‘Housing First’: como duas cidades URBACT na Bélgica implementam o direito à habitação
Edited on
30 June 2021Descubra como duas cidades belgas estão a combater o fenómeno das pessoas sem-abrigo como parte da rede URBACT ROOF
Os parceiros da rede ROOF - e outras redes URBACT conexas - têm contribuído com as suas experiências para a iniciativa UIA-URBACT "Cidades empenhadas no direito à habitação", desde o início de 2020. Neste artigo, Zoé Lejeune, do Ponto URBACT Nacional belga, conta-nos como o direito à habitação tem sido implementado em Liège e Ghent.
A situação no terreno
Nas cidades de Liège e Ghent (BE), trabalhadores no terreno e assistentes sociais, voluntários e outras equipas de primeira linha percorreram as ruas na noite de 27 de Outubro de 2020, visitando os principais locais onde as pessoas sem-abrigo normalmente descansam, dormem ou esperam que a luz do dia chegue... A fim de realizar uma contagem precisa das pessoas sem-abrigo, a Fundação Rei Baudouin tinha financiado um censo, bem como um questionário destinado a conhecer melhor esta população, de modo a poder apoiá-la melhor.
Esta contagem das pessoas sem-abrigo é um primeiro passo para a conceção de respostas públicas mais adequadas, alinhadas com o objetivo #HousingFirst adotado por estas duas cidades belgas na rede URBACT ROOF: fornecer uma solução para pessoas sem-abrigo de longa duração, geralmente com problemas de toxicodependência e de saúde mental.
"O objetivo é que, para construir políticas locais coerentes, precisamos de conhecer o melhor possível a nossa população sem-abrigo. Mais do que uma contagem, trata-se de um censo. Fomos à procura de informação para termos vários perfis. E queremos fazê-lo de dois em dois anos", diz Arnaud Jacquinet, coordenador do Relais social du Pays de Liège (RSPL), a organização responsável pelos projetos destinados a ajudar as pessoas sem-abrigo na cidade.
A experiência do ‘Housing First’ na Bélgica
O conceito de ‘Housing First’ foi fundado no início dos anos 90 em Nova Iorque por um psicólogo norte-americano que estava convencido de que o direito à habitação é um direito fundamental, mas também uma etapa essencial para acabar com as causas estruturais associadas à situação de sem-abrigo. Este conceito contrariou a opinião dominante de que outros desafios socio-pessoais precisavam de ser ultrapassados primeiro antes de alguém estar "pronto" para ter a sua própria habitação.
O modelo ‘Housing First’ não tem apenas a ver com a disponibilização de habitação, mas também com a prestação de serviços essenciais e o respeito por princípios fundamentais em paralelo com a habitação. O conceito 'Housing First' na Europa identifica oito princípios fundamentais, que são os motores do sistema na Bélgica, incluindo a escolha, o planeamento centrado na pessoa e o apoio flexível durante o tempo que for necessário.
Oito princípios fundamentais do Conceito ‘Housing First’ na Europa. Source: https://housingfirsteurope.eu
Desde há quase uma década, o Ministério Federal responsável pela luta contra a pobreza tem financiado uma experiência de 'Housing First' na Bélgica. Lançada em
A habitação é disponibilizada em primeiro lugar, mas juntamente com apoio adicional - primeiro por trabalhadores sociais e de saúde, depois por técnicos de integração para fins profissionais, o que é fundamental. "O projeto HF induz uma mudança de paradigma ao nível da ação social e isto não é facilmente aceite por todas as partes interessadas", comenta Arnaud Jacquinet.
O Programa 'Housing First' na Bélgica funciona!
Dentro do conjunto de soluções a longo prazo para acabar com o fenómeno das pessoas sem-abrigo, o 'Housing First' provou ser uma componente-chave no apoio aos grupos mais vulneráveis na Bélgica e, desde 2013, 18 projetos adotaram a abordagem em diferentes cidades belgas, dos quais quatro em Bruxelas.
