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9 cidades europeias juntam esforços para pôr fim ao fenómeno dos sem-abrigo. Ambicioso? Claro que sim!

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11 September 2020
Read time: 4 minutes

O que é um sem-abrigo, porque é que este fenómeno está a crescer e como é que soluções inovadoras de habitação estão a resolver este problema

O número de pessoas sem-abrigo está a crescer em todos os países europeus com exceção da Finlândia, tornando o combate a esta forma extrema de pobreza ainda mais urgente. Enquanto isso, as cidades debatem-se para compreender os números com que estão confrontadas, identificar os seus problemas específicos e finalmente encontrar soluções inovadoras para trabalhar com eles. Um tempo de crise exige respostas radicais e uma mudança de mentalidades. Poderá a colaboração entre 9 cidades europeias conduzir ao fim de uma era?

 

"Costumo ver esta senhora, mesmo à saída do centro onde distribuem metadona. Todas as manhãs, ela está ali. Trata-se de uma senhora idosa e com uma saúde física débil. Tenho passado por ela todos os dias durante o último ano - um ano inteiro, todos os dias. Agora cumprimentamo-nos um ao outro. Ela faz-me lembrar a razão pela qual faço o meu trabalho “diz Steven enquanto nos afastamos do MSOC em Ghent, um centro médico onde as pessoas podem obter metadona e apoio. Steven Vanden Broucke trabalha para a cidade belga de Ghent desde 2018 e está a elaborar um plano de ação local para erradicar o fenómeno dos sem-abrigo crónicos. Ao MSOC chegam todos os dias 200 pessoas com problemas de toxicodependência e muitas vezes de saúde mental, das quais cerca de metade são sem-abrigo. "Apenas uma parte delas não possui uma habitação", refere-nos um dos médicos do projeto. "Porém muitas vivem em habitações inseguras e inadequadas ou saltitam de casa em casa".

A cidade de Ghent (BE) lidera a nova Rede de Planeamento de Ação URBACT chamada ROOF que tem como objetivo erradicar o fenómeno dos sem-abrigo através de soluções inovadoras de habitação. O projeto é uma parceria entre 9 cidades: Ghent (parceiro líder), Braga (PT), Glasgow (UK), Gotemburgo (SE), Liège (BE), Nápoles (IT), Timisoara (RO), Salónica (EL) e Toulouse (FR). As cidades vão comparar as melhores e piores práticas, aprender umas com as outras e crescer em conjunto com dois objetivos principais: 1. recolher dados precisos sobre os sem-abrigo na sua própria cidade; 2. fazer a mudança da gestão para a erradicação do fenómeno dos sem-abrigo, tendo como modelo de orientação os programas Housing First e Housing Led.

Quarto num centro de acolhimento para sem-abrigo em Nápoles (Itália)

Medir é saber

O fenómeno dos sem-abrigo não tem uma única definição, e esta falta de definição é também parte do problema. Enquanto a imagem comum de um sem-abrigo é uma pessoa que vive na rua, muitos sem-abrigo dormem em casa de amigos ou familiares, nos seus carros ou em condições inadequadas. Os sem-abrigo muitas vezes não querem ser vistos. Ao visitar um dos centros de dia para sem-abrigo em Liège, o diretor explicou: "As pessoas que vêm ao nosso serviço para obter uma refeição e uma cama, podem permanecer anónimas. Só lhes pedimos que mantenham a mesma identidade durante toda a sua estada aqui". Patricia Vanderbauwhede, que trabalha para o Departamento de Habitação da cidade de Ghent e lidera o projeto ROOF, acredita que uma recolha de dados rigorosos sobre os sem-abrigo é um passo crucial para a resolução do problema. "É muito conveniente para uma cidade pensar que os números são menores do que realmente são. Temos de trabalhar em conjunto para tornar este problema visível e revelar os números reais".

