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“A Crise dos Migrantes”: que compromisso para a Europa e para a Agenda Urbana?

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09 October 2017
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No seguimento do artigo sobre habitação a preços acessíveis na Europa, damos continuidade à nossa série de artigos sobre as parcerias criadas no âmbito da Agenda Urbana para a União Europeia. Este mês, o tema incide sobre a inclusão de refugiados e migrantes. Para ler em conjunto com o artigo Migrant Crisis”: what can cities learn about new service design [“A Crise dos Migrantes”: o que podem as cidades aprender acerca das novas formas de prestação de serviços?] por Eddy Adams.

A Agenda Urbana para a UE está empenhada em dar resposta àquela que é considerada a maior vaga de migração para a Europa desde a Segunda Guerra Mundial e ao seu impacto nas cidades. De que forma poderemos enquadrar estas ações no atual labirinto de tensões políticas e humanitárias?

Cidades e migrantes

Imagine uma cidade europeia de média dimensão com uma população de cerca de 80.000 habitantes, a maioria mulheres e crianças. Trata-se do mesmo número de pessoas que chegaram à Europa de barco durante as primeiras seis semanas de 2016. (Agência das Nações Unidas para os Refugiados, ACNUR)

Adicione a essa uma cidade de média dimensão com serviços e infraestruturas precárias, com 46.000 habitantes (só o campo de Idomeni acolheu cerca de 11.000 migrantes), criada no novo campo de refugiados grego (ACNUR 2016). Os migrantes encontram-se retidos na Grécia desde que a Macedónia fechou a rota dos Balcãs utilizada para atravessar a fronteira com a Grécia.

Além disso, o número de migrantes em fuga do continente africano, através da Líbia e do Médio Oriente, que chegaram à Europa em 2015 corresponde à dimensão da população da região de Bruxelas. Atualmente, é evidente que o número de pessoas desesperadas sem qualquer alternativa que não seja a de sujeitarem os seus filhos à viagem mais perigosa das suas vidas, está a aumentar de forma dramática.

Estes acontecimentos põem em causa um dos pilares fundamentais da União Europeia – a solidariedade. Os Estados-Membros estão em (des)acordo quanto à implementação de um sistema de relocalização dos refugiados baseado em quotas e a Europa não está a cumprir a sua missão ao ter assinado um acordo injusto com a Turquia, que se limita a enviar as pessoas em fuga classificadas como «não tendo direito a proteção internacional» para um país com um regime autoritário. Trata-se de um acordo categoricamente contestado por ONG, iniciativas de voluntariado independentes e organizações humanitárias internacionais, que denunciam o desrespeito pelos direitos humanos básicos (ECRE, ACNUR, Amnistia Internacional e muitos outros). Além disso, as regras da UE em matéria de asilo[1] permitem que os Estados-Membros «rejeitem os pedidos dos requerentes de asilo sem apreciar o respetivo fundamento» (por exemplo, em cidades escocesas, alemãs ou em Viena). Estas condições criam uma situação de desorganização para pessoas que já estão em sofrimento e que tentam encontrar o seu caminho para uma vida digna no meio de um labirinto de regras contraditórias e muitas vezes injustas[2].

Respostas locais das administrações municipais europeias

Muitas administrações municipais europeias estão empenhadas na implementação de soluções localmente viáveis destinadas a proporcionar proteção, abrigo adequado e apoio em resposta às necessidades dos migrantes. As estratégias diferem consideravelmente por se tratar de iniciativas locais. Um relatório recente da Eurocities baseado num inquérito realizado em 34 cidades de 17 Estados-Membros e na Noruega oferece uma perspetiva das experiências das cidades europeias enquanto centros de acolhimento dos migrantes recém-chegados. As administrações locais estão também a trabalhar em rede e a exercer pressão, demonstrando uma organização cada vez melhor com vista ao intercâmbio de práticas a nível europeu, independentemente dos limites impostos pelos governos centrais.

