionais.

 

Além disso, os produtores frequentemente participam simultaneamente em múltiplas cadeias de mercado (cadeias curtas e longas), demostrando um funcionamento "híbrido".

 

Através de formas inovadoras de acrescentar valor, os produtores podem reforçar o valor do seu produto através da criação de modelos de negócio novos e sólidos. Para o efeito precisam geralmente de beneficiar de economias de escala promovendo soluções cooperativas horizontais (entre produtores) e verticais (com outros elos da cadeia de valor - subfornecedores, retalhistas, consumidores). Como resultado, podem ser criados novos espaços de produção, transformação e venda (oficinas, centros, lojas, mercados...), abrindo-se frequentemente também lugar a um quadro territorial mais amplo (província, departamento, região).

 

Por outro lado, os consumidores mostram atitudes favoráveis em relação aos produtos de CCAA e à sua qualidade. No entanto, como já referimos, estes produtos nem sempre estão ao seu alcance, seja devido à sua escassez, ao acesso limitado, ao preço elevado, à falta de conhecimento ou à ausência de cadeias específicas. A proliferação de pontos de venda (muitas vezes efémeros, como os bem sucedidos REKO-rings promovidos na Finlândia e noutros países nórdicos) é uma das formas experimentadas para fazer face a estas discrepâncias. São propostas baseadas na colaboração entre produtores para ampliar a gama de produtos, cooperação com centrais de compras e pequenas empresas locais, ações educativas e na comunicação social para informar sobre a origem, qualidade e preço dos produtos, etc..

O CAMINHO PARA INCORPORAR AS CCAA EM PLANOS DE AÇÃO LOCAIS INTEGRADOS

 

Graças ao enquadramento proporcionado pelas políticas da UE, nomeadamente a Estratégia "da Exploração Agrícola à Mesa", a Política Agrícola Comum (PAC), o Programa LEADER e os conhecimentos gerados pelas diferentes iniciativas e projetos de investigação (SKIN, STRENGTH2FOOD, SMARTCHAIN...) e cooperação (INTERREG, URBACT), dispomos do contexto e dos recursos necessários para referir algumas linhas do caminho a seguir pelas cidades e regiões que desejem abordar a complexa questão alimentar numa perspetiva territorial integrada.

Em resumo, podemos mencionar alguns eixos a considerar neste exercício básico para a transição para modelos alimentares sustentáveis de base local. 

 

- Mapear a teia alimentar local. É necessário realizar um bom mapeamento inicial do sistema alimentar local a fim de se ter uma visão objetiva da situação inicial de modo a estabelecer adequadamente as metas e ações a efetuar. Assim, um mix de abordagens qualitativas e quantitativas é apropriado para realizar esta análise, como se pode observar no trabalho de referência realizado por Joy Carey, em 2011, "Quem alimenta Bristol? Rumo a um plano alimentar resiliente".

 

O objetivo é ter o estudo de base necessário para a definição do plano. Uma abordagem semelhante foi realizada pelo parceiro da rede FOOD CORRIDORS, LAG Tartu. Uma análise estatística do sistema alimentar local, combinada com um diagnóstico qualitativo envolvendo várias dezenas de partes interessadas locais, foi utilizada para traçar as linhas gerais da estratégia alimentar territorial integrada. Alguns dos possíveis pontos da estratégia alimentar do município foram concluídos enquanto aqueles que participaram no mapeamento da situação atual serão envolvidos no processo da estratégia.

 

- Promoção e revitalização das CCAA através da educação, da cultura, da colaboração, de campanhas de informação e promoção, da disponibilização de espaços e infraestruturas (venda, armazenamento, distribuição, formação, digitalização, etc.).

 

- Regulamentos adequados para a criação de condições higiénico-sanitárias adaptadas, simplificação das autorizações, identificação de origem da produção, produção artesanal e outros rótulos locais, apoio económico, benefícios fiscais, ajudas... O envolvimento de funcionários públicos e políticos do município é particularmente eficaz a este respeito.

 

- Contratação pública e outras iniciativas municipais, como a liderada por Mouans-Sartoux, que criou um modelo de abastecimento biológico para cantinas escolares através da criação de uma exploração municipal.

 

- Articulação através de capacitação, coordenação, sinergias e agregação entre políticas e atores, integração de novos intermediários locais, apoio técnico, visibilidade...

 

- A governação sob a forma de mecanismos adequados de participação democrática, autonomia, integração em redes de cooperação transnacional...).

Este artigo foi escrito em paralelo ao processo de conceção dos Planos de Ação Integrados efetuados pelas cidades parceiras da rede FOOD CORRIDORS, com o objetivo de fornecer informações a fim de inspirar as suas propostas de ação. Uma versão simplificada destes conteúdos será testada em workshops transnacionais da rede. Outros artigos serão publicados nos próximos meses em linha com o tema FOOD CORRIDORS referido no Estudo de Base do Projeto.

* Antonio Zafra é o perito líder da rede FOOD CORRIDORS

 Texto submetido a 21 de setembro de 2021 por Vera Lopes