Renaud De Backer, Coordenador Nacional do ‘Housing First’ Lab, fornece mais detalhes: "No que respeita à fase experimental, temos dados consolidados relativos a 378 pessoas em três diferentes grupos de teste controlados. No grupo 'Housing First', após dois anos, 93% delas ainda tinham habitação. Em comparação, apenas 48% das pessoas do sistema clássico de ajuda tinham habitação. Desde esta experiência, mais de 855 pessoas foram realojadas pela 'Housing First' na Bélgica e 86% delas ainda têm habitação".
Housing First’ in Belgium: it works! Fonte: ‘Housing First’ Lab Belgium
Muitas partes interessadas locais acreditam que alcançámos um verdadeiro ímpeto político na Bélgica com grandes oportunidades para que o 'Housing First' se torne mais utilizado: O "HF é mencionado em todas as declarações políticas regionais e federais. É a primeira vez que quatro governos belgas citam o mesmo programa, a mesma ambição, que ainda não é comum mas que identifica um horizonte no combate do fenómeno das pessoas sem-abrigo", continua Renaud De Backer.
Barreiras contínuas à implementação
Infelizmente, peritos locais e assistentes sociais identificam várias barreiras substanciais à continuação da implementação do ‘Housing First’ na Bélgica. Nomeadamente:
»»» a falta de recursos;
»»» a concorrência potencial entre grupos vulneráveis no acesso a soluções habitacionais num contexto de oferta inadequada - as empresas sociais têm recursos insuficientes para renovar ou construir novas habitações, enquanto que cada vez mais agregados familiares são acrescentados às listas de espera;
»»» o insuficiente desenvolvimento ou reconhecimento de soluções complementares no sector privado;
»»» o conhecimento insuficiente do sector da habitação sobre o mecanismo 'Housing First'.
"A pressão no mercado da habitação força os grupos precários a competir na base do mercado. A financeirização e as políticas que privilegiam o mercado criam e perpetuam esta situação. As políticas de exclusão que favorecem proprietários e investidores devem ser orientadas para políticas mais inclusivas que garantam habitação acessível para todos" argumenta Steven Vanden Broucke, coordenador do Grupo Local URBACT em Ghent.
Advogando o ’Housing First’: a rede URBACT ROOF
Estes e outros desafios estão no cerne do trabalho da rede ROOF - uma Rede de Planeamento de Ação URBACT criada em 2019 pela cidade de Ghent. A nível local, cada uma das nove cidades parceiras da UE está a elaborar um plano de ação integrado: isto implica trabalhar de uma forma transversal e multidisciplinar. Um compromisso que reúne todas as partes interessadas, com o objetivo de erradicar a longo prazo o fenómeno das pessoas sem-abrigo, através do acesso a habitação permanente. Atualmente, os parceiros da rede ROOF são Braga, Ghent, Glasgow, Liège, Odense, Poznan, Timisoara, Thessaloniki e Toulouse Métropole.
"Esperamos que, juntamente com Liège, sejamos capazes de impulsionar as políticas nacionais na Bélgica, porque temos as partes francófonas e flamengas juntas", diz Patricia Vanderbauwhede, coordenadora da rede URBACT ROOF. Mas o objetivo é, evidentemente, contribuir para acabar com o fenómeno das pessoas sem-abrigo em toda a rede ROOF e em todas as cidades europeias. Para o fazer, a ROOF também defende o direito à habitação para todos a nível da UE. E o 'Housing First' é uma das soluções fundamentais advogadas!
Os fundamentos do trabalho e as ações empreendidas pela ROOF são:
- Necessidade de uma abordagem a vários níveis para expandir o modelo "Housing First"
As cidades desempenham um papel central, mas as principais oportunidades em termos de habitação - tanto públicas como privadas - precisam de ser apoiadas por políticas regionais, nacionais e mesmo pela UE e por oportunidades de financiamento. Ter uma estratégia nacional de apoio ao 'Housing First' revelou-se fundamental para o êxito dos projetos nos países onde se aplicou de forma generalizada. Sensibilizar os eurodeputados e construir parcerias e coligações de partes interessadas urbanas são objetivos-chave dos parceiros da ROOF.