No ano passado, a presidente da câmara municipal de Barcelona, Ada Colau, lançou a iniciativa Barcelona Ciutat Refugi e, recentemente, a urban resilience week em Barcelona, a qual reuniu os presidentes das câmaras de Barcelona, Atenas e Tiassalé (Costa do Marfim), juntamente com o secretário-geral da organização Cidades e Governos Locais Unidos (UCLG), com o objetivo de trocarem experiências no âmbito de uma resposta local à receção de migrantes nas respetivas cidades. Realizaram-se acordos entre cidades, como aquele que foi proposto pelos presidentes das câmaras de Barcelona e Atenas para a relocalização de 100 refugiados em Barcelona. Na Declaração de 21 de abril sobre a Agenda Urbana para a UE e a Crise dos Refugiados, os presidentes de câmara das capitais da UE manifestaram o seu compromisso em matéria de ações coordenadas entre cidades; a CEMR (Conferência dos Municípios e Regiões da Europa) lançou iniciativas relacionadas nas quais as cidades se assumem como protagonistas.

No âmbito do URBACT, a rede Arrival Cities está a desenvolver planos de ação entre parceiros para a integração local dos migrantes: as cidades de Amadora, Patras, Messina, Riga, Oldenburg, entre outras, decidiram envolver ONG locais, bem como iniciativas independentes promovidas em bairros, instituições locais e centros de investigação com vista à colaboração nas áreas da educação, integração cultural, emprego e serviços públicos. Outras redes URBACT trabalharam a mesma temática no passado, como é o caso da rede MILE, e as futuras redes poderão voltar a abordá-la no âmbito do concurso de Redes de Implementação.

As estratégias implementadas ao nível das cidades enfrentam vários tipos de tensões. As políticas locais contrastam por vezes com as decisões tomadas a níveis mais elevados, uma vez que as políticas de integração estão nas mãos dos governos nacionais. Os fundos da UE nem sempre alcançam o destinatário certo e discriminam pessoas com um estatuto jurídico diferente, dificultando a prestação de ajuda, em especial aos migrantes sem documentação[3] que chegam às cidades europeias. Em suma, embora a importância da dimensão urbana seja amplamente reconhecida, as cidades não dispõem de um lugar à mesa das negociações no que toca à elaboração de políticas.

Governança a vários níveis na Agenda Urbana para a UE

A parceria no domínio da «inclusão de migrantes e refugiados» constitui, em princípio, uma oportunidade única para coordenar ações urbanas entre os níveis de governança e a sociedade civil, e para partilhar conhecimentos diferentes à volta da mesma mesa. Um dos objetivos da Agenda Urbana para a UE consiste em «definir uma abordagem mais integrada das políticas e da legislação europeias e nacionais com claro impacto nas Áreas Urbanas». As parcerias criadas no âmbito da Agenda Urbana para a UE serão implementadas através de um Plano de Ação com ações concretas a nível europeu, nacional e local, fornecendo orientações em matéria de 1. Melhoria da regulamentação europeia; 2. Melhoria do acesso ao financiamento europeu; 3. Melhoria da partilha de conhecimentos e da cooperação entre cidades.

A parceria realizou duas reuniões de troca de conhecimentos entre os parceiros voluntários tendo sido abordados, entre outros temas, estratégias locais para a receção de migrantes em Berlim, Barcelona e Atenas em várias áreas como, por exemplo, habitação e serviços públicos. Entre os parceiros contam-se a DG Home e a DG Empl da UE, três Estados-Membros (Itália, Portugal, Grécia), as cidades de Atenas, Helsínquia, Barcelona, Berlim e Amesterdão, bem como organizações internacionais (algumas na qualidade de membros ativos como o URBACT, CMRE, ECRE e EUROCITIES) e outras entidades envolvidas no âmbito da relevância temática (por exemplo, Nações Unidas, PICUM, EUKN, entre outras).

