Alterações climáticas e covid-19 – uma história de duas crises
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26 May 2020Um terço das novas Redes de Planeamento de Ação (APN) URBACT centram-se no clima e no ambiente. Neste artigo, reflete-se sobre como se podem alterar os desafios e oportunidades do seu trabalho, face a um mundo pós-covid.
Cidades URBACT mais orientadas do que nunca para as alterações climáticas
Há muito que a sustentabilidade ambiental ocupa um lugar central na abordagem do URBACT, compreendendo uma das três dimensões inerentes ao desenvolvimento urbano sustentável, juntamente com os aspetos económicos e sociais. Simultaneamente, o tema das alterações climáticas tem vindo a estar mais presente nas agendas das autoridades urbanas, mesmo sendo por vezes tratado mais como uma “questão” do que como uma “crise” real.
Maio de 2020 foi o mês da aprovação da Fase 2 das 23 novas Redes URBACT, incluindo cinco no âmbito da economia circular, duas relativas às adaptações climáticas e uma centrada na transição energética. Outras estão também ligadas a estas temáticas, mais indiretamente, incluindo-se neste grupo novas redes sobre cidades mais saudáveis, mobilidade, alimentação, o papel dos negócios e turismo sustentável. Estes números revelam um potencial salto qualitativo para o URBACT na identificação e partilha de novas soluções para as cidades lidarem com as alterações climáticas.
Estas redes estão a iniciar um processo de dois anos, que implica o envolvimento das partes interessadas locais, o intercâmbio transnacional e o apoio de peritos, com o objetivo de se criarem “Planos de Ação Integrada” locais.
Irá a covid-19 mudar a abordagem às alterações climáticas?
Tendo as cidades sido forçadas a explorar novos modos de trabalho perante a covid-19 e a implementar respostas rápidas à crise, poderá a covid-19 provocar uma espécie de “choque” no sistema que mude as nossas perspetivas sobre o que será possível fazer em resposta às alterações climáticas, bem como relativamente a como queremos que sejam as nossas cidades?
Desde o início das medidas de confinamento, muitos de nós viram imagens de estradas, do ar e de cursos de água, pelas quais ansiávamos. “Precisamos de transição deliberada”, afirma a Perita de Programa URBACT Ania Rok. “Mas agora o sistema está a mudar em reação ao desastre. Coisas que, durantes décadas, eram inimagináveis, tornaram-se agora realidade.”
De entre os ‘relatos de boas notícias’, regista-se uma melhoria radical da qualidade do ar e o regresso da vida selvagem aos espaços urbanos, embora a realidade não seja sempre clara: histórias de cisnes e golfinhos de volta aos canais de Veneza nem sempre eram o que pareciam. Contudo, o sentimento de que os cidadãos estão ansiosos por um mundo mais limpo e seguro parece muito real.
“Também assistimos a uma onda de solidariedade sem precedentes,” destaca Ania Rok. “Mais reconhecimento da importância crítica de serviços públicos de alta qualidade… Ideias previamente consideradas demasiado radicais – como o rendimento básico universal – estão a ganhar apoio político… Verifica-se que a nossa liberdade para viajar ou ir às compras pode ser restringida em nome de um bem maior e que, pelo menos para a maioria de nós, essas atividades não são aquilo de que mais sentimos falta.”
O que poderá isto significar para as cidades pós-covid?
A reconstrução das nossas vidas e da economia depois do confinamento deverá representar uma oportunidade para acelerar as transições para a sustentabilidade. O movimento pelo ambiente apela aos líderes europeus e nacionais a apoiarem uma recuperação verde e justa, colocando as pessoas e o planeta em primeiro lugar, mas as cidades também podem intervir ao nível local e existem numerosas boas práticas a partir das quais podemos aprender.
Ania Rok acredita “que as cidades que já investiam num ambiente saudável e na qualidade de vida são, de certo modo, mais resilientes perante a crise… A presença da natureza na cidade, em particular o fácil acesso a áreas verdes, é significativamente importante para a saúde física e mental das pessoas. Boas condições para andar a pé e de bicicleta estão a ajudar as pessoas a manterem-se em movimento enquanto se mantêm em segurança.”
Estes exemplos podem servir de orientação e conhecimento, úteis para outras áreas urbanas planearem um futuro mais sustentável, havendo provas de que as cidades estão a procurar inspiração. “O caso mais famoso talvez seja Amesterdão, ao anunciar que irá adotar a “economia donut” de Kate Raworth como orientação para uma recuperação verde e justa,” refere Ania. “Mas muitas mais cidades estão a colocar-se questões semelhantes, em particular no que se refere ao tipo de economia local que querem alimentar.”