Ainda que os números sejam difíceis de recolher e comparar, há estudos que mostram que todos os anos se registam mais de 4 milhões de pessoas sem-abrigo na Europa. "Só a crise - verdadeira ou percebida - produz mudanças reais" disse Milton Friedman. E para os sem-abrigo, o contexto de crise múltipla é evidente: a Crise Financeira Global trouxe níveis mais elevados de pobreza; a Crise Imobiliária faz com que o mercado da habitação se torne hoje quase inacessível para as pessoas mais vulneráveis e a Crise Migratória na Europa causa dificuldades aos migrantes em encontrar habitação a preços acessíveis, aumentando o risco de se tornarem sem-abrigo, devido à sua situação complexa (como a falta de recursos financeiros, barreiras linguísticas, diferenças culturais e questões de saúde mental).

Arte de rua no bairro de Sanità em Nápoles (Itália)

A habitação como um direito humano, não como uma recompensa

O projeto ROOF propõe-se não apenas compreender o problema, mas também explorar soluções inovadoras de habitação, nomeadamente, com o projeto "Housing First", tendo por base a observação do único país europeu a obter bons resultados na redução dos sem-abrigo e com uma longa e bem-sucedida experiência na sua adoção. O modelo" Housing First " desenvolve-se ao invés do modelo tradicional, que é o modelo em escada, segundo o qual as pessoas têm de passar por vários degraus antes de conseguirem uma habitação, por exemplo, libertando-se primeiro de um vício que tenham. No "Housing First" é concedido o acesso imediato a uma habitação, partindo-se posteriormente para a resolução de outros problemas, com liberdade de escolha e flexibilidade. Esta abordagem coloca a habitação como um direito humano e não como uma recompensa, tendo em atenção que as soluções temporárias em matéria de habitação são frequentemente mal sucedidas no que respeita a pessoas com necessidades complexas.

Neste contexto, durante a minha visita à cidade de Glasgow conheci três jovens adultos na Queens Cross housing association. Eis o testemunho de um deles: "Sou muito facilmente influenciado", referiu, " Voltar para uma instituição ou uma solução de habitação temporária, e viver com outras pessoas que têm problemas semelhantes teria significado voltar às drogas, perder o meu emprego... Precisava do meu próprio espaço, precisava de endireitar a minha vida por minha conta". Os três jovens adultos vivem agora em pequenos apartamentos independentes, e têm apoio 24 horas por dia da associação de habitação, se necessário.

Visita de estudo a Glasgow (Escócia)

O programa URBACT é perfeito para esta rede, pois facilita o intercâmbio e a aprendizagem a nível transnacional e local, reforça as capacidades, fornece às cidades orientação para elaborar um plano de ação local em conjunto com as partes interessadas, colocando a tónica na comunicação e divulgação. Estes quatro aspetos constituem uma grande oportunidade para as cidades agirem. "O URBACT permite que cada cidade se concentre sobre um tema desejado, para o trazer à agenda política e à atenção dos cidadãos", diz Ariana Tabaku, da equipa de coordenação da Cidade de Ghent. "Todas as cidades devem utilizar esta oportunidade estrategicamente".

 

O Professor Eoin O'Sullivan (Trinity College, Dublin) fala na reunião kick-off do ROOF

 

A rede ROOF está determinada a influenciar as estratégias europeias sobre o tema, uma vez que a Europa não tem uma política específica para os sem-abrigo. Durante a reunião de kick-off da rede em Nápoles, em outubro de 2019, o Professor Eoin O'Sullivan falou sobre a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030, referindo que um dos seus objetivos é erradicar o fenómeno dos sem-abrigo (o que significa que a condição de sem-abrigo é rara, breve e não recorrente) em todos os estados-membros até 2030 (Functional Zero Homelessness). Os planos de ação das 9 cidades participantes e soluções de pequena escala a implementar nos próximos dois anos, podem bem contribuir para alcançar o ambicioso objetivo de acabar com o fenómeno dos sem-abrigo.

 

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Texto da autoria de Liat Rogel, apresentado a 29 de janeiro de 2020