Em termos de regulamentação, a parceria está a elaborar um mapeamento abrangente dos regulamentos em causa, um exercício que exige uma melhor coordenação entre as diferentes DG. Em termos de conhecimentos, haverá ações relacionadas com a coordenação das plataformas existentes, estando previsto o mapeamento de práticas e estudos de casos de projetos de integração de migrantes levados a cabo por cidades. No que diz respeito ao financiamento, estão previstas ações destinadas a coordenar os fundos existentes: os fundos europeus disponíveis para a implementação de estratégias urbanas sustentáveis (cerca de 15 mil milhões de euros) e para a inclusão social (cerca de 21 mil milhões de euros) deverão ser alvo de uma utilização mais eficaz a fim de facilitar a cooperação das autoridades locais com as autoridades de gestão, nacionais e/ou regionais.

Os primeiros resultados das Ações Urbanas Inovadoras mostram um investimento adicional neste domínio (50 propostas para a rubrica «migrantes e refugiados», com um envelope financeiro de 80 milhões de euros para 2016). As ações futuras destas parcerias incluem a organização de seminários ad hoc em áreas temáticas específicas como a habitação (em que estará envolvida a parceria Habitação a Preços Acessíveis), emprego, educação e organização comunitária.

Cidades: intervenientes na crise migratória?

A Agenda Urbana para a UE deve funcionar como um diálogo político permanente entre a UE, os Estados-Membros, as cidades e a sociedade civil sobre este tópico da integração dos migrantes nas cidades.  Deverá ainda promover um maior desenvolvimento das parcerias entre cidades com base no início recente da cooperação direta para a resolução de questões prementes como a reinstalação de refugiados, fornecendo informações claras sobre as discrepâncias entre aquilo que se passa no terreno e as decisões tomadas nos gabinetes da UE.

Tal como foi dito noutro artigo, as vozes da sociedade civil ainda não são suficientemente fortes nestas mesas de negociação da Agenda Urbana, tendo em conta o trabalho considerável realizado pelas organizações internacionais, os movimentos sociais e as iniciativas independentes levadas a cabo pelos cidadãos. A comunicação em rede é fundamental, não para alimentar a economia das conversas vazias, mas para expandir alianças a nível europeu entre governos, iniciativas promovidas pelas cidades e a sociedade civil, a fim de abrir novas oportunidades.

A Europa depara-se com inúmeros desafios e a sua própria existência depende também da sua resposta à atual crise migratória. A questão a colocar é a de saber de que forma será possível escapar à falsa dicotomia entre segurança política e solidariedade, que dá cobertura ao absurdo de construção de uma fortaleza europeia num mundo em mudança. A migração em massa não é um acontecimento esporádico, pelo que devem ser procuradas soluções que nos levem a repensar a forma como as desigualdades são criadas.

Citando Zygmunt Bauman:

Não acredito que exista uma solução simples para o atual problema dos refugiados. A Humanidade está em crise – e não existe outra saída para essa crise que não passe pela solidariedade dos seres humanos

Laura Colini

26 de maio de 2016

Créditos fotográficos: The weekly bull on flick


[1] Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional. O Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA) encontra-se atualmente em processo de reformulação, ver COM(2016) 197 «REFORMAR O SISTEMA COMUM EUROPEU DE ASILO E MELHORAR AS VIAS DE ENTRADA LEGAL NA EUROPA», Bruxelas, 6.4.2016.

[2] Leia a história de uma família em Beziers como exemplo da existência de regulamentos desatualizados, no The Guardian

[3] O financiamento da UE para os migrantes sem documentação está limitado à assistência alimentar nos casos de pobreza extrema (Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas - FEAD) ou ao apoio ao regresso (através do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração - FAMI). Outros mecanismos de financiamento geridos pela DG REGIO ou pela DG EMPL (incluindo o Fundo Social Europeu – FSE) estão limitados aos migrantes que residem regularmente na UE, aos requerentes de asilo ou aos refugiados reconhecidos. Ver PICUM

 

 

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