Várias cidades estão a introduzir medidas temporárias para a criação de mais espaço para as pessoas e bicicletas e será interessante ver o que vai permanecer no pós-pandemia. A grande incógnita é se as mudanças consideradas necessárias, em consequência da crise da covid-19, irão levar a uma verdadeira mudança permanente nas atitudes.
Sem dúvida que, para Ania, “falar de ‘retornar ao normal’ é tudo menos reconfortante, porque um mundo onde os interesses económicos particulares triunfam sobre o bem-estar das pessoas e do planeta a longo prazo nunca deve ser considerado normal.”
E o que poderá isto significar para as cidades URBACT mais especificamente?
O URBACT está muito bem posicionado para apoiar as cidades na exploração de oportunidades criadas pela realidade pós-covid, de modo a gerarem formas mais sustentáveis de desenvolvimento urbano. O programa pode promover o conhecimento existente e ideias num tempo em que as cidades e os seus habitantes estão, talvez mais do que nunca, à procura de soluções de base comunitária.
Neste contexto, as descobertas e experiência de várias Redes de Transferência URBACT – procurando a transferência bem-sucedida de exemplos de boas práticas URBACT – nunca foi tão relevante. É o caso das redes: C-Change, sobre o modo como as artes e a cultura podem apoiar a ação climática; BeePathNet, dedicada à apicultura urbana; TropaVerde, encorajando um comportamento ambientalmente responsável que empodera os cidadãos para a reciclagem e a reutilização; e BioCanteens, no seu apoio ao aprovisionamento de alimentos ao nível local.
De igual modo, as novas Redes de Planeamento de Ação serão capazes de responder em tempo real a potenciais oportunidades para aumentar a ambição dos seus esforços. Possivelmente, não haverá melhor altura para, por exemplo, existir uma rede de cidades que trabalham para encontrar maneiras de conceber um turismo mais sustentável (rede Tourism-Friendly Cities). Esta rede poderá produzir ideias para numerosas áreas urbanas para as quais a atual crise representa, possivelmente, uma oportunidade para “começar de novo” e fazer as coisas melhor.
O URBACT já está a apoiar sete cidades num percurso a caminho de se tornarem Zero Carbon Cities, e mais nove para se consagrarem cidades net zero energy através de um Urb-En Pact.
O trabalho das redes para a promoção de abordagens melhoradas à economia circular também pode contribuir significativamente para criar soluções referentes às questões climáticas ao nível local, incluindo a rede URGE, que se empenha na redução do desperdício no setor da construção, e a rede Resourceful Cities, que partilha formas e meios de desenvolvimento para a próxima geração de centros de recursos urbanos, que deverão servir como catalisadores da economia circular ao nível local.
Espera-se que o impacto da covid-19 possa ajudar no incremento da ambição destas redes e das suas cidades, promovendo o tipo de mudança de comportamento necessária para se começar a abordar as alterações climáticas com eficácia. Iremos certamente seguir e divulgar o seu trabalho com interesse.
Reflexões finais
As alterações climáticas têm sido uma questão política desde há muito tempo, mas as ações parecem progredir muito lentamente – uma situação perigosa para a qual esforços como o das greves climáticas estudantis têm tentado chamar a atenção. O Parlamento Europeu declarou finalmente uma “emergência climática” em 2019 e o “Pacto Ecológico” da Comissão Europeia estabelece um objetivo de neutralidade carbónica para 2050. Comparativamente, a covid-19 chegou repentinamente e exigiu respostas políticas e sociais radicais.
Existem claras oportunidades ao nível europeu para enquadrar o ambiente pós-covid, assegurando-se que são ativadas respostas mais adequadas à emergência climática. A revisão dos princípios da Carta de Leipzig para o desenvolvimento urbano sustentável e integrado é uma oportunidade única para enviar uma mensagem clara aos decisores políticos aos níveis nacional e local sobre as prioridades para uma abordagem integrada às cidades.
Estando a decorrer os preparativos para o programa URBACT da próxima geração (2021-2027), as cidades já indicaram a mitigação e adaptação climáticas como prioridades a abordar. Estamos agora a começar a tratar questões em torno da operacionalização dos princípios do Pacto Ecológico e do processo de resistência às alterações climáticas (climate proofing), sendo que as ações de compensação de emissões de carbono foram já introduzidas como custos elegíveis para projetos transnacionais em 2019.
O URBACT irá continuar a trabalhar ativamente no apoio às cidades no intercâmbio e aprendizagem mútua sobre todos estes assuntos. Encorajamos outras cidades participantes a serem tão ambiciosas quanto possível e esperamos vir a divulgar os seus sucessos, práticas e novas ideias. Numa história de duas crises, já é tempo de tratar a crise climática com tanta urgência como aquela com que se lidou com a covid-19.
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Tema de homepage: Ambiente
Submetido pelo Secretariado URBACT a 13 de maio de 2020.
Submitted by Ana Resende on