- Identificar as partes interessadas certas, especialmente no sector da habitação
A criação de parcerias e uma melhor colaboração entre os serviços (habitação, ação social, emergência, apoio profissional, etc.) depende do contexto e das oportunidades locais, dos pontos fortes dos parceiros e do acesso privilegiado aos serviços em questão. O URBACT fornece às cidades um método e ferramentas - tais como a cocriação e as abordagens participativas - para a criação de soluções globais, com o apoio político adequado.
- Números: quantificar as pessoas sem-abrigo e conhecer o público-alvo do programa
Há necessidade de desenvolver o 'Housing First' a diferentes níveis para identificar primeiro qual é o problema e conhecê-lo melhor, e depois mostrar que as soluções 'Housing First' funcionam de facto melhor do que as emergências sociais, que precisam de se concentrar nas suas próprias tarefas e público-alvo. A contagem, ou censo, é um primeiro passo para evidenciar a questão como uma componente-chave da estratégia habitacional para as cidades. Para tal, as cidades parceiras na rede ROOF têm trabalhado muito em torno da metodologia ethos light, desenvolvida pela FEANTSA - a Federação Europeia de Organizações Nacionais que trabalham com as pessoas sem-abrigo.
- Ação a nível local, nacional e europeu: implementar o direito à habitação
A força do URBACT advém de ter cidades de diferentes países, em diferentes partes da Europa, todas apoiando o mesmo modelo e promovendo a necessidade de um maior financiamento destas soluções. "Não havia muito enquadramento político em torno do 'Housing First', é isso que estamos a tentar fazer com a rede ROOF, de modo a colocá-lo na agenda política... para garantir que todos os níveis trabalhem com as pessoas sem-abrigo, de uma forma que beneficie as cidades", diz Patricia Vanderbauwhede.
"Penso que é papel das cidades traduzir a realidade local para os níveis superiores. Porque, na prática, somos nós a trabalhar com as pessoas que estão nas ruas. Somos nós que podemos sentir o que está a funcionar e o que não está, o que é necessário e o que não é. Aí, temos um papel muito importante a desempenhar: ser um parceiro construtivo dos níveis de governo superiores", continua Steven Vanden Broucke.
Mais informações
O 'Housing First' é apenas uma das soluções-chave para acabar com o fenómeno das pessoas sem-abrigo a longo prazo e muitas outras soluções e colaborações inovadoras surgirão nos próximos meses e anos. Com base na sua iniciativa conjunta ’Cidades empenhadas no direito à habitação’ desenvolvida ao longo de 2020, a UIA e o URBACT vão lançar uma nova plataforma na primavera de 2021 com estudos de caso inspiradores sobre habitação colaborativa, finanças justas e outras questões habitacionais. Fique atento às atualizações!
Artigos URBACT recentes:
- From Street Lockdown to a Roof Over Your Head - um relatório de Liat Rogel sobre as valiosas lições que o covid-19 tem vindo a ensinar às cidades sobre como acabar com o fenómeno das pessoas sem-abrigo.
- As cidades da UE exploram o financiamento justo para impulsionar a habitação condigna e acessível.
- As cidades da UE exploram o financiamento justo para impulsionar a habitação condigna e acessível
- Levando as cidades a rejeitar a exclusão em matéria de habitação como um ’facto da vida’.Habitação comunitária - um ingrediente-chave da política de habitação urbana
Ver também vários outros projetos inspiradores sobre cidades empenhadas no direito à habitação na Bélgica:
- ICCARus em Ghent (UIA)
- CALICO na Região de Bruxelas-Capital (UIA)
- CURRANT em Antuérpia (UIA)
- Rede URBACT ALT/BAU, incluindo a cidade parceira belga Seraing
Fotografia da capa da autoria de Jeroen Adriansens & Bruno van herck ©
Etiqueta de homepage:
Texto da autoria de Zoé Lejeune, apresentado a 25 de Março de 2021
Submitted by Ana Resende on